Então, se fizéssemos o seguinte exercício: colocar a economia solidária, criativa e verde em uma mesma agenda? Será que não daria liga? Afinal, não têm propósitos afins? Hoje, no entanto, são temas discutidos separadamente, o que tira a força das ações.
A ampliação do espaço destinado à economia solidária (ecosol) no Brasil ainda está longe do ideal, quando olhamos para o perfil do mercado. Políticas públicas no setor foram iniciadas em 2003, ano em que foi criado o Fórum Brasileiro de Economia Solidária( http://www.fbes.org.br/)
e a Secretaria Nacional de Economia Solidária –SENAES (http://www.mte.gov.br/ecosolidaria/secretaria_nacional.asp), no Ministério do Trabalho e Emprego. Em um resultado prévio do primeiro mapeamento do setor em vigor no país, por meio do Sistema Nacional de Informações em Economia Solidária – SIES (http://www.mte.gov.br/ecosolidaria/sies.asp#), os resultados são os seguintes: mais de 21 mil empreendimentos, que envolvem 1,8 mi de pessoas em 41% dos municípios brasileiros.
Atualmente há mais organizações no Nordeste (quase 10 mil), seguido do Sudeste, com cerca de 4 mil e do Sul, com 3,6 mil.
“Até o final do ano, pretendemos totalizar 30 mil cadastros em 70% dos municípios”, disse Valmor Schiochet, diretor do Departamento de Estudos e Divulgação (DEAD), da SENAES, durante a I Semana de Economia Solidária no ABC Paulista, no último dia 29 de setembro, realizada na Universidade Federal do ABC (UFABC).
Para conseguir ampliar esses números, o principal empecilho, segundo ele, se encontra no acesso ao financiamento. “Nos últimos oito anos, ainda não conseguimos uma linha de crédito para disponibilizar recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) para a ecosol”. Schiochet explica, que mesmo o formato tripartite, ao envolver os trabalhadores, não facilita essa abertura e cerca de 60% dos recursos seguem para o BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social.
“A SENAES chegou a promover um curso de 60h para gestores do BNDES quanto à viabilidade de liberações para o segmento….Em Mococa, estão assinando agora uma concessão de crédito para a recuperação de uma empresa”, citou como um exemplo de sinal de mudanças que podem se expandir futuramente. O Banco mantém em sua estrutura a Área de Inclusão Social/ Departamento de Economia Solidária, em que consta como beneficiários:
Empreendimentos de economia solidária que exerçam atividades produtivas e não tenham capacidade de endividamento e associações sem fins lucrativos que não tenha por finalidade o exercício de atividade econômica.
No entanto, a ecosol tem um desafio ainda maior – atingir quem enfrenta a miserabilidade. “Os que têm renda abaixo de R$ 70 por mês não são o seu público e nem sabem que existe essa alternativa. O nosso desafio é inseri-los, de forma que haja o desenvolvimento territorial. É preciso uma política de abordagem diferenciada, que não pode ser só indutiva”.
Por outro lado, ele informou que as implementações de incubadoras tecnológicas de cooperativas populares estão sendo retomadas. “Hoje são aproximadamente 100 incubadoras universitárias…”. Como ponto positivo também avalia o avanço das finanças solidárias, com mais de 50 experiências de bancos comunitários. “Também avançamos no diálogo com o Ministério da Educação, com relação ao conteúdo do ecosol no programa de formação da Educação de Jovens e Adultos (EJA). Outra ação é o projeto Mulheres Mil (http://mulheresmil.mec.gov.br/)”.
Especialmente em São Paulo, o diretor contou que uma novidade se refere à organização da rede de saúde mental e ecosol.
Mas para que todas essas iniciativas ganhem força, se espera que sejam aprovados o Fundo, o Sistema e a Política Nacional de Economia Solidária, cujo projeto (de iniciativa popular) foi encaminhado ao Congresso. O documento foi estruturado pelo Conselho Nacional de Economia Solidária, em 2010. Existe uma campanha em andamento a respeito, no site (http://cirandas.net/leidaecosol).
A Frente Parlamentar da Economia Solidária foi relançada, em maio deste ano, com a participação de 213 deputados. Uma das propostas que tramitam no Congresso é a do PL 865/2011, que cria Secretaria da Micro e Pequena Empresa, com status de ministério, que incorporaria o Conselho Nacional de Economia Solidária.
