Tantos olhares e leituras. Assim se desenham os bastidores da Rio+20 – Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável. E na busca desses diálogos, fui assistir a palestra Rio+20 e a Entrada no Antropoceno, promovida pelo Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA/USP), no último dia 12. E lá ouvi as narrativas de quem vivenciou de perto a ECO 92, o que possibilita uma ‘travessia’ no tempo. A ideia foi mostrar quais são os cenários passados, presentes e possíveis no futuro, na era que tem o recorte principalmente a partir da Revolução Industrial, com destaque à intervenção humana.
Nesse hall, estavam o sociólogo francopolonês Ignacy Sachs, professor emérito da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais, da França; o ambientalista Fabio Feldmann, consultor e ex-presidente do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas; o economista Ricardo Abramovay, professor titular do Departamento de Economia da FEA – Faculdade de Economia e Administração da USP, e o geógrafo Wagner Ribeiro, ambos do IEA.
Professor Sachs, aos 84 anos, trouxe uma bagagem que vem desde a Conferência de Estocolmo, em 1972. Ele destacou em sua fala a importância de os países voltarem a planejar e alertou para o cuidado de não se ‘esverdear’ a economia, com a nova expressão que ganha espaço na pauta da conferência – a economia verde – , sem atender o princípio da inclusão social. Abramovay destacou que existe uma grande desconfiança sobre o termo, ‘como se fosse uma cortina de fumaça’ para a sociedade e se o desenvolvimento sustentável sofresse um recuo. “…A economia verde é tratada como um graal energético que nos tirasse dos combustíveis fósseis”.
Sachs defendeu que nesse contexto de desigualdades entre países ricos e pobres, seria viável implementar a aplicação entre 1% e 2% do PIB – Produto Interno Bruto dos países ricos em fundos de apoio, além de taxas de carbono e sobre as especulações financeiras, que até hoje não foi implementada. “Sou favorável à proposta de pedágio de uso dos oceanos e mares”, disse, argumentando que são espaços de bem comum. O ecossocioeconomista polonês acredita na potencialização dos países emergentes, em especial, por meio da cooperação entre o Brasil e Índia, onde teve a oportunidade de viver e estudar. Já na opinião de Feldmann, não funciona a transferência norte-sul de 1% “Pois não funcionou até agora”, disse. Ele também não considera que os fundos climáticos sejam solução de médio e longo prazo.
Pensar além da Rio+20. Esse foi o recado de Sachs. Nesse sentido, mencionou a importância da cooperação científica internacional entre os países, por meio dos biomas, além da otimização do uso da terra. Como exemplo, citou a combinação da psicultura e o cultivo de hortas em áreas de poucos hectares, como uma iniciativa sustentável. “É um meio para se ganhar margens de liberdade para não produzir carne por meio de uma pecuária extensiva, que é uma das grandes fontes de desmatamento”. Ribeiro reforçou que o uso intensivo é racional e as mudanças dos padrões de agronegócio devem ter respaldo político consistente.
O alerta de Abramovay foi de que mesmo se cumprindo o que se acordou nas últimas Conferências das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 15 e 16), respectivamente em Copenhague e em Cancún, o aumento da temperatura média da Terra será de 4 graus (a próxima será antes da Rio+20, em Durban, na África, no final do ano).
“As energias renováveis como um todo representam 13% mundialmente e as modernas, 1%. Essas informações estão no Green Technological Transformation, produzido pela Organização das Nações Unidas (ONU)”, disse.
Segundo ele, o que pode ser considerado um avanço é o fato de a ONU estar estipulando limites per capitas de emissões de Gases de Efeito Estufa (GEEs). “Isso é importante, porque investimentos em tecnologia para reduzir a base energética fóssil e para a ecoeficiência são cruciais e fazem parte da economia verde; mas se não for reduzida a desigualdade do uso de recursos, não haverá economia verde que dê conta do recado”
Hoje a humanidade emite 50 gigatones de CO2e e precisaria reduzir para 10. Nesse contexto, há a questão da desigualdade dos limites físicos do planeta. “O norte-americano emite 72 vezes mais que o habitante de Bangladesh”, comparou.
Na avaliação de Feldmann, um problema na Rio+20 é que a conferência do ano que vem não deverá tratar das convenções (Clima, Diversidade Biológica, Desertificação…) e a partir daí, gera dificuldade para se entender qual, de fato, será a agenda. Ele também considera que a comissão de desenvolvimento sustentável, criada na ONU, foi mal colocada em sua estrutura e hoje há falta de liderança no processo, ao contrário de 92, em que havia o destaque na atuação de Maurice Strong. Ele lembrou que há 20 anos, houve a legitimação da participação da sociedade civil e, agora, uma marca diferenciada, é de que os limites do planeta estão apresentados de maneira incisiva.
“Será um avanço na Rio+20, se for colocados esses limites para a sociedade. Ainda há o problema do contexto de eleições em 2012, nos EUA, na França e mudança de governo também na China. Tentar fazer as COPs no mesmo período é uma das propostas e o foco da conferência teria de ser a implementação dos acordos”.
Segundo o ambientalista, é importante destacar que as emissões de GEEs, desde a Segunda Guerra mundial, se tornou mais ‘dramática’, segundo a Ciência. “Há propostas de aliança estratégica entre setor empresarial mais cosmopolita com a sociedade civil, como mecanismos para serviços ambientais regionais e globais”. Ribeiro, que coordena a área ambiental do IEA, disse que apesar da sensibilização pública sobre a temática ambiental, ainda não acontece o mesmo com os governos.
“Temos de pensar em formas de gestão dos recursos naturais e esse é um debate muito duro”. Ele citou que nas discussões sobre a governança da sustentabilidade, um grupo considera que deve ser tratado no âmbito do Conselho de Segurança da ONU. Outro quer que se crie um novo organismo. Em outra vertente, que se reforce o papel do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente – Pnuma, que segundo ele, hoje tem um papel secundário, apesar de relevante. “Criou um departamento para estudar conflitos ambientais, o que é significativo”.
Para Ribeiro, na Rio+20 é preciso lembrar também de outros acordos firmados ao longo dos anos, como a Convenção de Basileia para o Controle dos Movimentos Transfronteiriços de Resíduos Perigosos e sua Disposição, e sobre Zonas Úmidas. “É difícil pensar que os países vão desfazer suas conquistas jurídicas atuais”. E um ponto crucial, segundo ele, é o seguinte: discutir a regulação da globalização. “Por exemplo, países em desenvolvimento, como o Brasil e África do Sul têm empresas de extração mineral, que não avançam na questão do uso dos recursos, trazendo passivos ambientais”.
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