Internet para muitos ou para poucos e com que custo-benefício?

Internet para muitos ou para poucos, com quais condições de qualidade de acesso e conteúdo? Pergunta capciosa essa, não é? Mas nada mais que o retrato desafiador da realidade exposto, durante a trilha Diversidade e Conteúdo, do I Fórum da Internet no Brasil, nos dias 13 e 14, em São Paulo, organizado pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil – CGI.br (http://www.cgi.br).

Esses questionamentos têm como pano de fundo a estimativa de que 77,8 mi de pessoas têm acesso (no segundo trimestre de 2011), segundo divulgado pelo IBOPE Nielsen Online, num país com número superior a 191 milhões de habitantes. Isso sem inferir qualidade, é claro!

Ao mesmo tempo, que registra problemas de implementação da infraestrutura do Programa Nacional de Apoio à Inclusão Digital nas Comunidades (Programa Telecentros.BR). De oito mil computadores com acesso à internet, somente 1,3 mil (16%) estariam conectados e em funcionamento, segundo relatado no evento, com base em dados oficiais.

De acordo com a Pesquisa sobre o Uso das Tecnologias da Informação e da Comunicação nas Escolas Brasileiras, promovida pelo CGI, em agosto deste ano, apenas 4% das escolas têm computador com acesso à internet em sala de aula, embora 92% das escolas públicas urbanas do país tenham o equipamento. Mais um dado do levantamento é que 18% dos educadores utilizam o recurso da internet em sala de aula.

Para deixar a situação mais complexa, aumentou a quantidade de reclamações contra as operadoras de telecomunicações (que detêm boa parte do mercado) feitas à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), quanto à internet banda larga. Passaram de 15,06 mil reclamações em fevereiro do ano passado para 24,2 mil este ano, ou seja, 60,8%. Como reação, surgiram campanhas para a melhoria do atendimento, como a Internet Lenta? Envie uma mensagem para a Anatel, promovida pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC), e a Campanha da Banda Larga.

Então só restam essas perguntas:

– Por que a qualidade da conectividade ainda deixa tanto a desejar?

– Existe real representatividade quanto à gênero, raça e etnia no ciberespaço?

– Quais são os consensos sobre direitos autorais, privacidade e violação?

– E quem trata da qualidade do conteúdo?

– Qual é o papel de cada ente nessas questões?

– Porque ainda mais de 60% da população não é contemplada?

O Governo Federal, por meio do Ministério da Justiça, encaminhou ao legislativo em agosto deste ano, o projeto de lei que define regras sobre direitos, deveres e princípios para uso da internet no Brasil. Ao mesmo tempo, tramita no Congresso outro PL, o 84/99, que trata de punição a crimes e violações na Internet, que está sendo chamado de AI-5 Digital, por alguns movimentos sociais. Em manifestação contrária surgiu o movimento Mega Não!, entre outros.

Na esfera do Ministério das Comunicações, o que se discute desde o final de 2009, é a criação do marco regulatório da Comunicação, mas que em princípio, não contempla a Internet, segundo o Governo. Entretanto, uma consulta pública sobre propostas a esse documento foi encerrada por movimentos do setor, no dia 7 de outubro. Mais de 200 sugestões foram divididas em 20 eixos centrais, e deverão ser sistematizadas e encaminhadas ao Executivo. A internet é destacada somente em alguns itens:

– proteger a privacidade das comunicações nos serviços de telecomunicações e na internet;

-…como também propõe que haja mecanismos específicos, como a reforma da Lei de Direitos Autorais e quanto à instituição do marco civil da Internet.

Os movimentos sociais presentes no evento reivindicam também a continuidade do Programa Nacional de Cultura, Educação e Cidadania – Cultura Viva, pelo Ministério da Cultura, em vigor desde 2004, que tem como um dos eixos de ações, a cultura digital.

E para completar parte do quadro histórico que envolve a Internet brasileira, o Plano Nacional da Banda Larga (PNBL), lançado em maio do ano passado, e que começou a ser implementado no segundo semestre deste ano, propõe a massificação até 2014 de acesso à banda larga com velocidade de 1Mbps, com valor a partir de R$ 35, em 40 mil domicílios. Para muitas organizações e movimentos, esses números e valores já estão defasados para a realidade de demanda e socioeconômica. O processo também é lento, a expectativa da Telebrás é que até o final de 2011, 150 municípios recebam redes de fibra ótica. Mais de 600 provedores dos cerca de três mil que existem no país, já aderiram à iniciativa.

