O programa Observatório da Imprensa da última terça-feira (14/06) transmitido pela TV Brasil e conduzido pelo jornalista Alberto Dines fez uma discussão sobre o estranhamento da grande mídia sobre a Amazônia. Participaram como convidados o cientista político Sérgio Abranches, o antropólogo Alfredo Wagner Almeida e a repórter de meio ambiente Afra Balazina, do Estado de S.Paulo. A tese do programa era a de mostrar as limitações da grande mídia (leia-se os veículos do sudeste) em cobrir o país em sua totalidade, sobretudo a Amazônia.
Os convidados deram uma grande contribuição à discussão mostrando que os problemas da região são muito mais complexos do que a mídia pressupõe. Wagner, coordenador do importantíssimo Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia fez um paralelo sobre o aumento da violência no campo e a revisão no Congresso Nacional do Código Florestal. Abranches falou do enfraquecimento do interesse da mídia pelo tema e a jornalista do Estadão mostrou a dificuldade de se cobrir à distância assuntos delicados e urgentes.
No entanto, algumas abordagens sobre a Amazônia não foram consideradas como se deveria. Apesar do esforço do antropólogo em mostrar esses debates, Alberto Dines sempre voltava a questão da necessidade de mais profissionais dos maiores jornais distribuídos pelo país e em vários momentos criticou a cobertura dos veículos locais. Ainda que grande parte dos veículos pequenos mereça críticas e que o jornalista é um grande pensador brasileiro, seu enviesamento no programa deixou muitas abordagens interessantes sem serem discutidas.
Uma questão muito importante se refere ao fato de que a imprensa brasileira não conhece a Amazônia. Trata a região que abriga nove estados e mais de 60% do território brasileiro como se fosse uma coisa só, desconsiderando suas diferenças geográficas, econômicas, de biodiversidade, cultural, potencialidades e problemas. Essa limitação é ancorada num outro fator muito preponderante: o mito sobre a Amazônia. É do senso comum conceber a Amazônia como sendo uma grande floresta em que mesmo em capitais como Manaus, Belém ou Cuiabá é possível ver índios andando semi-nus nas ruas e não raro se deparar com uma onça pintada na esquina ou um jacaré saindo da beira do rio.
Mais do que isso, cria-se um imaginário quase onírico ou saído das páginas de José de Alencar sobre os povos que habitam a região. Já faz alguns anos que parei de contar as vezes que algum amigo, familiar ou jornalista fez considerações etnocêntricas sobre comunidades indígenas quando constatam, por exemplo, que em muitas (talvez a maioria das aldeias em Mato Grosso) existem escolas, telefone, televisão e seus moradores andem vestidos. “Nossa, eles deixaram de serem índios”, é o que mais escuto. Não necessariamente por maldade e sim por ignorância, mesmo. No sentido literal do termo.
É claro que a Amazônia tem que sair na mídia por conta do desmatamento que voltou a aumentar e a violência no campo que explodiu na mídia, embora aconteça sistematicamente desde antes da morte de Chico Mendes e Irmã Dorothy, em várias regiões. Mas também tem uma riqueza social, cultural, econômica e ambiental que tem que ser valorizada e discutida na mídia com intensidade parecida. É muito fácil os jornalistas do sudeste criticarem as mídias do norte por não repercutirem tanto os descasos de sua região, embora sofram muito mais de carência de pessoal e infra-estrutura. E sim, e é claro que quase a totalidade das mídias locais pertence ou sofre severas influências de políticos locais que impedem a divulgação de determinados temas. Mas essa censura (às vezes velada, às vezes às claras) não é privilégio dos pequenos grupos. As grandes corporações de comunicação também evitam assuntos ao máximo ou deturpam de tal maneira temas como Terras Indígenas, comunidades tradicionais e grandes obras de infra-estrutura que reforçam estereótipos e preconceitos de tal maneira que dificulta ainda mais que as vozes dos que precisam gritar sejam ouvidas.
A grande mídia precisa descer do pedestal e de suas torres de marfins e ir mais a campo, contar com jornalistas locais e ouvir fontes mais diversas. Existe um mundo de organizações não-governamentais, associações de assentados, comunidades tradicionais e indígenas que sistematicamente divulgam suas lutas por sites, blogs e emails, que ajudam a diminuir a distância entre os fatos da Amazônia e os jornalistas do sudeste. A mídia quando quer faz boa cobertura sobre qualquer assunto. E talvez seja esse o verbo que falte às redações!
* André Alves é jornalista em Mato Grosso e especialista em Antropologia.
A Amazônia na grande mídia
Parabéns André Alves, assino embaixo, afirmo tudo que escreveu. Militei por alguns anos em movimentos sociais como direitos humanos, mulheres e indigenistas. Sou jornalista recém-formada no Estado de Roraima. Trabalhei no jornal impresso Monte Roraima, que fechou a pouco tempo por falta de recursos, pois não se rendeu as fortes tentações dos grupos políticos.
Aqui a falta de estrura, sobretudo, a internet acaba por isolar o Estado. Atualmente trabalho em uma rádio educativa e cultural, ligada a igreja católica, mas que mantém sua independencia. A emissora faz parte da Rede de Notícias da Amazônia (RNA), um projeto ousado, que leva diariamente, notícias da região a 13 rádios, educativas ou não, em cinco Estados.
Eu também percebo a falta de conhecimento das “grandes mídias” a Amazônia, são absurdos os comentários. Completamente ignorantes a nossa realidade. Assim, é claro, como outros vários profissionais, até mesmo antropólogos, que veêm para cá fazer seus estudos de mestrados ou doutorados, mas é claro, que invertem seus pensamentos ao chegar aqui.
Bom, era isso, acabei me indetifacando com seu texto. Não assisti o debate na TV Brasil, mas sempre quando posso, assisto alguns.
Obrigada pela atenção e bom trabalho.