As entidades LGBTIQ+ que participam do Fórum Social Mundial 2018, que acontece em Salvador (BA), após três dias de debates intensos, divulgaram uma carta na qual se posicionam contra as discriminações por identidade de gênero e de orientação sexual e contra todas as formas de intolerância – incluindo o machismo, o racismo e a xenofobia – e em defesa de sociedades mais igualitárias.
Os grupos de representação social LGBTIQ+ participam ativamente do Fórum Social Mundial, desde a primeira edição do evento, no ano de 2001, em Porto Alegre. Os ativistas apontam retrocessos sociais e de direitos que vêm aumentando as desigualdades e os preconceitos desde o início da crise econômica mundial de 2008. A carta divulgada também denuncia o avanço da epidemia de HIV/Aids, principalmente entre a população jovem, permanecendo como uma grave questão de saúde pública e social, com desafios ainda maiores devido aos desmontes das políticas públicas de saúde e atenção às pessoas vivendo com HIV.
“Uma de nossas principais tarefas neste momento é a defesa da democracia e do estado democrático de direito, pois esta é uma condição até mesmo para a preservação de nossas vidas, já que o aprofundamento dos estados de exceção legitimam assassinatos como os de Santiago Maldonado, na Argentina, e da companheira Marielle Franco, no Brasil. É preciso erguer a voz para denunciar estes assassinatos como afrontas a qualquer possibilidade de vida democrática, bem como proclamar que as tentativas do governo e tribunais golpistas de impedir o ex-Presidente Lula de ser candidato são uma continuidade do golpe que depôs a Presidenta Dilma Rousseff. Dizemos ao lado de todo o povo: não à prisão de Lula, prisão sem crime é anticonstitucional.”, diz o documento divulgado pelas entidades LGBTIQ+.
Leia na íntegra a Carta da Plenária LGBTQI ao Fórum Social Mundial 2018:
“Sem LGBTQIfobia e qualquer outra opressão, outro mundo é possível!
Nós, travestis, transexuais, lésbicas, gays, bissexuais e intersexos, temos participado do Fórum Social Mundial desde sua primeira edição em Porto Alegre, em 2001. Sabemos que a luta contra as discriminações por identidade de gênero e de orientação sexual é parte da luta contra as opressões e não terá êxito se não estiver inserida diariamente nas lutas contra os machismos, os racismos, as xenofobias e todas as formas correlatas de intolerância, e pela superação da dominação da humanidade pelo mercado e pelo capital. Ao mesmo, tempo, os movimentos que lutam pela superação das desigualdades sociais e contra a exploração no mundo do trabalho devem reconhecer a centralidade estratégica de nossas lutas num projeto de emancipação da humanidade.
A resposta das classes dominantes à crise de 2008 é o aprofundamento do projeto neoliberal por todo o planeta, com o agravamento dos ataques aos direitos sociais e a classe trabalhadora. As teses do estado mínimo e dos ajustes fiscais, com cortes de recursos para educação, saúde, cultura, assistência e demais políticas sociais, são outra face desta agressão que implica concretamente em negação de nossos direitos. É um braço do neoliberalismo o fascismo recrudescendo os conservadorismos de todo tipo.
O imperialismo também avança em sua sanha golpista na América Latina e seus governos neoliberais, com raras exceções, adotam medidas anti povo, de redução de direitos sociais e de criminalização dos movimentos sociais, enquanto os movimentos sindicais, sociais e populares tentam organizar a resistência e o enfrentamento a tais ações e em defesa dos povos. E a intervenção federal no RJ é uma das marcas da crescente militarização dos governos neoliberais do continente e deve ser denunciada como um instrumento de extermínio das populações que são descartáveis ao capital como a juventude negra, pobre e das periferias, e população LGBTQI, em especial travestis e transexuais.
