“…Precisamos inventar nova maneira de falar com os 99%, dos que não estão convencidos…Estamos falando para nós mesmos e o restante da população?…”. Veja mais, no artigo de Whitaker – Novas Perspectivas no Processo FSM? http://www.ciranda.net/fsm-dacar-2011/article/novas-pespectivas-no-processo-fsm .
Diante de sua fala, que não desmereceu obviamente os esforços dos “militantes por convicção”, que realmente suam a camisa por causas justas, sem ‘pegar carona’ no oportunismo político, o que está em questão é colocar em xeque o porquê de mobilizações de movimentos sociais, no porte do FSM, não conseguirem com o passar dos anos ampliar seu alcance mundialmente.
Na minha análise, um primeiro aspecto é tentar fazer uma leitura de nossa sociedade. Quando nos voltamos à brasileira, por exemplo, não é possível simplesmente colocar de lado, a estratificação de classes – da E a A, que é o recorte real do modelo do desenvolvimento capitalista. Se pessoas que se encontravam na classe D, por exemplo, se mudaram para a C, isso não quer dizer também, que as coisas acontecem num passe de mágica. É necessário ter essa consciência, para entender o que está implícito nesse processo.
E há algumas questões que precisam ser ressaltadas, sem melindres, como as lutas pelo poder e as divergências internas e externas aos partidos vigentes.
Ao observamos o contexto global, quem está na base da pirâmide realmente sabe o que passa nesse universo político e que há “representantes’ pelo mundo a fora que “tentam” lutar pela reversão de suas mazelas? Obviamente, que grande parte, não. Esse distanciamento ainda vigora. A realidade é cruel, não dá para atenuar. faltam alimentos, moradia, saúde, educação e acesso a meios de comunicação (que não se restringe às mídias sociais e grande imprensa) e, consequentemente ao empoderamento dos mesmos, nessa interlocução.
Milhares de cidadãos não estão nas redes sociais, que hoje são a “coqueluche”, eles não têm acesso sequer à água potável e ao dinheiro, para subsistir, quanto mais pegar um transporte rural ou urbano ou acessar a internet…Muitos se transformam em refugiados, na tentativa de sobrevivência…Quando conseguem freqüentar a escola, um grande número sofre com o déficit de atenção, porque são vítimas ainda da desnutrição. Um ciclo vicioso e perverso, que não está no estrato da sociedade com preceitos culturais burgueses.
Justiça socioambiental e econômica. Eis o recorte das bandeiras de luta…Dá até gosto e certo orgulho defendermos esse equilíbrio. Mas quando colocamos o pé no chão, lá estão os cerca de 16 milhões de pessoas, no caso do Brasil, e na casa do um bilhão, mundialmente na pobreza. Falamos deles praticamente como se fossem entidades etéreas e numéricas. Raramente, em teses acadêmicas, especiais de cobertura da mídia ou de ONGs que vão ao seu encontro, há uma tentativa de humanizar essas relações. Mas o que fica evidente é que defendemos as suas causas, sem sequer os trazermos para o centro das discussões, no tete a tete, na constância necessária. Isso quer dizer, não podemos nos limitar a datas institucionais ou a levantes pontuais, para lembrarmos que existem….
É fácil para qualquer um de nós, sem exceção, ficar em auditórios climatizados, participarmos de fóruns, simpósios, seminários, workshops, discorrermos sobre as mazelas mundiais, participarmos de infindáveis brunchs e “reuniões”, vestirmos as camisetas institucionais com slogans chamativos, recorrermos às panfletagens e todos os penduricalhos afins, que vêm na promoção desses eventos. Afinal, o discurso está respaldado num certo conforto, não podemos negar.
