Qualquer pessoa que já tenha desfrutado da comodidade que a internet proporciona através das lojas virtuais já se deparou com ofertas de itens de interesse no site em que está navegando. Longe de ser aleatório, esse tipo de seleção é feito por sistemas de recomendação, tecnologia que monitora a navegação dos internautas e identifica automaticamente perfis e interesses para oferecer conteúdos personalizados como notícias, produtos e serviços.
Conforme explica Anisio Mendes Lacerda, diretor de Tecnologia da Zunnit Technologies, empresa que comercializa o sistema de recomendação Z-Engine, esse trata-se de um software que auxilia os internautas a encontrarem itens interessantes, dado um grande número de escolhas possíveis. “No dia a dia, as pessoas baseiam-se na opinião de outras para escolher qual filme assistir, qual livro comprar ou qual destino escolher para viajar nas férias. O objetivo desses sistemas é automatizar esse processo, ajudando usuários a fazer a melhor escolha possível de acordo com as suas necessidades”, detalha.
Lacerda conta que o sistema é baseado em algoritmos que permitem conhecer o perfil do usuário, como sexo, localização, entre outras informações, para identificar qual seria o melhor produto a indicar. Na prática, o Z-Engine instala um código no site do seu cliente, que pode ser uma loja virtual ou um portal de conteúdo. Através de robôs (programas de computador especializados), o sistema separa com precisão conteúdos digitais relevantes de outros não tão importantes para cada perfil identificado. “Hoje a nossa plataforma de e-commerce é capaz de suportar milhares de clientes e retornar recomendações de qualidade em poucos milissegundos”, assegura.
Entre as vantagens, a facilidade ao internauta e o aumento nas vendas dos sites de e-commerce e no tempo de visitação de portais de conteúdo. “O sistema de recomendação de maior sucesso é o da Amazon.com, que, indicando produtos no portal da empresa, conseguiu aumentar suas vendas em 35%. Outros casos de sucesso são o Netflix, com 67% dos filmes alugados a partir de recomendações, Google News, com ganho de 38% na taxa de cliques, e o YouTube, com aumento de 60% nas de visualizações de vídeos”, informa.
Onde mora o perigo
Para Ruy José de Queiroz, professor associado do Centro de Informática da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), a internet é um grande instrumento para conectar e aproximar as pessoas e ajuda a criar um mundo melhor, mais plural e democrático. No entanto, observa que alguns indícios levam a suspeitar de que no momento a realidade pode ser bem diferente. “Os anúncios que nos são exibidos, assim como os resultados de busca que obtemos na rede e até mesmo as notícias veiculadas nos portais jornalísticos estão cada vez mais baseados em critérios automatizados de seleção que estão personalizando o que chega até cada um de nós, e o mais grave é que não conhecemos, nem sequer somos alertados sobre os critérios adotados”, critica.
Na opinião de Gil Giardelli, professor de MBA e pós-graduação da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing) e diretor executivo da Gaia Creative, do ponto de vista das empresas, esses sistemas refletem a evolução da tecnologia nos dias de hoje, tornando a internet mais inteligente e a experiência do usuário mais personalizada e humana. Por outro lado, avalia, esse tipo de software recolhe informações de uma experiência totalmente pessoal. “Mesmo que as empresas que utilizam o sistema não considerem uma invasão de privacidade, cabe ao usuário considerar ou não. Como já vimos acontecer com o Facebook, sabemos que é isso que ocorrerá”, diz Giardelli.
André Lemos, professor da Faculdade de Comunicação da UFBA (Universidade Federal da Bahia), aponta que um dos problemas que pode ser gerado pelos sistemas de controle e vigilância eletrônicos é que os usuários não têm consciência, na maioria dos casos, de que seus dados estão sendo coletados e que podem ficar “ativos” na rede por muito tempo. “Essas informações são fonte de riqueza que pode fazer dos internautas reféns dos sistemas através dos perfis médios gerados. Nesse sentido, precisamos definir uma proteção legal para que os cidadãos possam tomar conhecimento de como é feita a obtenção dos seus dados, onde e como são utilizados, além, é claro, de ter o direito de autorizar ou não essa captura e de pedir a qualquer momento o apagamento de tais informações. Sistemas de recomendação são úteis e atuam nessa fronteira tênue entre conhecer para ajudar ou para monitorar para outros fins”, opina.
Ainda segundo ele, o software pode ser considerado uma invasão de privacidade e quebra do anonimato se o usuário não é informado sobre o que está acontecendo. “Esses são os pilares da democracia e sustentam o estado de direito. Acho que não podemos abdicar desses dois princípios básicos em nome de sistemas informacionais sobre os quais não temos o menor controle. A vida social passa hoje pela captura de dados. Devemos, assim, garantir a existência de uma vida privada e o direito ao anonimato na sociedade da informação”, defende.