Funcionários do governo israelense afirmaram à imprensa que o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu retirará a indicação de Dani Dayan para assumir o cargo de embaixador no Brasil. A informação, contudo, não é oficial, como informou a assessoria internacional da Presidência da República.
Até então, Israel vinha assumindo a postura arrogante que lhe é peculiar. Diante dessa pressão, chamou a atenção o desconhecimento da história de alguns defensores da nomeação.
Exemplar nesse sentido é o artigo assinado pelo senador Marcelo Crivella (PRB-RJ), pelo presidente nacional de seu partido, Marcos Pereira, e do PSB, Carlos Siqueira. Intitulado “Recusar embaixador de Israel não é solução”, o texto publicado na Folha de S. Paulo no dia 5 de janeiro último reúne inverdades e deturpações.
O artigo insinua que qualquer ação por parte de Israel deve ser legitimada, já que esse é “moderno e democrático”, ante “vizinhos hostis”, alheios a esses valores. Sob essa lógica, o Brasil deveria – contra sua posição em relação à questão palestina – acatar a nomeação por Israel de Dani Dayan, ex-presidente e atual chefe de relações internacionais do Conselho Yeshua – que representa os 500 mil colonos que vivem em assentamentos ilegais nos territórios palestinos ocupados. Isso é reconhecido pela própria Organização das Nações Unidas, a qual os autores não hesitam em citar.
Por exemplo, referem-se ao fato de a “histórica reunião da ONU que criou o Estado de Israel” ter sido presidida pelo brasileiro Oswaldo Aranha para afirmar os “laços profundos” que precisam ser preservados. Crivella, Pereira e Siqueira, todavia, não indicam as consequências da partilha da Palestina recomendada pela referida Assembleia Geral das Nações Unidas na Resolução 181. O historiador israelense Ilan Pappe ensina, em seu livro “La limpeza étnica de Palestina”: “Na realidade, o mapa elaborado pela ONU era uma receita garantida para a tragédia que começou a desenvolver-se um dia depois da adoção da Resolução 181. Como os teóricos da limpeza étnica reconheceram mais tarde, quando se adota uma ideologia de exclusividade em uma realidade étnica muito carregada, só há um resultado possível: a limpeza étnica.” De fato, foram expulsos a partir de então aproximadamente 800 mil palestinos de suas terras e destruídas cerca de 500 aldeias onde viviam. Hoje somam-se cerca de 5 milhões desses refugiados somente no mundo árabe.
Consolidava-se assim o projeto sionista de criação de um estado homogêneo, exclusivamente judeu, na Palestina. Projeto esse que, ao arrepio do direito internacional, continua a expandir-se e tem em Dayan um forte defensor da principal política na atualidade para tanto: a continuidade dos assentamentos.
Rejeita-se a história e revisita-se, em seu lugar, o que o intelectual palestino Edward Said (1935-2003) desnuda em sua obra “Orientalismo – A invenção do Oriente pelo Ocidente”: uma representação do mundo que contrapõe os chamados “ocidentais” como civilizados e os “orientais” como uma massa uniforme de povos bárbaros, afeitos à violência por natureza, que não podem se autogovernar, devem ser temidos e, portanto, controlados. Em “A questão da Palestina”, Said destaca que o sionismo extraiu sua visão de preconceitos “ocidentais” em relação aos ditos “orientais” – entre os quais os palestinos – e os desumanizou. Crivella e coautores incorporam essa concepção para justificar a ocupação e colonização de territórios palestinos – e, portanto, defender a indicação de Dani Dayan.
Não obstante a lógica invertida, num ponto, eles têm razão: recusar essa nomeação não é solução, embora seja coerente e importante medida. A solução passa por desmantelar os assentamentos ilegais na Cisjordânia – dos quais Dayan não só é porta-voz, como mora em um deles –, dando fim à ocupação. Exige ainda garantir os direitos humanos fundamentais aos palestinos, à igualdade e ao legítimo retorno às suas terras, de onde vêm sendo expulsos há mais de 67 anos. Demandas defendidas pela campanha de boicote, desinvestimento e sanções (BDS) a Israel, a que a sociedade civil brasileira se soma.
Em reportagem no dia 9 de janeiro, na qual a Folha de S. Paulo informa que haveria a sinalização de retirada por Israel da indicação de Dayan, o jornal aponta que, em troca, o governo brasileiro se comprometeria a condenar boicotes a Israel. O Brasil precisa justamente fazer o contrário. Dar novos passos para que se faça justiça, promovendo a ruptura imediata e sem pré-condições dos acordos comerciais e militares com Israel. A que esse caminho se sedimente, é fundamental o reconhecimento da história.
12 de janeiro de 2016 - 17:05