Leila Khaled fala à Caros Amigos sobre a luta palestina

Leila Ali Khaled carrega as marcas e o peso de um conflito que já dura décadas. Aos 68 anos, é uma mulher firme, com o olhar penetrante, que tem no sangue a vontade de lutar pela sua terra e principalmente pela sua história. Considerada ídolo da juventude palestina, viu na luta armada uma maneira de defender a desocupação militar israelense. Um tanto impaciente com o calor e o burburinho de São Paulo, vez ou outra Leila deixa escapar um sorriso. Ela mantém o mesmo olhar que a tornou famosa em todo mundo, “certas coisas não mudam”, como ela mesma diz.

Leila ficou conhecida na década de 70 por ser uma das únicas mulheres a militar ativamente pela causa Palestina. Sua trajetória começou aos 15 anos, quando encontrou na luta por meio das armas uma maneira de retornar ao seu lar, que foi obrigada a abandonar junto com a família, após o massacre que assolou a região em 1948, e meio milhão de palestinos, entre eles seus pais, foram obrigados a fugir do conflito Árabe-Israelense. Leila e sua família foram para o Líbano, onde passaram a viver como refugiados. Já na adolescência, juntou-se ao Movimento Nacionalista Árabe e alguns anos depois mudou-se para o Kuwait, onde conheceu e filiou-se à Frente Popular de Libertação da Palestina (FPLP), que tinha como principal objetivo a construção de um estado palestino em território ocupado pelo exército israelense.

Causa internacional
Pouco tempo depois, Leila se mudou para Jordânia e lá iniciou o seu treinamento com o então co-fundador da FPLP, Waddi Haddad. Foi quando aprendeu, entre outras coisas, a pilotar aviões para que pudesse colocar em prática o mais audacioso plano da organização, que via no sequestro de aeronaves uma maneira de transformar da causa palestina numa questão internacionalmente reconhecida.

Em agosto de 1968, Leila e alguns companheiros tomaram a cabine e desviaram um voo da TWA, antiga companhia aérea estadunidense, o Boeing 707 que saía de Roma e foi forçado a aterrissar em Damasco, capital da Síria. Antes, Leila obrigou o piloto a sobrevoar Haifa, sua cidade natal. Não houve mortos ou feridos na ação, mas o objetivo principal da FPLP foi alcançado. O mundo começou a enxergar a causa palestina, e o fato do sequestro envolver uma mulher árabe ajudou a chamar a atenção da mídia. Àquela altura, Leila já era considerada uma das mais bem treinadas e preparadas combatentes da FPLP, e com o sucesso da primeira ação, a organização preparou mais um sequestro. Dessa vez o alvo seria o avião que levaria o então embaixador de Israel nos Estados Unidos, Yitzhak Rabin. Foram mais de seis meses de preparo, que incluíram operações plásticas com objetivo de modificar o aspecto de Leila, para que assim pudesse passar despercebida pelas forças de segurança israelenses.

Em setembro de 1970, Leila e Patricio José Arguello Ryan, também membro da FPLP, embarcaram com passaportes falsos pela companhia israelense EILA. Após 30 minutos de vôo, ambos sacaram suas armas e invadiram a cabine do piloto. Arguelo teria jogado uma granada – que não explodiu – no corredor, e assim agentes de segurança israelenses que viajavam no mesmo avião dispararam contra ele, que morreu a caminho do hospital. Já Leila, sem poder alcançar as granadas que levava escondidas, foi presa e espancada dentro do avião que fez um pouso forçado no aeroporto de Heathrow, em Londres.

Notoriedade

A prisão de militante aconteceu logo após o pouso. Seu belo rosto estampou diversas capas de jornais e revistas. Seu nome e sua causa passaram a ser reconhecidos internacionalmente. Por diversas vezes, sua beleza ganhou mais notoriedade que sua luta. Era comum ver fotografias de Leila com uma hata (típico lenço palestino), uma Kalashnikov -mais conhecida como H47- em punho e um anel feito com parte de uma granada. Após 21 dias na prisão, Leila foi libertada, graças a negociações secretas com a Frente Popular para a Libertação da Palestina. Alguns dias após o fracasso da missão de Leila, o grupo sequestrou um avião no qual viajavam 56 passageiros britânicos e pediu em troca do passageiros a libertação de Leila. Após o ocorrido, a militante resolveu se afastar das atividades de guerrilha, escreveu um livro contando sua história de vida e, teve um documentário produzido pela TV Sueca. Hoje, é casada e mãe de dois filhos, vive com a família na Jordânia, e é membro da Frente Popular para a Libertação da Palestina e do Conselho Nacional Palestino (Parlamento). Leila se mantém ativa na luta que acredita e continua a representar os mais de quatro milhões de palestinos que vivem fora de sua terra natal.

