Periferia dá o tom: Não vai ter golpe ou luto. Vai ter luta!

Periféricos, militantes e cidadãos brasileiros de periferias de todo o país deram o tom e entraram de cabeça, com críticas ao governo, mas demarcando que não aceitarão golpe contra a democracia ou retrocessos “pela quebra da legalidade em favor de uma parcela abonada da população, por interesses privados”. Resgatando a memória de que, mesmo antes de qualquer partido político, sempre estiveram nas lutas por demandas sociais básicas como direito a alimentação, saneamento e educação, relembraram suas históricas lutas por mínimo direito a voz na política, e que não aceitarão a criminalização de suas lutas. O manifesto também renega as políticas do atual governo que deixaria apenas “migalhas” para o povo das periferias, apesar de reiterar serem contrários ao “ódio fascista” alimentado contra os movimentos e lutas sociais.

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A carta foi publicada nesta quarta-feira (23) e está acessível para os coletivos, associações de moradores e moradoras ou indivíduas(os) que quiserem assinar. Leia na íntegra e entenda o que favelas e quebradas de todo o país, afirmando “que também nos negamos a caminhar lado a lado de quem representa a Casa Grande”, afirmaram em nota.

MANIFESTO #PERIFERIASCONTRAOGOLPE
#PeriferiasContraOGolpe

Cidadã(o) individual ou grupo/coletivo, assine o manifesto AQUI: http://migre.me/tjAH9

“Periferias, vielas, cortiços… Você deve estar pensando o que você tem a ver com isso”

Nós, moradoras e moradoras das periferias, que nunca dormimos enquanto o gigante acordava, estamos aqui pra mandar um salve bem sonoro aos fascistas: somos contra mais um golpe que está em curso e que nos atinge diretamente!

Nós, que não defendemos e continuamos apontando as contradições do governo petista, que nos concedeu apenas migalhas enquanto se aliou com quem nos explora. Nós, que também nos negamos a caminhar lado a lado de quem representa a Casa Grande.

Nós, periféricas e periféricos, que estamos na luta não é de hoje.
Nós, que somos descendentes de Dandara e Zumbi, sobreviventes do massacre de nossos antepassados negros e indígenas, filhas e filhos do Nordeste, das mãos que construíram as grandes metrópoles e criaram os filhos dos senhores.

Nós, que estamos à margem da margem dos direitos sociais: educação, moradia, cultura, saúde.

Nós, que integramos movimentos sociais antes mesmo do nascimento de qualquer partido político na luta pelo básico: luz instalada, água encanada, rua asfaltada e criança matriculada na escola.

Nós, que enchemos laje em mutirão pra garantir nosso teto e conquistar um pedaço de chão, sem acesso à terra tomada por latifundiários e especuladores.

Nós, que sacolejamos por três, quatro horas por dia, espremidos no vagão, busão, lotação, enfrentando grandes distâncias entre nossas casas aos centros econômicos, aos centros de lazer, aos centros do mundo. Nós, que resistimos a cada dia com a arte da gambiarra – criatividade e solidariedade. Nós, que fazemos teatro na represa, cinema na garagem e poesia no ponto de ônibus.

Nós, que adoecemos e padecemos nos prontos-socorros e hospitais sem maca, médico, nem remédio.

Nós, que fortalecemos nossa fé em dias melhores com os irmãos na missa, no culto, no terreiro, com ou sem deus no coração, coerentes na nossa caminhança.

Nós, domésticas, agora com carteira assinada. Nós, camelôs e marreteiros, que trabalhamos sol a sol para tirar nosso sustento. Nós, trabalhadoras e trabalhadores, que continuamos com os mais baixos salários e sentimos na pele a crise econômica, o desemprego e a inflação.

Nós, que entramos nas universidades nos últimos anos, com pé na porta, cabeça erguida, orgulho no peito e perspectivas no horizonte.

Nós, que ocupamos nossas escolas sem merenda nem estrutura para ensinar e aprender. Nós, professoras e professores, que acreditamos na educação pública e não nos calamos e falamos sim de gênero, sexualidade, história africana e história indígena – ainda que tentem nos impedir.

Nós, que somos apontados como problema da sociedade, presas e presos aos 18, 16, 12 anos, como querem os deputados.

Nós, cujos direitos continuam sendo violados pelo Estado, levamos tapa do bandeirante fardado, condenados sem ser julgados, encarcerados, esquecidos, quando não assassinados – e ainda dizem: “menos um bandido”.

Nós, mulheres pretas da mais barata carne do mercado, que sofremos a violência doméstica, trabalhista, obstétrica e judicial, e choramos por filhos e filhas tombados pelo agente do Estado.

Nós, gays, lésbicas, bissexuais, travestis, homens e mulheres trans, que enfrentamos a a violência e invisibilidade, e não aceitamos que nos coloquem de volta no armário.

Nós, que não aceitamos nossa história contada por uma mídia que não nos representa e lutamos pelo direito à comunicação. Nós, que estamos construindo, com nossa voz, as próprias narrativas: poesia falada, cantada, escrita.

Nós, que sempre estivemos nas ruas, nas redes, nas Câmaras, na cola dos politiqueiros de plantão e que agora somos taxados de terroristas por causa de nossas lutas. Nós, que aprendemos a fazer até leis para continuar lutando por nossos direitos. Nós, que garantimos a duras penas o mínimo de escuta em espaços de poder, não aceitamos dar nem um passo atrás.

Nós, que somos de várias periferias, nos manifestamos contra o golpe contra o atual governo federal promovido por políticos conservadores, empresários sem compromisso com o povo e uma mídia manipuladora.

Não compactuamos com quem vai às ruas com um discurso de ódio, fascista, argumentando o justo “combate à corrupção” mas motivado por interesses privados. Não compactuamos com quem defende a quebra da legalidade para beneficiar a parcela abonada da população, em troca do enfraquecimento do Estado Democrático de Direito pelo qual nós dos movimentos sociais periféricos lutamos ontem, hoje e continuaremos lutando amanhã.

Nós, que sabemos que a democracia real será efetiva apenas com a ampliação de direitos e conquistas de nosso povo preto, periférico e pobre, a partir da esquerda e de baixo pra cima.

Nós, que conquistamos só uma parte do que sonhamos e temos direito, não admitimos retrocesso. Reivindicar o respeito à soberania das urnas e a manutenção do Estado Democrático de Direito. Reivindicamos as ruas enquanto espaço de diálogo e debate, mas nunca como território do ódio. Reivindicamos nossa liberdade de expressão, seja ela ideológica, política ou religiosa. Reivindicamos o avanço das políticas públicos, dos direitos civis e sociais.

Não vai ter golpe. Não vai ter luto. Haverá luta!

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