Na semana passada, o povo palestino celebrou – com manifestações de apoio em todo o mundo – o Nakba, data que marca o êxodo palestino de 1948, quando 725 mil pessoas foram expulsas de seus lares para a criação do Estado de Israel. Nakba quer dizer “desastre”, “catástrofe”. No episódio, mais de 80% dos habitantes árabes da região que se tornaria o Estado de Israel abandonaram suas cidades e aldeias. Hoje, mais de seis milhões de palestinos vivem em campos de refugiados espalhadas pelos países árabes e mundo afora. Ainda hoje, Israel controla 65% da Cisjordânia e 40% da Faixa de Gaza, com seu exército e sua força paramilitar, os colonos, implementando um regime de terror. Todo dia 15 de maio, os eventos de 1948 são lembrados pelos palestinos. O Dia do Nakba se transformou numa data de luta pelo direito inalienável de retorno do povo palestino às suas terras.
Este ano, um grupo de quatro brasileiros foi à Palestina visitar seus familiares e apoiar as manifestações pacíficas do Nakba. No dia 15, Soraya Misleh, Hasan Zarif, Muhamad Kadri e Ibrahim Hammoud já estavam entre os refugiados palestinos na Jordânia e acompanharam os protestos. Fizeram parte de um grande cerco às fronteiras palestinas, ocupadas por Israel, e que foi reprimido com violência, revelando o totalitarismo utilizado pelo Estado de Israel para impedir que palestinos e descendentes retornem à sua terra de origem. Dezenas de pessoas foram mortas.
Para além da gravidade deste episódio, o grupo de brasileiros foi tratado como criminoso na fronteira da Palestina. Barrados pelas forças da ocupação, durante 7 horas eles foram intimidados, isolados uns dos outros, ameaçados, sofreram tortura psicológica nos interrogatórios, privação, revistas no corpo e bagagens. Os brasileiros ficaram horrorizados com a intolerância diante de manifestações pacíficas e o total desrespeito aos direitos das pessoas detidas.
Numa mensagem enviada ao Brasil, o grupo diz ter sentido na pele que a criminalização dos movimentos sociais, que tanto combatem aqui, é uma prática comum por parte do Estado de Israel. E lembraram que vários brasileiros e brasileiras descendentes de árabes ou ativistas já passaram por essa situação inaceitável.
A partir de agora, os quatro brasileiros portarão um passaporte carimbado com a “entrada negada” ao Estado de Israel, o que na prática os impedirá de visitar parentes, amigos ou de participar de missões solidárias ao povo palestino. Além de causar-lhes outros constrangimentos em viagens internacionais, necessárias quando se trata de apoiar as causas de um povo expulso de seu próprio país. Os passaportes carimbados foram devolvidos sem qualquer explicação. Segundo o grupo, tudo que ouviram foi: “Go back to Jordan!”. Ao todo, passaram quase dez horas sem comer e sem beber.
Trata-se de uma postura inaceitável, uma atitude arbitrária do Estado de Israel, que repudiamos desta Tribuna. Também cobraremos do Estado brasileiro que se posicione publicamente diante desses fatos, exigindo uma explicação de Israel sobre o ocorrido. Há diversos relatos de discriminação sofridos por brasileiros em Israel, sobretudo contra ativistas e cidadãos e cidadãs de origem árabe. O povo israelense jamais seria tratado desta forma em nosso país. Por isso, não podemos admitir o mesmo.
Aproveito para anunciar que reapresentarei esta semana um pedido de informações ao Ministério das Relações Exteriores, feito por nosso mandato no ano passado, acerca da existência de um acordo entre o Estado de Israel e o Estado Brasileiro com a finalidade de cooperação na área de segurança ou em ações “antiterroristas”. A notícia foi ventilada no final de 2010, ligada à realização das Olimpíadas de 2016. Na época, solicitamos ao Itamaraty as informações necessárias para o posicionamento dos parlamentares sobre essa questão, e, com a mudança de governo, até hoje não obtivemos um retorno.
Reapresentaremos, portanto, nosso requerimento de informações sobre este caso, e pediremos do Ministério das Relações Exteriores uma resposta à arbitrariedade cometida pelo Estado de Israel contra cidadãos brasileiros na última semana. A luta do povo palestino deve ser apoiada por todos nós. É um povo que há mais de 60 anos resiste heroicamente ante todas as humilhações, da repressão armada a torturas legalizadas, praticadas agora também contra cidadãos brasileiros.
Viva a resistência do povo Palestino! Pelo reconhecimento do direito ao povo palestino a um Estado livre e soberano.
Obs: Soraya Misleh é jornalista da Ciranda