Encerrando a série de eventos preparatórios ao 1º Encontro Nacional, marcado para 18 de novembro próximo, a CNTU (Confederação Nacional dos Trabalhadores Liberais Universitários Regulamentados) promoveu em 21 de outubro, na cidade do Porto Alegre/RS, o seu 4º Encontro Regional. Desta vez, o tema foi “Democracia, comunicação e cultura”. Coincidindo com a Semana pela Democratização da Comunicação, a atividade colocou foco na questão, que entrou na pauta da confederação e teve destaque na Carta de Porto Alegre, aprovada ao final dos trabalhos.
Primeiro palestrante do dia, o professor da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), Marcos Dantas, abordou um aspecto preocupante em relação às comunicações: a concentração da produção e difusão de informação, além do controle da infraestrutura, por poucas e enormes corporações internacionais. “A Level 3 detém 70% do tráfego mundial da internet. Entre os dois maiores grupos midiáticos globais, oito são dos Estados Unidos”, exemplificou. Para quem se impressiona com o poder de empresas locais do ramo, uma desilusão: “Toda a indústria nacional do audiovisual brasileira somada estaria na 12ª posição. O mercado nacional é bastante frágil nesse contexto e isso é preocupante porque é a cultura brasileira que está em jogo”, advertiu. Além disso, afirmou Dantas, nessas megacorporações, há interesses entrelaçados. “Por trás de centenas de canais, há quatro ou cinco grupos, cujos sócios são os mesmos”, afirmou.
Cenário brasileiro
Tal cenário, enfatizou Dantas, deve ser levado em conta no momento em que acontece um forte debate sobre a regulação do setor no Brasil. Na prática, segundo ele, a agenda está organizada em torno dos seguintes tópicos: a) discussão de uma nova lei geral para as comunicações audiovisuais; b) projeto de lei sobre o Marco Civil da Internet, já enviado pelo Governo ao Congresso; c) revisão da Lei do Direito Autoral; d) sanção da Lei 12.485 sobre Serviços de Acesso Condicionado (TV por assinatura). Essas discussões, além da realidade internacional, apontou professor da UFRJ, têm como pano de fundo a consolidação da internet como novo meio de comunicação interpessoal, de acesso à informação e ao entretenimento. Também, ponderou, “cresce a consciência sobre o papel dos meios de comunicação na construção de projetos políticos e identidades sociais”.
Para dar conta dessa nova realidade de modo a promover a democratização da comunicação e a universalização do acesso a ela, o Brasil precisará implementar legislação que abarque a convergência tecnológica. “O que temos é uma colcha de retalhos com leis que tratam de aspectos diferentes”, disse Dantas. Entre os déficits, está a regulamentação do Artigo 221 da Constituição Federal, ainda à espera de uma solução pelo Congresso, e cujo cumprimento teria grande impacto na atual programação das TVs. Diz o texto da Carta Magna: “A produção e programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos seguintes princípios: I – preferência a atividades educativas, artísticas, culturais, informativas; II – promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação; III – regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei; IV – respeito a valores éticos e sociais da pessoa e da família.”
“A lei brasileira deve distinguir claramente conteúdo e infraestrutura e, se possível, produção de programação. Se essas atividades se tornam transparentes para a sociedade e para os organismos reguladores, abre-se a possibilidade de se fomentar a entrada de atores plurais e diversos na cadeia produtiva, além de se coibir práticas monopolistas inerentes a cadeias verticalizadas”, afirmou Dantas. “Em respeito à Constituição, todas as plataformas devem ser regulamentadas de modo a garantir o necessário espaço aos sistemas público, estatal e comercial, respeitadas condicionantes tecnológicas ou econômicas”, completou.
