Resolvi escrever este artigo no intuito de propor uma análise sociológica acerca dos temas acima elencados sem necessariamente traçar uma abordagem cartesiana ou sistemática tal como anunciadas no título deste texto.
Gostaria de iniciar tratando o tema consumo. Em decorrência do fim das últimas experiências socialistas marcadas pelo fim da URSS, pela reunificação da Alemanha, e pela relativa abertura comercial da China, nas últimas décadas do século passado, os países da periferia do capitalismo passaram a experimentar um grau de consumo até então, circunscritos apenas ao grupo de países denominados como primeiro mundo.
A ascensão de um modelo político pautado no neoliberalismo fez com que os mercados dos países subdesenvolvidos passassem a ter um grau de abertura econômica maior, livrando-se de algumas barreiras protecionistas, o que desencadeou a entrada maciça de bens de consumo de todas as espécies com destaque àqueles de baixo custo produzidos em países asiáticos, com destaque para a China.
Do ponto de vista econômico as premissas da globalização se realizaram com maior destaque para as trocas comerciais, onde os países com maior capacidade produtiva viram neste mundo globalizado um amplo mercado destinado a consumir suas mercadorias.
Por outro lado, questões como a integração das populações por intermédio das migrações, o acesso e a aceitação de culturas tão heterogêneas presentes em vários países, foi algo que soou apenas como verniz facilmente arranhado pelo processo de globalização.
No caso brasileiro a primeira década do século XXI, foi marcada pelo aumento da distribuição de renda por intermédio das políticas públicas com um viés assistencialista, e pela ampliação da camada média da população, através da elevação da renda deste segmento social.
Inevitavelmente perante o aumento da renda social, o consumo tendeu a se ampliar dado as facilidades de crédito disponíveis e também ao acessível preço das mercadorias de origem asiática, que adentraram em nosso país dado o baixo grau de protecionismo vigente até então.
Analisando a questão social deste período, as classes médias que até então se destacavam por suas posses, em relação a uma população carente privada do acesso a bens de consumo duráveis e não duráveis, veio sofrendo ao longo dos últimos anos uma crise de perda de identidade, pois os bens que anteriormente poderiam servir como objeto de ostentação de suas riquezas medianas e afirmação de sua vaga singularidade, agora se tornaram facilmente adquiridos através do acesso ao crédito por segmentos mais populares da sociedade.
Daí o incômodo das classes médias, pois assistiram a perda de sua identidade social enviesada pelo consumo, pelo fato deste agora ter se popularizado no período que engloba os últimos anos dos governos FHC e os dois mandatos de Lula.
Ou seja, embora o Brasil ainda seja o país campeão em desigualdades sociais, as elites nacionais ainda hoje, querem ter o privilégio da ostentação material perante a uma porção de marginalizados ou inseridos precariamente na sociedade exclusivamente pelo acesso ao consumo.
Pelo viés econômico vivemos em tempo de uma relativa melhora no que se refere a compra de mercadorias. No entanto, não podemos cair na armadilha da pós-modernidade, onde as premissas de felicidade são vendidas por intermédio de uma publicidade perversamente enganosa, para pessoas que durante anos foram privadas do consumo, deslumbrando-se ingenuamente com suas infinitas aquisições supérfluas, característica de um modelo social pautado num consumismo desenfreado, responsável por um desequilíbrio agudo entre homem e natureza.
Educação ou Consumismo: Qual dos dois oferecer?
Em tempos de grande desintegração do modelo de família nuclear, marcado forte inserção da mulher no mercado de trabalho, a competitividade, a necessidade de uma crescente especialização profissional para atender às demandas de um mercado de trabalho, dotado de uma volatilidade cada vez mais crescente; a educação circunscrita ao âmbito familiar sofreu significativas transformações que implicaram em novos comportamentos de pais e filhos perante a esta relação.
Uma boa parte das crianças contemporâneas, sobretudo aquelas que vivem nos grandes centros urbanos, são educadas sob a égide da terceirização, tal qual o modelo adotado por empresas para aumento de lucros, ganhos e sobretudo de tempo.
A terceirização da educação familiar foi delegada inicialmente a membros da família mais próximos como avós e tios, e posteriormente a creches, escola, clubes, cursos, etc. Aos pais incumbidos da tarefa de serem pais e mantenedores destas crianças, relegou-se em boa parte dos casos o papel de coadjuvante no processo de educação dos filhos. Ou seja, os pais são mais alguns entre tantas pessoas envolvidas no processo educativo das crianças.
Tal aspecto gerou ao longo do tempo uma crise no que se refere à questão da autoridade sobre as crianças. Ao passo que a criança transita por diversos meios sociais e se relaciona com adultos com distintos valores morais e éticos, se estabelece uma grande complexidade em saber qual o referencial a ser seguido perante a uma gama tão ampla e por vez heterogênea de visões de mundo do universo adulto.
Não estamos com isso de maneira alguma apontando para o esvaziamento da figura materna e paterna enquanto referencial simbólico dentro do processo educativo das crianças.
