Construído para ser símbolo de orgulho de todo um continente, o Monumento do Renascimento Africano gera controvérsia em seu país desde a sua inauguração, em 2010. Localizado no bairro de Ouakam, próximo à costa de Dacar, a construção é imponente. Chama atenção de longe com seus 49 metros de altura, maior do que a Estátua da Liberdade ou que o Cristo Redentor, sendo a maior estátua fora da Ásia e de antigos membros da URSS.
O monumento foi inaugurado em 4 de abril de 2010, no aniversário de 50 anos da independência do Senegal da França. Simboliza a força dos povos africanos que obtiveram a liberdade ante os europeus e serve como instrumento de orgulho e auto-afirmação africana. Ou ao menos é esse o seu proclamado propósito. Em sua base, estão duas inscrições semelhantes assinadas pelo presidente Abdoulaye Wade. A primeira: “Visitante africano ou estrangeiro. Se um dia não estiver às portas deste Monumento, pense em todos os sacrifícios que ocorreram na África na plurissecular escuridão, para impulsionar a Luz e a Liberdade”. A outra, intitulada “Mensagem à juventude”: “Jovem da África e da Diáspora, se um dia não estiver ao pé deste Monumento, pense em todos os que sacrificaram sua liberdade e sua vida pelo Renascimento da África”.
Indignação local
Foram gastos 27 milhões de dólares na construção da estátua, feita sob encomenda na Coréia do Norte, o que gerou revolta na população local. “Esse dinheiro poderia ser investido em educação”, diz Serigne Wadane, estudante de informática que me acompanhou na visita ao mais novo ponto turístico da cidade. “Antes de construir monumentos temos que resolver outros problemas. Todo dia temos blecautes nos bairros que não são ricos”, conta ele. É verdade. Em menos de uma semana em Dacar, presenciei quatro quedas de energia elétrica em locais diferentes: na Universidade Cheikh Anta Diop, onde Serigne estuda; em Liberté 6; no estádio Leopold Sedar Senghor – em pleno jogo de futebol da seleção nacional – e, no mesmo dia, no hotel onde os jogadores estavam hospedados. “Nós vivemos na escuridão”, diz ele, de forma propositalmente ambígua.
O jovem prossegue com sua indignação. “Em Guediawaye [bairro pobre da periferia de Dacar], tem enchente quando chove. Há impostos para tudo e os políticos só andam em carrões [o que também pude atestar, ao ver a comitiva do presidente]”. Serigne me convida a passar uma noite na casa dele, um exemplo de teranga, a hospitalidade senegalesa. Seu bairro é afastado, com ruas de areia. Quando chegamos, pergunta se quero tomar um banho e, com minha afirmativa, me leva ao banheiro. Um vaso sanitário e uma porta que fecha com dificuldade, mas nada demais. No entanto, olho em torno e não há chuveiro. Apenas uma torneira, na altura da cintura, com um balde embaixo e um copo de plástico dentro dele. É assim que sua família (composta por mais cinco pessoas) toma banho todos os dias.
Serigne minimiza a identidade que o Monumento do Renascimento Africano deveria evocar. “Eu nunca tinha ido lá. Meus amigos nunca foram”. E para sugerir que a estátua não passa de instrumento de propaganda política do presidente Wade – para passar uma boa imagem aos países com que o Senegal se relaciona – conclui de forma emblemática. “Esse monumento não é para senegaleses”.