No primeiro dia do evento da Tenda do Povo Sem Medo, foram debatidas uma série de questões sociais, com destaque para guerra as drogas, a intervenção militar do Rio de Janeiro e o genocídio da população negra, com recorte de gênero. Os presentes não poderiam imaginar que na manhã seguinte acordariam em luto pela notícia da morte da companheira de luta. Um dia antes de ser assassinada, a vereadora reclamou da violência no Rio de Janeiro, questionando a ação da polícia militar em uma postagem em sua página pessoal do Twitter: “Mais um homicídio de um jovem que pode estar entrando para a conta da PM. Matheus Melo estava saindo da igreja. Quantos mais vão precisar morrer para que essa guerra acabe? ”.
A programação que estava prevista para o segundo dia (15), da Tenda do Povo Sem Medo no Fórum Social Mundial foi interrompida com a terrível notícia da morte da vereadora Marielle Franco, na noite anterior (14), na rua Joaquim Palhares do bairro Estácio, região central do Rio de Janeiro (RJ). Foram disparados nove tiros contra o veículo que se encontrava a vereadora, por volta das 21h30. Ela foi atingida por quatro balas na cabeça e faleceu junto ao motorista do veículo, Anderson Pedro Gomes, que também foi atingido.
Uma marcha foi organizada pelos convidados e pessoas que foram conferir a programação do segundo dia da tenda em ato de homenagem. Muitos convidados de movimentos sociais e partidos políticos de esquerda prestaram discursos de solidariedade ao caso de Marielle, entre eles, o candidato à presidência da república, Guilherme Boulos e sua vice Sônia Guajajara (PSOL). “Nós vamos exigir uma investigação independente, vamos cobrar justiça pelos quatro cantos desse país”, disse Boulos antes da marcha se organizar.
Marielle faria parte da mesa Vamos de Preto do último dia da tenda, sexta-feira (16). A programação do segundo dia do evento contava com mesas e rodas de fala sobre os desafios da esquerda em 2018, com o candidato à presidência, retrocessos na educação, a situação política do país e a juventude. Dentre os inúmeros convidados estavam o candidato à presidência da república, Guilherme Boulos, e sua vice Sônia Guajajara, o professor Carlos Zacarias e o vereador da capital baiana, Hilton Coelho.
Em clima de lamentação, a programação foi reformulada para incluir um ato de homenagem a falecida, e discussão sobre o genocídio de homens e mulheres negras. Representantes de movimentos sociais e partidos políticos de esquerda discursaram em tons de tristeza e indignação sobre o ocorrido.
Durante sua fala sobre a morte de Marielle, Boulos convocou todos a luta por justiça e lançou uma suposição: “Nós vamos esperar e exigir que as investigações sejam feitas, que se encontre quem praticou esse crime e, sobretudo, os mandantes. Nós não queremos fazer ilações, mas também não acreditamos em coincidência. A Marielle havia sido indicada eleita relatora da comissão de investigação da intervenção da polícia militar quinze dias atrás.
Ela havia feito denuncia de abusos e extermínio policial no RJ esta semana. Nós vamos exigir uma investigação independente, vamos cobrar justiça pelos quatro cantos desse país e honrar a caminhada da Marielle. Enquanto não tivermos resposta para a questão de ‘quem matou Marielle? ’ não vamos descansar um só segundo. Hoje é momento de luto, mas também é momento de luta, de resistência, de não deixar passar em branco”.
A ativista Leny Claudino de Souza, mais conhecida como Leninha, ficou muito abalada com a notícia: “Com esse baque a gente fica sem muita condição”. Mesmo com a hipertensão e a diabetes em crise pelo choque da notícia, Leninha deixou sua mensagem: “Ao exterminar Marielle, não exterminaram nossos sonhos e nossa luta. Nós somos moradores de favela e ser morador de favela é ver todos os dias uma mulher negra, um menino negro, um homem negro ser exterminado pelo Estado. Nós vamos buscar quem fez isso com a Marielle. Somos de dentro da favela, e dentro dela nós vamos saber quem foi do Estado que mandou exterminar a Marielle”.
Em marcha pela justiça
Após uma série de discursos de indignação e tristeza pela morte de Marielle Franco, foi organizada uma marcha como ato de homenagem a falecida pelo público que compareceu as atividades da tenda e convidados do local, por volta das 11h. Guilherme Boulos e Sônia Guajajara não puderam ficar para a caminhada, pois tiveram que retornar ao Rio de Janeiro para prestar homenagens na capital em que Marielle foi alvejada. A marcha saiu do estacionamento do pavilhão de física da Universidade Federal da Bahia (UFBA), campus Ondina, local em que estará acontecendo as atividades da tenda até esta sexta-feira (16), em direção à Avenida Oceânica, do bairro de Ondina, próximo a escultura das três gordinhas.
Os manifestantes tiveram apoio técnico de um carro de som e alguns microfones que foram usados para dar a palavra aqueles que não tiveram a oportunidade anteriormente e que não faziam parte da composição da mesa. Uma série de líderes de movimentos sociais se manifestaram no ato, como o vereador de Salvador, Hilton Coelho, respeitando os tempos de fala para que todos pudessem se expressar e repudiar o ato de violência.
Inicialmente, a marcha ocorreria apenas pelos presentes na tenda, porém, centenas de pessoas que estavam curtindo a programação do Fórum Social Mundial (FSM), comovidas com a história, se juntaram a marcha.
Vários manifestantes carregavam consigo faixas e cartazes clamando por justiça, com dizeres “somos todos Marielle”, “não nos calarão”, “Marielle: seremos milhões! ”. A caminhada correu tranquilamente, de forma pacifica. Os protestantes fecharam a sinaleira da avenida, mas o manifesto não se alongou por muito tempo.
Após finalizado o ato, os participantes retornaram a suas atividades. Grande parte voltou para a Tenda Sem Medo, em que ocorreu um debate em roda Do Luto à Luta! para discutir o “golpe” e a criminalização dos movimentos sociais, na presença de representantes do coletivo Afronte, Paula Fonseca e Marcos Magno, o vereador da capital, Hilton Coelho, os professores de história Carlos Zacarias e Jhonatas Monteiro (PSOL), Geovane Rocha, membro do PCB, e Bruna Cavalcante, representante do coletivo PAJEÚ. O debate foi coletivo e aberto a participação do público.
Ao final do debate o público foi convidado a se dirigir para a Câmara Municipal da cidade para realização de uma vigília, mais um ato de homenagem a Marielli, cuja concentração se deu por volta das 19h. A vigília contou com mais cartazes de protesto, velas, depoimentos e manifestações artísticas em respeito a ex-vereadora do Rio de Janeiro.
Texto: Thídila Salim
Fotos: Wallace Cardozo