No entanto, alguns pais tomados por um sentimento de culpa, pelo fato de sua ausência compulsória, também não sabem ao certo como lidarem com esta tarefa de educação dos filhos, através de um distanciamento que pode ir se configurando fisicamente, ou através da ausência de construção e manutenção do diálogo.
No anseio de suprir estes problemas um comportamento muito comum dos pais de famílias mais abastadas é caracterizado pela idéia de suprir a ausência física ou no que se refere ao cumprimento de suas responsabilidades, por intermédio da oferta de objetos materiais, estimulando assim, uma educação calcada sob as premissas de um consumismo degenerativo, que não contribui em nada para a formação de valores morais e éticos nas crianças.
Tal comportamento se mostra revelador de características psicológicas de adultos, que por sua vez, vivenciaram uma infância com algum grau de privação, e acabam depositando as premissas de afeto, carinho, paciência e atenção erroneamente na aquisição material.
As crianças astutas por sua vez conseguem perceber a fragilidade emocional dos pais, passando a adotar comportamentos imperativos, que caracterizam um tipo de tirania infantil, na qual os pais submergidos de culpa rendem-se com grande facilidade no intuito de evitar conflitos.
Segundo Ana Beatriz Barbosa Silva “é justamente a omissão educacional dos pais em situações-chave que produz os conflitos familiares. Isso é facilmente observável em circunstâncias que envolvem comportamentos transgressores, o desrespeito as regras e aos limites estabelecidos (quando estabelecidos – grifo nosso). A indiferença dos pais equivale a uma renúncia oficial e perigosa ao papel essencial que eles deveriam exercer: educar os filhos. E educar é confrontar os filhos com as regras e os limites, além de fornecer-lhes condições para que possam aprender a tolerar e enfrentar as frustrações do cotidiano.”
O processo de educação das crianças inevitavelmente envolve conflitos e tensões que são naturais, pois se contrapõem as vivências e valores consolidados dos adultos com os anseios e descobertas inerentes a infância.
No entanto, aos adultos acabe o papel de mostrar para as crianças os porquês de determinadas situações, e quando necessário saber dizer não. Isto não quer dizer que esta negação precise estar carregada de um caráter autoritário, no entanto, ela precisa ser algo firme e seguro, impedindo assim que haja freqüentes retrocessos que esgarcem a construção de uma autoridade entre adultos e crianças. Vale destacar, que a autoridade sobre algo ou alguém é um processo de construção social e afetiva, e não uma premissa impressa no código genético.
A permissividade e a incondicionalidade dos pais é um grande fator de (des) educação dos filhos. Em minha experiência num colégio de classe média de São Paulo, entre os anos de 2008 e 2009, presenciei crianças sem noção de respeito pelo próximo e por si mesma, e sobretudo dotadas de uma enorme carência afetiva. O tempo destinado a orientação das crianças, do afeto, da paciência foram suprimidos pelo tempo do deus-trabalho e do deus-consumo.
A escola frente a este contexto passou a ser encarada como único local onde as crianças devem aprender valores éticos e morais, que antes eram construídos no âmbito familiar através de lições de como se portar perante a um ambiente social. Em outras palavras, os ditos bons modos transmitidos aos filhos, eram tidos como uma responsabilidade familiar, sobretudo centralizada no papel da mulher enquanto mãe e dona de casa responsável pela educação dos filhos.
Se por um lado se deu uma crescente construção da autonomia feminina por intermédio do acesso ao trabalho, no entanto, estas conquistas e o grande interesse de absorção da força de trabalho feminina pelo capitalismo a um custo inferior à dos homens, implicou numa cisão entre gêneros e a multiplicação das responsabilidades femininas nos últimos trinta anos, não suprimindo suas obrigações domésticas.
Perante esta situação, a opção de ter ou não filhos, não deixa de ser uma escolha dentre tantas outras que fazemos na vida; escolhas estas que muitas das vezes implica em abrirmos mão de alguns aspectos não menos importantes como carreira, vida pessoal, planos; para contemplarmos as crianças às quais optamos por tê-las, e que dependem da nossa atenção, carinho, afeto, e sobretudo de alguém para lhes mostrar o que é certo e o que é errado.
Isto soa como algo evidente, mas não é o que boa parte das crianças independente da classe social a qual se encontram vivenciam nestes tempos modernos.
Aos adultos cabe encarar suas responsabilidades enquanto geradores de outros seres, não sendo tolerável a fuga da verdadeira educação edificadora, pelos corredores sinuosos do consumismo, da falta de tempo, e de uma rotina massacrante a qual se encontram inseridos, e, todavia foi sendo eleita e construída em suas vidas cotidianas através de suas próprias escolhas.
Referências Bibliográficas
BAUMANN, Zygmount (2007) Tempos Líquidos, Rio de Janeiro, Zahar Editora
SEVCENKO, Nicolau (2001) A corrida para o século XXI, São Paulo, Cia das Letras
SILVA, Ana Beatriz Barbosa (2010) Bullying – Mentes perigosas na escola, Rio de Janeiro, Fontanar