Ao lado dos ataques do neoliberalismo o cenário mundial em relação às pessoas LGBTQI, apesar de alguns avanços institucionais localizados, mostra uma preponderância do preconceito e da discriminação. Mais de 70 países criminalizam as pessoas LGBTQI, alguns inclusive com a pena de morte, e é crescente a articulação de setores religiosos conservadores em oposição ao reconhecimento de direitos para o segmento LGBTQI. Um dos instrumentos dos ataques destes setores às demandas LGBTQIs e feministas é o combate à inventada “ideologia de gênero”, sob cujo espantalho tem sido aprovadas normatizações que visam impedir que a educação tenha abordagens voltadas à igualdade de gênero, bem como à diversidade sexual, assim como qualquer avanço de direitos e empoderamento no campo de gênero, o que atinge não só a população Trans, mas todas as mulheres e LGBTQI+.
A Plenária LGBTQI do Fórum Social Mundial considera que uma de nossas principais tarefas neste momento é a defesa da democracia e do estado democrático de direito, pois esta é uma condição até mesmo para a preservação de nossas vidas, já que o aprofundamento dos estados de exceção legitimam assassinatos como os de Santiago Maldonado na Argentina e da companheira Marielle Franco no Brasil. É preciso erguer a voz para denunciar estes assassinatos como afrontas a qualquer possibilidade de vida democrática, bem como proclamar que as tentativas do governo e tribunais golpistas de impedir o ex-Presidente Lula de ser candidato são uma continuidade do golpe que depôs a Presidenta Dilma Rousseff. Dizemos ao lado de todo o povo: não à prisão de Lula, prisão sem crime é anticonstitucional.
Acreditamos que nossas agendas de lutas devem ser norteadas pelo reconhecimento de que como pessoas LGBTQI somos também negras e negros, jovens, da terceira idade, população em situação de rua, encarceradxs, pessoas com deficiência, e outros marcadores sociais que podem ampliar nossos níveis de vulnerabilidade social. E essa condição exige uma defesa firme do direito à saúde integral LGBT, e a denúncia de que a epidemia de HIV/Aids, que continua a avançar principalmente entre a população mais jovem, permanece como uma grave questão de saúde pública e social, com desafios exacerbados pelos desmontes das políticas públicas de saúde e de atenção às pessoas vivendo com HIV, e em relação aos quais precisamos resistir.
Os movimentos LGBTQI defendem as plataformas de reconhecimento legislativo de seus direitos em todo o mundo, e da mesma forma como temos proclamado que homossexualidade não é “doença” para ser “curada”, exigimos em todo o mundo a despatologização das identidades trans, pois o que deve prevalecer neste direito à identidade é a auto declaração.
Indicamos a todas as pessoas LGBTQI nos países que viverão processos eleitorais, que busquem a construção de plataformas e candidaturas LGBTQIs efetivamente comprometidas com nossas bandeiras de luta.
Reivindicamos junto à organização do Fórum Social Mundial nosso reconhecimento como movimento social efetivamente comprometido com estas bandeiras de um novo mundo. Para isso, estamos constituindo um Grupo de Trabalho LGBTQI do FSM, a partir das redes e organizações que convocaram nossa Plenária e demais participantes, e desejamos intensificar e formalizar esta participação. E reafirmamos a consigna desde 2001: sem LGBTQIfobia e qualquer outra opressão, outro mundo é possível!
É preciso lutar, resistir, criar, TransFormar para defender a soberania e a liberdade dos povos e principalmente o planeta e a vida com dignidade para todas todos sem qualquer discriminação ou violação de direitos.
Observação: esta Carta é subscrita pelas redes e organizações que convocaram a Plenária LGBTQI do FSM, bem como as pessoas que dela participaram.
ABGLT, ABL, ANTRA, ARTGAY, ART JOVEM LGBT, CANDACES, FONATRANS, FÓRUM NACIONAL DA JUVENTUDE NEGRA, LBL, REDE DE NEGRAS E NEGROS LGBT, REDE SAPATÁ, REDE TRANS, RNP+ E UNALGBT”
Redação Gestos