No dia 11 de fevereiro de 2001, durante o Fórum Social Mundial fizemos uma série de entrevistas com mulheres membros de ONGs, que participavam do Fórum. Elas estavam nas suas atividades específicas, mas também ocupavam stander, onde deixavam expostas suas propostas, artesanatos ou sementes e raízes.
Ao identificar uma quantidade bastante significativa de organizações de regiões africanas diferentes, coordenadas por mulheres, foi inevitável refletir sobre seus anseios e os porquês de estarem ali. A partir de 12 questões que tratavam de objetivos, projetos, dificuldades em mobilização e a origem das associações, foram feitas 4 entrevistas. Três ONGs de diferentes regiões, Mali, Casamance/Senegal e Mauritânia, além da representante da campanha Prêmio Nobel para as Mulheres da África.
A participação de uma de nós, Regina de Paula na ONG SOMUNEAR, localizada na praia da Rasa em Búzio, Rio de Janeiro foi o elemento propulsor das entrevistas. As mulheres remanescentes quilombola na região lutam pela reintegração de suas terras e entendimento de sua origem buscando reconhecimento e respeito na sociedade do balneário de Búzios.
A identificação das nossas lutas com as delas, e as delas com as nossas, possibilitou um diálogo bastante profícuo. Conforme conversávamos, entendíamos que o reconhecimento nosso pela luta delas não havia sido uma emoção passageira. Pertencia a elementos próprios do universo feminino, da luta pelo seu reconhecimento na sociedade, mas também pelo sentimento de terem sido expropriadas de sua terra, de sua cultura, de sua liberdade e de seu valor na sociedade.
Através dos relatos orais e da produção de imagens, resgatamos histórias de perseverança em meio hostil, na guerra civil de Casamance, na falta de oportunidade da Mauritânia e o confronto com as culturas diferentes ao redor do Saara, na força das raízes, ervas e sementes tradicionais como fonte de mobilização social. Ao visar trocar experiências com as mulheres mobilizadas do Mali, Casamance e Mauritânia, em relação às do quilombo da Rasa, pudemos constatar que as comunidades citadas apresentam pontos de vista diferentes sobre sua situação, relações variadas com o governo de sua região, no entanto tem em comum uma trajetória definida por impossibilidades, dificuldades do cotidiano e falta de escolhas.
As mulheres de Casamance, ONG REFECE, com mais de 20 anos de associação, lutam em dois eixos paralelos: prevenção a gravidez e doenças sexualmente transmitidas, e em prol da Paz em Casamance. Explica Elizabeth Sagura que, desde 1982, a região vive uma guerra civil. Os rebeldes propõem a separação da região e o governo do Senegal não se dispõe a negociar. Essas mulheres, depois do início da guerra, impossibilitadas de continuar o trabalho inicial com jovens mulheres pela prevenção de doenças e gravidez, viram-se perdendo os maridos e filhos na guerra e retomaram a luta acrescentando outro objetivo, o de Paz na região.
As mulheres do Mali, do Centre Hampatê – Bã, reúne cerca de 18 associações de mulheres de bairros da região periférica de Bamako, a partir do incentivo da professora Sanogo Silvie da Universidade de Bamako. Ali, elas se reunem para trabalhar a terra, cultivarem e difundirem os medicamentos tradicionais, baseados em ervas, raízes e sementes, para a população desassistida pelo governo.
As mulheres da Mauritânia, Cooperativa MUFITARH KHAIR, reúnem-se para bordar, coser e tingir os véus, saias e outros assessórios típicos da região. Depois saem uma vez por ano, atravessando parte do deserto do Saara, necessária para chegar ao norte do Senegal onde vendem seus produtos. O artesanato produzido por essas mulheres é a representação da força que elas têm, de não sucumbir à dependência de seus maridos e às funções paralisantes, como definiu Mariene Mintahmed, do cotidiano da dona de casa.
Para concluir, a última entrevista, de certa forma, tem como objetivo representar todas as outras quatro ONGs. Conhecida como NOPPAW Premio Nobel da Paz para as Mulheres Africanas, lançada pela CIPSI (Coordenação de iniciativas populares de solidariedade internacional) e a ONG italiana “Chamada da África”. Sophie Diamara, representante do comitê constituído para a campanha ressalta a necessidade do reconhecimento do trabalho das mulheres africanas pela paz e desenvolvimento da África. Hoje conta com de 2 milhões de assinaturas e será apresentado ao parlamento da União Européia em 23 de maio desse ano.
Larissa Gabarra e Regina d Paula são integrantes da Ciranda Afro e do Palabra – Palavras Africanas no Brasil