Questões difíceis essas, hein…?Em que as respostas não vêm simplesmente como um livro de receitas, mas que têm a ver com políticas públicas, sistema de fiscalização e regulador mais forte, quebra de monopólios e o grau de intensidade da participação democrática, no final das contas. Por meio dos questionamentos, relatos e propostas de alguns participantes no evento, podemos observar quantos hiatos na inclusão digital ainda são necessários preencher.

No campo de gênero, Bruna Provazi, do Movimento da Marcha Mundial das Mulheres Blogueiras Feministas, destacou que na produção tecnológica e do conhecimento, as mulheres ganham cerca de 10% menos que os homens nas mesmas funções, uma realidade que não pode ser desprezada. Ela reforçou que o movimento é a favor da paridade de gênero no próprio CGI (tendo em vista que na composição do Conselho só existe uma mulher…) e políticas públicas para igualdade na internet.

“A Internet facilitou o contato das comunidades tradicionais. Mas a gente vê a dificuldade da nossa comunidade indígena Pankararu, em Pernambuco. Nas escolas indígenas, chegaram os computadores, mas até agora estão encaixotados, ainda não sabermos como fazer para que as crianças tenham acesso”, contou Lafaete Pankararu. O indígena citou que essa ferramenta já é utilizada por muitos povos, que têm sites e blogs. “Precisam melhorar a atenção às nossas comunidades. A Internet é mais importante que o celular para nós hoje. Como Pankararu, por exemplo, posso me comunicar com outro índio no Xingu…”.

Paulo Índio, do Ivoz, destacou a importância da economia solidária na produção cultural nesse universo, que possibilita o empoderamento no processo educomunicativo, no contexto do etnodesenvolvimento. Com isso, segundo ele, é possível trazer a esse universo, por exemplo, a matriz da rede africana, reunindo comunidades de terreiros, quilombolas. Empreendimentos solidários em arranjos produtivos locais são defendidos por Pedro Jatobá, do Pontão Iteia.

“Nosso olhar sobre nossa cultura é nosso. Temos de dominar também a tecnologia, não há mal nenhum e não nos faz ser mais ou menos índios…Hoje existe a Rede Web Indígena, Índios on Line e construção de livros com a licença de creative commons… – Por que índio quer computador? Para ter direitos iguais”, disse Anapuaka Muniz Tupinambá Hã Hã Hãe.

Para Fábio Pena, representante do Projeto Saúde e Alegria, de Santarém, PA, é importante que seja contemplado o mosaico cultural na Internet. “Alguns locais estão no isolamento, outros difundem sua cultura por meio da Internet, o que dá um salto na auto-estima das comunidades…”.

Quanto ao conteúdo, foi proposta a educação para a mídia, desde a infância, pela representante do Conselho Federal de Psicologia e do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, Roseli Goffman. Esses foram alguns dos temas expostos, entre outros, por representantes de outras organizações e entidades. Um posicionamento praticamente consensual pelos participantes é o da defesa do software livre.

E para objetivo de reflexão, seguem alguns links sobre as principais questões que permeiam essa trilha e as outras cinco (liberdade, privacidade e direitos humanos/governança democrática e colaborativa/universalidade e inclusão digital/padronização, interoperabilidade, neutralidade e inovação/ambiente legal, regulatório, segurança e inimputabilidade da rede) apresentada no evento:

– Campanha Internet Lenta? Envie uma mensagem para a Anatel (IDEC) – www.idec.org.br/campanhas/qualidadeja;

– Campanha da Banda Larga – http://campanhabandalarga.org.br/

– Consulta Pública Marco Regulatório das Comunicações – http://www.comunicacaodemocratica.org.br/quem-apoia/

– Programa Cultura Viva – http://www.cgi.br

– Plano Nacional de Banda Larga – http://www4.planalto.gov.br/brasilconectado/pnbl;

– Movimento Meganão – http://meganao.wordpress.com/

– Programa Telecentros.BR – http://www.inclusaodigital.gov.br/

– Projeto de Lei 84/99 – sobre crime informático ou virtual – http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=15028

Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk – www.twitter.com/SucenaSResk

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *