Soluções encantadoras, que foram desde o estilo “do it yourself” (faça-o você mesmo), até a análise estratégica e reposicionamento de temas habitualmente rechaçados no Forum, como o marketing, compuseram uma manhã, em que rápidas apresentações foram interrompidas apenas por um saboroso lanche “natural” – que já servia de amostra da produção de uma das expositoras.
Até o marketing entrou no Forum Social Temático – não para ser culpado ou penalizado pelo consumo supérfluo, por impulso, e insustentável, mas para se ver atribuir uma função mais nobre e contemporânea, em que ele se engrandeceria como “macromarketing” – a ser “estudado sob a ótica da sociedade” e ser avaliado em termos agregados, em contraposição ao “micromarketing” que conhecemos.
Diante do aumento da população e o uso dos bens necessários para viver, diante da crença na inesgotabilidade dos recursos naturais, e da idéia de que “sempre mais é melhor”, o Prof. Eugenio Ávila Pedrozo questiona se devemos continuar a viver às custas dos outros e por quanto tempo mais podemos fazer isso? E analisa os impactos e as consequências das interações entre os sistemas de marketing e os sistemas sociais, definido como “a preocupação com o aumento do bem estar humano por meio da compreensão dos impactos, positivos e negativos, dos sistemas de MKT nas pessoas, nas sociedades e na cultura”.
Doze proposições consubstanciam a proposta:
1: o progresso material é uma ideia cada vez mais disfuncional nas sociedades e não deve ser a base para a ação política, econômica e social.
2: o processo social de marketing não está fundamentado na busca do crescimento do consumo, mas no processo de co-criação de valor.
3: precisamos estar mais preocupados com o que produzimos e consumimos, por que e como, ao contrário de se preocupar em como fazer para vender mais e ser mais rentável.
4: os bens e serviços que adquirimos são julgados em termos de satisfação (prazer) dos desejos definidos como necessidades, mas o bem-estar e a felicidade não são avaliados.
5: o bem estar pessoal não exige crescimento econômico, mas o consumo seletivo e recursos não econômicos – sociais (capital social).
6: o avanço social não exige crescimento econômico, mas o uso cuidadoso da riqueza.
7: a prestação de contas para atender as expectativas econômicas, legais, éticas e filantrópicas da sociedade, por si só, não promovem o bem-estar social. Precisamos aprender uma maneira nossa para sair da crise, adaptando assim um conjunto de valores.
8: o marketing tem um caráter e um papel especial nas sociedades que não estão perseguindo o crescimento econômico quando comparado ao marketing ortodoxo para o crescimento.
9: o sistema de marketing pode produzir bem-estar coletivo se o imperativo de crescimento é enfatizado e o bem-estar definido coletivamente.
10: o termo “welfare marketing” oferece uma explicação mais completa e seu surgimento / evolução requer cuidado e aprendizado em um sistema de valores pós-industriais alternativos.
11: mudanças de valor devem vir primeiro, antes de formulações institucionais. Políticas e técnicas fixas não serão suficientes e objeções ideológicas e resistência da indústria devem ser enfrentados.
12: o papel da transdisciplinaridade e da pesquisa não estão suficientemente reconhecidos e, portanto, a disciplina de marketing é subvalorizada, mas é o caminho para a transformação. Especialistas em marketing e educadores têm muito a oferecer e para aprender, especialmente na arena política. Os valores fundamentais e a visão para o futuro devem ser os catalisadores para a mudança.
A fala se encerra apontando ainda oportunidades – Rede de cooperação sustentável na cadeia produtiva do algodão agroecológico: conectando o local ao global; o turismo comunitário nas comunidades indígenas doa Andes: uma visão ética complexa do desenvolvimento sustentável; e Mudanças na rota da castanha-da-Amazônia no arco norte da Amazônia: organizando sustentavelmente as comunidades tradicionais baseadas no macromarketing.
Fico com a sensação de que a proposta atualiza, moderniza e insere o marketing na chamada Economia Verde, lhe dando uma sobrevida.
Mas o questionamento sobre a necessidade e o interesse que há por trás do marketing, seja macro ou micro, de medir, estimular, orientar ou mesmo “responder” a nossos desejos – seja ele o desejo de ter, seja a medida de minha felicidade através do consumo – me parece inquestionado nesta lógica que chega até a perceber, nas comunidades tradicionais (indígenas, quilombolas), uma oportunidade de reorganização da produção, distribuição, etc.
O mercado tem mesmo sete fôlegos!
Oficinas e palestras complementares
Vários expositores se sucederam nesta manhã, com focos complementares, traçando um quadro geral de redução do consumo. (oficinas de Customização de materiais – com Ronise Ferreira dos Santos; Permacultura – com Joice Zagna e Vinícius Valent ; Como as pequenas ações do dia a dia podem contribuir para uma sociedade melhor? – com Caroline P. Spanhol e Giana Mores; e Palestras Consumo Colaborativo – com Carolina Turcato; “Construções Sustentáveis” – com Cristiane Kaiser; “Produção de alimentos orgânicos” – com Rosângela Cabral e Maria Alice Lahorgue )
“Porque sabemos que ser parte da solução significa saber que grandes mudanças podem surgir a partir de ações menores realizadas em conjunto”.