Mas na ordem do dia está outra questão crucial de quanto a SENAES terá no Plano Plurianual PPA (2012/2015) para poder viabilizar seus projetos. “…A maior parte do orçamento da pasta atualmente é na área de resíduos sólidos e cooperativas de catadores e isso é mérito do próprio movimento”, disse Schiochet.
Mais um desafio é inseri-la, de forma concreta, na agenda da economia verde da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), que será realizada em junho do ano que vem. “A economia solidária é uma economia verde e corresponde organicamente, no campo da agroecologia e também como modelo de reconversão produtiva. Há esforço das cooperativas da área rural nesse sentido. Mas na economia verde dos tratados internacionais, a ecosol está fora do debate”. Oficialmente também não integra o planejamento da Copa do Mundo de 2014.
Economia criativa
Mas é aí que o Governo Federal, por meio do Ministério da Cultura, anunciou o apoio à chamada economia criativa, que envolve atualmente artesãos e artistas, num número estimado de 3,7 milhões de pessoas. Em 30 de setembro, foi assinado um convênio com o Serviço Brasileiro de Apoio a Micro, Pequena e Média Empresa (SEBRAE) para criar o Observatório da Economia Criativa e incentivo a parcerias com empresas e bancos.
De olho na Copa, deverão ser identificadas vocações criativas nas 12 cidades-sede do campeonato, que será iniciado no Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte e Salvador. As informações serão relacionadas com as 87 oportunidades identificadas no Mapa de Oportunidades para as Micro e Pequenas Empresas nas Cidades-Sede, desenvolvido pelo próprio Sebrae em parceria com a Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Em 2001, John Howkins, na obra The Creative Economy, a definiu como resultado de atividades (criação, produção e distribuição de produtos e serviços) em que os indivíduos exercitam a sua imaginação e conhecimento e exploram seu valor econômico.
No Brasil, o tema da economia criativa começou a ser aprofundado a partir de 2005, com o Fórum Internacional de Indústrias Criativas, em Salvador. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), estima-se que ela responde por 8% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial.
E ao chegar à economia verde, um conceito em formação, que foi lançado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), em 22 de outubro de 2008, a proposta é de mobilizar e reorientar a economia para investimentos em tecnologias verdes e infraestrutura natural. De uma maneira preliminar o conceito quer dizer: “É a economia que resulta em melhoria do bem-estar humano e equidade social, ao mesmo tempo em que reduz significativamente os riscos ambientais e a demanda sobre recursos escassos do ecossistema. Uma economia verde e inclusiva é caracterizada por um crescimento substancial nos investimentos em setores econômicos que, visando tais resultados, aproveitam e potencializam o capital natural do planeta”.
É importante não perder de vista que é um dos temas principais da Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável – Rio+20, que será realizada em junho de 2012.
Voltando à reflexão do início: e se todas essas propostas de ‘economias’ caminhassem juntas, será que não chegaríamos próximo do tripé da sustentabilidade?
Nota de rodapé:
*Empreendimentos de economia solidária:
São iniciativas de projetos produtivos coletivos, cooperativas populares, redes de produção, comercialização e consumo, instituições financeiras voltadas para empreendimentos populares solidários, empresas autogestionárias, cooperativas de agricultura familiar, cooperativas de prestação de serviços, entre outras. Esta nova realidade do mundo do trabalho contribui, de forma significativa, para o surgimento de novos atores sociais e para construção de novos espaços institucionais. (Fonte: SENAES)
*Economia criativa:
Economia Criativa é quando capital intelectual e conhecimento se transformam em geração de trabalho e renda. É um novo modelo de gestão e negócios baseado no bem intelectual, e não no industrial ou agrícola. (Fonte: SEBRAE)
*Economia verde:
Green Economy. Disponível em: http://www.unep.org/greeneconomy/. Acesso em: 05/10/2011
Rumo à uma Economia Verde: Caminhos para o Desenvolvimento Sustentável e a Erradicação da Pobreza – Uma Síntese para Tomadores de Decisão. Pnuma. Disponível em: http://www.pnuma.org.br/arquivos/EconomiaVerde_ResumodasConclusoes.pdf. Acesso em: 05/10/2011.
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