Dacar, Senegal – Foi tudo muito simbólico. O Fórum Social Mundial 2011 começou celebrando a vitória do povo tunisiano em derrubar o ditador Ben-Ali e terminou, nesta sexta (11), horas depois da queda do presidente egípcio Hosni Mubarak.
A feliz coincidência de datas foi mais um elemento para afirmar, como desejavam os movimentos sociais africanos que vieram ao Fórum, o lugar do continente na luta anticapitalista e antiimperialista e na construção de uma nova geopolítica internacional.
“A revolução do Egito é uma revolução antiimperialista. Temos o orgulho de dizer que Mubarak caiu, mas esta é apenas uma parte da nossa batalha. Derrubar o sistema capitalista é nossa luta”, disse o egípcio Mamdouh Habashi, do Centro Árabe-Africano de Pesquisa.
“Por isso, pedimos que todas as forças progressistas revejam suas prioridades. Todos tem que estar ao lado da revolução do Egito para que ela atinja seus objetivos. O povo egípcio está conseguindo abrir uma grande brecha no muro do imperialismo”, destacou Habashi.
“Um dos objetivos deste Fórum era permitir que a África falasse de seus desafios de forma independente e forte. E o que aconteceu na Tunísia e no Egito, países africanos, foi uma excelente coincidência”, acrescentou o senegalês Demba Moussa Dembele, membro do comitê de organização local do Fórum.
Dembele disse esperar “que no futuro outras revoluções aconteçam junto com o Fórum, porque nosso objetivo é livrar os povos de todos essas ditaduras”. O senegalês ressaltou que “o sistema é o mesmo, capitalista, depredador, criminoso. E o povo, qualquer que seja a região do planeta, é vitima do despotismo do sistema capitalista”.
A grande maioria dos países africanos esteve representada nesta edição do FSM em Dacar, cada um apresentando seus programas e suas prioridades de luta. Organizados em torno do Fórum Social Africano, os movimentos sociais do continente esperam agora fortalecer ainda mais suas alianças e convergências.
Aprofundamento e superação
“Dacar representou um momento de aprofundamento do FSM na África, depois da edição de 2007 que aconteceu no Quênia. A Marcha de Abertura mostrou que aderimos à luta anti-globalização e que estamos comprometidos com ela”, analisou Helen Rama Miang, também do comitê local.
“Os dias seguintes foram difíceis por causa da estrutura, mas conseguimos nos organizar e superar os imprevistos, não apenas usando as tendas montadas na universidade, mas também nossa capacidade de refletir em conjunto”, destacou Helen.
Depois da troca de direção na Universidade Cheikh Anta Diop, a organização do Fórum Social Mundial enfrentou sérias dificuldades para garantir a realização do evento em Dacar. A nova administração, pouco comprometida e envolvida no processo, não autorizou a liberação das salas e auditórios da universidade para o FSM. O resultado foi que grande parte das atividades aconteceu de forma improvisada em tendas e em espaços viabilizados de última hora. Encontrar o local de realização das oficinas e debates, por exemplo, foi uma missão ainda mais difícil de se concretizar ao longo desta edição do Fórum.
O comitê organizador avalia que a superação do número de inscritos agravou o problema da infra-estrutura. Apesar de não ter um número exato dos participantes, a organização acredita que a presença tenha chegado ao dobro dos 45 mil esperados inicialmente.
As dificuldades enfrentadas pelos ativistas, que vieram de cerca de 120 países, geraram uma grande vaia à universidade e também ao presidente do Senegal na cerimônia de encerramento do Fórum.
Planos de ação
A cerimônia de encerramento revelou, no entanto, a capacidade de superação dos movimentos altermundistas e sua vontade de aproveitar o espaço do Fórum Social Mundial para de fato construir alianças concretas em torno de suas diferentes lutas. Durante o Fórum foi lançada, por exemplo, a Plataforma África-Europa por eleições livres e democráticas, que tem o objetivo final de combater as ditaduras que persistem no continente.
“Os recursos da África são usados por ditadores corruptos e aqueles que lutam contra isso são criminalizados”, declarou Brice Mackosso, do Congo Brazaville. Para Mackosso, “falta no continente um controle social e parlamentar sobre o uso dos recursos públicos. Por isso lutamos por transparência e pedimos que o mundo reveja sua noção de democracia”. Ele concluiu lembrando que “ainda há Ben-Alis e Mubaraks no Gabão, na África Central, no Senegal”.
Mais de 20 planos de ação, resultantes das assembléias de convergência que aconteceram nos dias 10 e 11, foram apresentados no encerramento do FSM para 2011 e 2012.
O calendário é extenso, mas destacam-se as mobilizações contra o G-20 na França, previstas para 20 e 21 de maio e também 31 de outubro; o 20 de março como um dia mundial de solidariedade ao levante do povo árabe e africano; a Jornada Global sobre a Palestina, em 30 de março; as ações do movimento ambientalista em paralelo à Conferência Rio+20 (que acontece em maio de 2012 no Brasil); a Conferência Internacional sobre o impacto da invasão norte-americana no Iraque, em outubro; a organização de uma Semana Mundial de Ação em solidariedade às vítimas do racismo e da xenofobia; e a construção de um Fórum Social na Tunísia.
“Este Fórum é uma resposta à crítica daqueles que não acreditam no processo. Vimos, mais uma vez, milhares de pessoas participando em cada etapa preparatória, mais de 70 conexões via internet com movimentos em 20 países diferentes, caravanas que vieram de todas as regiões da África. Não há, portanto, desgaste”, afirmou Gustave Massiah, representante do Centro de Pesquisa e Informação para o Desenvolvimento (CRID – France), no Conselho Internacional do Fórum Social Mundial (CI).
O CI se reúne nesses dias 12 e 13 de fevereiro em Dacar para, além de fazer um balanço deste Fórum, decidir onde acontecerá a próxima edição do FSM, prevista para janeiro de 2013. O governo do Rio Grande do Sul já colocou Porto Alegre mais uma vez à disposição para receber o movimento altermundista, mas os africanos pretendem manter o Fórum no continente por mais alguns anos.
“Acho incômodo que um governo diga onde deve acontecer o próximo Fórum. Não há apenas o Brasil. Temos outras possibilidades e é o Conselho quem deve decidir”, concluiu Taoufik Ben Abdallah, principal senegalês à frente deste FSM.
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