Como arquitetura possível para dar conta desses objetivos, ele sugere, no que toca ao conteúdo: fomentar a produção privada não-comercial (ou público não–estatal); fortalecer a produção público-estatal; e proteger e estimular a produção comercial nacional. No que diz respeito à infraestrutura: distinguir operação de rede e produção/programação de conteúdos, inclusive na radiodifusão; estender o conceito de redes em regime público para a banda larga e telefonia celular; construir e operar uma infraestrutura público-estatal nacional; e estimular infraestruturas público-estatais de base e alcance municipais.
Desenhar um sistema de comunicação que valorize a diversidade e funcione sob a lógica do serviço público, e não do mercado é fundamental para a expressão da produção cultura brasileira e o seu fomento, concordou Rosana Alcântara, superintendente executiva da Ancine (Agência Nacional do Cinema).
Durante o encontro em Porto Alegre, ela apresentou o esforço feito pelo Ministério da Cultura para promover a democratização do setor. Segundo ela, no plano traçado para o período entre 2003 e 2011, isso se deu em dois eixos: ampliar o acesso aos bens culturais e ampliar a participação social nas decisões. Importante ainda, afirmou, que se tenha a compreensão da cultura em suas três dimensões: simbólica, cidadã e econômica
Economia criativa e direito autoral
Escalado para falar sobre “Cultura e comunicação criativa” o professor da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica), Ladislau Dowbor fez uma instigante palestra sobre a propriedade intelectual. “Temos uma mudança radical da base tecnológica e mantivemos as regras do século passado. Há um grau de surrealismo no que se faz em nome da propriedade intelectual”, ironizou.
Ele criticou o empenho empresarial para coibir o acesso livre ao conhecimento. “Quem controla as ferramentas e o suporte não produz cultura, mas pretende controlar a sua veiculação. Produção científica deve ser veiculada livremente para ser fator de progresso da humanidade”, defendeu. Na opinião do professor, essa pode ser a chave para superar a pobreza: “Ao poder acessar a informação e articular o conhecimento, rompe-se a barreira da exclusão. Na sociedade da informação, quando a economia é apropriada pelas pessoas, há uma dinâmica transformadora.”
Em contraponto, o cineasta Jorge Furtado, lembrou a necessidade básica de sobrevivência do autor. “Estamos vivendo uma transformação radical na forma de produzir e distribuir audiovisual, livros, ideias. Quando eu comecei a fazer cinema, a gente era praticamente obrigado a se mudar para São Paulo. Hoje, é possível fazer um filme aqui e agora. Isso nos faz pensar que podemos ter acesso a qualquer filme ou música, mas criou alguns problemas”, ponderou. “Como remunerar a produção cultural? Eu me sinto roubado quando uma editora pega uma tradução minha, publica, não dá o crédito e coloca para vender. Os autores serão remunerados só na produção? Isso envolve texto, cinema, música, fotografia. Hoje, os músicos vivem de shows. Mas e os compositores? Essa é a questão do direito autoral”, apontou.
Finalizando as palestras, o escritor e professor da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), Luís Fischer, levantou preocupações com relação à literatura brasileira. Segundo ele, essa que tem um esteio no livro didático, corre riscos atualmente. “O Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) que caminha para ser o principal processo seletivo das universidades públicas não tem prova específica de literatura. Isso exclui do horizonte a leitura de livros”, criticou. “Estamos mal na circulação de literatura no Brasil, apesar das facilidades trazidas pela internet”, completou.
Momento poético
Além do debate sobre o assunto, o encontro da CNTU contou também com uma breve sessão de expressão cultural. A atriz Deborah Finocchiaro, da Companhia de Solos e Bem Acompanhados, interpretou poemas de Mário Quintana. Entre eles, o “Pequeno Poema Didático”:
“O tempo é indivisível. Dize,
Qual o sentido do calendário?
Tombam as folhas e fica a árvore,
Contra o vento incerto e vário.
A vida é indivisível. Mesmo
A que se julga mais dispersa
E pertence a um eterno diálogo
A mais inconseqüente conversa.
Todos os poemas são um mesmo poema,
Todos os porres são o mesmo porre,
Não é de uma vez que se morre…
Todas as horas são horas extremas!”
Foto: Everton Silveira