Carolina Prestes Turcato nos diz que a essência do consumo colaborativo decorre do fato que “as pessoas estão percebendo que a posse exclusiva é menos importante que o senso de pertencimento que a propriedade confere”.
O SSP (Sistema de Serviços de Produtos) se organizaria de modo a favorecer a “Mentalidade de uso”, na qual as pessoas passam pelo benefício de um produto – o que ele faz por elas – sem ter de possuir o produto definitivamente. Podemos encontrar exemplos disso na disponibilização, tanto propriedade privada, como de empresas de carros, energia solar, lavanderias automáticas, livros, ferramentas, etc.
Função similar seria desempenhada pelas redes sociais, à base de distribuição de produtos, de espaços e modalidades de trocas livres e do compartilhamento ou permuta de bens menos tangíveis como tempo, espaços, habilidades e dinheiro (como espaços de trabalho, vagas de estacionamento, jardins, alimentos, locais para ficar em viagens). E, em algum ponto, a troca alcançará a “massa crítica” de mercadorias suficientes para que todos encontrem alguma coisa de que gostem e tenham a sensação de terem escolhido bem, declara Carolina.
Um dos aspectos que subjaz a este sistema seria o cálculo da capacidade ociosa dos bens e serviços que poderiam assim ser redistribuídos.
O modelo de consumo colaborativo não se propõe a substituir nosso modelo consumista mas de coexistir e, eventualmente, bater de frente com ele. Com isso, o que a palestrante considera o seu “aspecto mais empolgante” é que “ele satisfaça as expectativas dos dois lados do espectro ideológico socialista e capitalista, sem ser uma ideologia em si”.
Frugalidade
Caroline P. Spanhol e Giana Mores abordaram a frugalidade como uma restrição moral sobre o consumo.
A prática não estaria necessariamente relacionada ao dinheiro/limitação de despesas, mas à preocupação com o desperdício, em que os consumidores se engajam a ser parcimoniosos em alguns contextos, e frugais, em outros.
A frugalidade também é apresentada como uma contenção no consumo relacionada ao imperativo moral de preservar o meio ambiente, à possibilidade de bens mais sustentáveis , de longevidade independente das circunstâncias econômicas, de resistência ao excesso (em contraposição ao consumismo) e compatível com o consumo sustentável.
Permacultura
Joice Zagna e Vinicius Dornelles Valent
Permacultura, na definição de Bill Mollison e Reni Mila Slay, é uma filosofia e uma abordagem de uso da terra que inclui estudos dos microclimas, plantas anuais e perenes, solos, manejo da água e as necessidades humanas em uma teia organizada de comunidades produtivas, que traça o desenho de comunidades humanas sustentáveis.
Envolve água, clima, solo e plantas, nas práticas da bioarquitetura e bioconstruções, energias renováveis e comunidades sustentáveis.
Focado em soluções positivas e na observação de sistemas naturais, junta a sabedoria dos sistemas produtivos tradicionais ao conhecimento moderno, científico e tecnológico, com distribuição dos excedentes e redução do consumo.
Construções sustentáveis
A arquiteta Cristiane Sofia Kaiser apresentou uma sucessão de imagens de construções com soluções de sustentabilidade, que passam pelas soluções de chamada alta e baixa tecnologia, pelo aproveitamento da água da chuva, pelo aquecimento solar e esfriamento do ar das casas, pela utilização de estruturas de bambu, alimentadas por fontes de energia limpas, por “telhados vivos”, paredes verdes, pelo estudo de materiais de alto e de baixo impacto, uso de fibras naturais e de materiais reciclados, pelo aproveitamento de materiais de demolição e de materiais locais, ecológicos, e de projetos sustentáveis na escala da edificação, do paisagismo e da cidade incluindo arborização urbana, drenagem urbana e biovaletas,de tratamento dos resíduos líquidos, construção de ciclovias e espaços de bem-estar e arte, com acessibilidade e inclusão social, além de pequenas mudanças no interior e exterior das moradias.
Soluções, parece que as há. Falta implementá-las na escala que hoje se faz necessária, pensando em todas as classes sociais e numa estruturação mais sustentável – inclusive das cidades.
À guisa de conclusão
Repensar os próprios hábitos, modificar o seu dia-a-dia, repensar os hábitos de consumo e a sua motivação, com a sensação de estar fazendo “a sua parte”, que se somará a muitos impactos positivos favorecendo o equilíbrio da natureza e a sustentabilidade, é certamente sedutor.
Duas questões porém ficaram ressoando em minha cabeça:
– porque continuar pensando nos mesmos mecanismos de controle, amplificação e sedução, que passam pelo marketing?
– com essa possível redução do consumo, como ficam os empregos e o mundo do trabalho?
Pensar globalmente e agir localmente, não deveria passar pela inclusão destas questões? Pela discussão da substituição dos empregos atuais por outros mais ambientalmente amigáveis, com uma significativa redução da jornada de trabalho (talvez para 4 horas diárias, ao invés de oito), para que possamos todos estar incluídos nas delícias de um consumo racional, compartilhado, sustentável, que não agrida o planeta?