Dacar, Senegal – De um lado, cem mil pessoas na Praça Tahir, no Cairo, coração da revolução que acontece no Egito. De outro, militantes e ativistas apertados num cibercafé na Universidade Cheikh Anta Diop, em Dacar, onde acontece o Fórum Social Mundial 2011.
Pela internet, alguns minutos de conexão permitiram àqueles que vieram ao Senegal enviar uma mensagem de apoio e cumplicidade àqueles que lutam por liberdade e democracia no Egito. E possibilitou àqueles pedir o apoio e a vigilância da comunidade internacional à situação verificada no país.
“Falo neste momento da Praça Tahir, que agora foi batizada por nós de Praça da Revolução. Há mais de cem mil pessoas aqui. No domingo, mais de dois milhões marcharam em todo o país. O número não para de crescer. E as pessoas continuarão chegando até [Hosni] Mubarak sair”, disse Alaa Shukrallah, do Centro de Apoio ao Desenvolvimento, referindo-se ao presidente do Egito.
“Em poucos dias construímos um movimento como nunca, numa grande união do povo egípcio, inclusive entre cristãos e muçulmanos. Mas este é o resultado do acúmulo da luta pelo direito à educação, à saúde. Agora lutamos pela liberação do país. Queremos uma vida melhor, dignidade, democracia e justiça social”, acrescentou.
Para conquistá-la, será necessário manter o movimento vivo, mas contar também com o apoio da comunidade internacional à soberania e respeito da vontade do povo egípcio.
Na avaliação da delegação do país que veio ao Fórum Social Mundial, não será fácil derrubar o presidente. Ainda assim, caso o Ocidente permita que seu governo caia – em nome da “estabilização do Egito” –, é grande o risco de que alguém similar seja colocado no lugar.
“Mubarak foi capaz de implantar o neoliberalismo em nosso país. As grandes empresas podem lavar o dinheiro do povo e ninguém acha que isso é corrupção; todos os serviços públicos e bens comuns foram privatizados; Israel continua sendo o único poder militar na região. Por conta disso, o Ocidente não vai deixar o povo egípcio definir seu futuro”, acredita Hani Serag, coordenador do Movimento Popular de Saúde, que coordenou a conexão do lado senegalês.
“Mubarak vai sair porque tem que sair, mas vão colocar alguém apresentado ao povo como não-corrupto, alguém aceitável. Uma mudança completa só vai acontecer se o movimento continuar.”
Vigilância permanente
A expectativa é de que os movimentos presentes ao Fórum pressionem o atual governo do Egito a deixar o poder, possivelmente por meio da divulgação de um forte documento. As entidades do egito que participam do FSM contam com a solidariedade internacional neste sentido. Mas também chamam a atenção para a necessária vigilância, permanente, do que ainda está em andamento no país.
“Numa só noite mataram nove e deixaram 950 feridos. Eles querem que evacuemos a Praça. Nós queremos os olhos internacionais na Praça Tahir o tempo todo. A solidariedade e a vigilância internacional tornam isso possível”, acredita Wedad Ekkerdaoui, tradutora, que participa do Fórum com este objetivo. “Só o movimento das ruas pode mudar o sistema.”
Da Praça Tahir, a jovem voluntária Sally Samy reforça o pedido: “É muito perigoso ficar aqui em protesto permanente contra as forças do governo. Algumas organizações têm dado apoio médico àqueles atacados pelo governo, estamos trazendo suprimentos para quem continua na rua, mas precisamos de apoio. Todos precisam saber dos crimes cometidos por Mubarak contra aqueles que protestam. Eles devem ser responsabilizados. Espero que um dia esse regime termine”.
Reflexão mais profunda
Além de inspirador, o sentimento no FSM em relação ao que acontece no Egito e à luta, de certa forma já vitoriosa, na Tunísia, tem provocado reflexões mais profundas sobre as demandas históricas altermundistas. Há muito não se vê um movimento de massas autodenominado revolucionário, como agora presente nos países árabes do Norte da África.
“A última vez que isso aconteceu foi em 1989, na Alemanha, e o resultado foi a queda do Muro de Berlim. A repercussão deste processo na Europa e na África será grande. Há um tipo de sentimento revolucionário que está se desenvolvendo na mente das pessoas. Haverá um resultado no nível de consciência das pessoas”, acredita o belga Eric Toussaint, do Comitê pela Anulação da Dívida do Terceiro Mundo e presença constante nos Fóruns Sociais.
Se a ideia de enfrentar de fato governos em nome da justiça social contaminar positivamente a Europa, um novo cenário pode se desenhar para os movimentos de trabalhadores que sofrem os resultados concretos dos planos de ajuste estrutural e da nova onda de austeridade levada adiante por líderes europeus.
“Na França, por exemplo, os movimentos se recusaram a questionar de forma mais dura o governo Sarkozy. Tunísia e Egito agora mostram que isso é necessário, que a questão política deve estar no centro do debate”, afirma Toussaint.
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