Fico sempre me perguntando quanto custa para colocar toda essa parafernália em funcionamento (em encontros dos movimentos sociais, governamentais, da iniciativa privada, que têm o recorte de inclusão)? E me questiono, se em vez de tanto dinheiro ser aplicado nesses eventos, porque não utilizá-lo para trazer as pessoas-alvo, para subirem nos palcos, construir escolas, capacitar educadores populares e formais (não doutriná-los); aplicar parte dessas verbas em economia solidária, em cultivos de agroecologia e técnicas de irrigação, em recuperação de espaços socioculturais urbanos e de habitação…Isso não quer dizer substituir o papel do governo, mas otimizar recursos e discursos.
Por que não saímos do conforto e vamos ao encontro das pessoas que não podem chegar até nós? Regionalizar a comunicação onde realmente as pessoas não têm acesso. Trazer suas vozes para serem replicadas mundo a fora. São de carne e osso, têm a integridade da vivência para narrar, sem necessidade de representantes hipotéticos.
Por mais que representantes de minorias, de povos tradicionais consigam falar em alguns momentos nesses eventos nas mobilizações sociais, há outros milhares que não são vistos ou ouvidos. Eles continuam, dia a dia, passando pelos mesmos problemas, quando conseguem sobreviver.
Quando o cenário é o universo urbano, do trabalhador que batalha ter ao menos um salário mínimo, pagar aluguel, ter acesso digno aos serviços públicos ou, então, composto pelos milhares de desempregados, estamos falando de um expressivo contingente objeto do discurso dos movimentos sociais. Mas o quanto eles acreditam no potencial de transformação de suas situações, via esses meios de mobilizações?
Os pontos-chave das reivindicações das organizações na agenda são recorrentes e nos levam a mais um aprofundamento das motivações, meios e fins: Afinal, quais são os atores envolvidos e os jogos de interesse nessas questões, na própria luta?
– Luta contra as transnacionais;
– Luta pela justiça climática e pela soberania alimentar
– Luta para banir a violência contra a mulher
– Luta pela paz e contra a guerra, o colonialismo, as ocupações e a militarização de nossos territórios…
O mote está fincado no sistema capitalista de produção, distribuição e consumo, atrelado ao aquecimento global e às mudanças climáticas. Mas já pensamos quem realmente alimenta esse modelo?
Essas causas são extremamente lógicas, mas por que são praticamente sempre os mesmos convertidos que levantam essas questões, se encontram nos coletivos, nas Organizações Não-Governamentais, nos sindicatos, nos fóruns, nas mídias sociais, nos espaços acadêmicos, nas instâncias políticas? Vimos se repetir abraços, olhares cúmplices, consensos e polêmicas recorrentes entre os mesmos, quando ocorrem esses encontros. E o espaço para os “não convertidos”? Ou melhor, convertidos para quê e quem?
E aí é possível ir mais longe: será que realmente temos sensibilização suficiente por causas locais, regionais, tanto quanto aos problemas e acertos em causas afins? Nós brasileiros, por exemplo, conseguimos manter o sentimento de latinidade aflorado ou nos sentir verdadeiros cidadãos do mundo, ao ouvir e ver as dificuldades de populações de países próximos, na África, na Ásia, na Europa ou simplesmente em outras regiões geográficas de nosso próprio país? Ou as empolgações são momentâneas, quando ouvimos representantes desses povos ou movimentos como Occupy Wall Street, Primavera Árabe se manifestarem…
Ainda observo que esse contexto geopolítico e sociocultural é um dos maiores desafios para a humanidade superar. São muitas perguntas e poucas respostas concretas, objetivas, porque estão baseadas em concepções de modelos de desenvolvimento, culturais, político-partidários e, de certa forma, enredados pela disputa do poder institucional ou não.
Enfim, como Chico Whitaker falou: é preciso que os movimentos sociais repensem suas ações e encontrem maneiras de ir ao encontro dos 99%… . Por isso, quem sabe, rever a forma de conduzir os princípios das ideologias.
As redes sociais são bem-vindas, mas não podemos esquecer do olho no olho e do famoso “cuspe e giz”, nessa jornada.
Veja também no Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk – Twitter.com/SucenaSResk
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