Em visita ao Brasil, no final de 2011, Leila recebeu Caros Amigos e respondeu às perguntas a seguir.

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Caros Amigos – Como teve início sua vida política na juventude?

Leila Khaled – Minha vida política começou a partir do meu sofrimento e do povo palestino, dos que se tornaram refugiados como eu e que são refugiados até hoje. Lembro-me das injustiças que vi e vivenciei ao longo do tempo. Na escola, via as crianças ganhando livros e cada um tinha o seu. E eu ganhava um que deveria ser compartilhado com os meus irmãos. Eu questionava a minha mãe e ela me dizia que era porque éramos palestinos, e que só teríamos inteiro quando voltássemos à Palestina. Aquilo ficou na minha cabeça e eu cresci com essa ideia. E quando começou a revolução, eu estava lá.

CA – Qual a sua opinião sobre a criação do Estado Palestino?

LK – Defendo um estado que seja compartilhado por judeus, palestinos, muçulmanos e cristãos. Um estado laico, para todas as pessoas, sem distinção, não vejo a expulsão de israelenses como uma solução para o conflito. Acredito numa solução assim, democrática, mas Israel não está disposto a concordar ou aceitar isso, o que dificulta e muito as nossas relações.

CA – O que pensa sobre os acordos entre Hamas e Fatah?

LK – Não podemos ignorar o Hamas e o Fatah, pois são integrantes desse cenário, por isso devemos pressionar os dois lados para uma negociação e para começar a desenhar um futuro, um futuro que esteja de acordo com o bem comum do povo palestino, acredito que os dois lados devam ser pressionados a agir com esse intuito.

CA – A senhora acredita que uma Terceira Intifada está próxima?

LK – Não acredito que a Terceira Intifada aconteça num futuro próximo, pois estamos em fase de diálogos nacionais e ainda há uma divisão política a ser resolvida, a entrada na ONU e o processo de democratização. Isso afasta de nós uma Terceira Intifada, as anteriores ocorreram em um cenário político bem diferente do que temos hoje.

CA – E quanto ao direito de retorno?

LK – Temos uma terra de direito, Israel convoca judeus de todo o mundo a retornar às suas terras, por que não fazem o mesmo com os palestinos?

Com a Primavera Árabe, milhares de pessoas têm saído às ruas para reclamarem os seus direitos. Levante que muitas vezes leva a população a um embate violento com as forças repressoras. No caso da Palestina, a senhora acredita em revolução sem luta armada?
Vinte anos de conversa não nos levaram a nada. A Carta da ONU prevê como direito de um povo resistir à ocupação, que é em si um ato terrorista. O povo árabe e os palestinos lutam contra sua expulsão, contra prisões arbitrárias, contra bloqueios, ofensivas que matam milhares sem que haja nenhuma punição. As pessoas lutam pelo direito de ir e vir, que é cerceado por soldados que decidem quando abrir os portões. Por que acha que o povo palestino deveria suportar tudo isso sem reagir?

CA – A senhora acredita que os levantes árabes têm hoje o mesmo impacto midiático que o sequestro dos aviões em 70?

LK – Os palestinos eram conhecidos somente como refugiados. O mundo não sabia que tínhamos uma causa, uma terra ocupada. É por isso que nós tocamos o sino do mundo, o chamado, que avisava que os palestinos não são somente refugiados, que eles também são um povo que está defendendo sua humanidade, seu país, e que quer libertá-lo. Então, nós utilizamos uma determinada tática, para que o mundo nos enxergasse. Antes dessa tática, ninguém sabia de nosso sofrimento. Quando você usa poder, quando você usa força, o mundo passa a te dar atenção. Foi assim que descobriram que o povo palestino tinha uma luta. Hoje, não é mais necessário o sequestro de aviões. A revolução nos dará a resposta. Nós queríamos que o mundo soubesse quem são os palestinos. E os sequestros não nos deram respostas, eles deixaram a pergunta. A revolução nos dá a resposta.

CA – E quanto ao Brasil, o que a senhora acha das relações cada vez mais estreitas que o país mantém com Israel?

LK – O governo brasileiro deveria cortar todas as relações com Israel, incluindo as relações diplomáticas. Mas, se isso é pedir muito, deveria ao menos cortar as relações militares. Porque o governo brasileiro diz apoiar a nossa luta, mas se ele está do nosso lado, deve cortar laços com o outro lado. Por isso é importante que se realizem grandes campanhas de BDS (Boicotes, Desinvestimentos e Sanções). Muitos comitês e movimentos estão trabalhando com o BDS, boicotando produtos e serviços israelenses, aplicando desinvestimentos em assentamentos na Palestina ocupada, e pressionando os governos a promover sanções contra Israel.

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