Uma Ucrânia remexida em suas raízes

A alternância de poder, durante os séculos marcou de forma definitiva sua população. O jogo geopolítico do poder ditou novas regras cada vez mais implacáveis. Aquela terra de abundância em recursos naturais interessou muito ao regime bolchevique posteriormente ao bloco Ocidental. Nesta zona de instabilidade, durante muitas décadas, centenas de milhares de pessoas perderam suas vidas, muitas por passarem fome, devido a uma visão distorcida que apregoava o atendimento à coletividade a qualquer custo, incluindo a privação à alimentação àqueles que eram contra o regime. A Alemanha nazista incrementou esse estado de calamidade em décadas passadas e a Guerra Fria instaurou mais um momento difícil para os ucranianos. A luta da população ucraniana para preservar sua cultura, seu idioma e sua independência foi uma constante.

Nesse traçado histórico, a Segunda Guerra Mundial instalou mais um momento de dor e demonstrou a resiliência desse povo. O que restava fazer? Fugir para garantir a vida. Horas, dias e meses. Quilômetros por terra, por países e por mar. O Brasil, na América do Sul, foi um dos destinos de milhares de refugiados, pois estava bem longe deste conflito. Mas os primeiros imigrantes vieram para cá já em 1891. Mas como não ter sequelas, depois de tanto esforço e privações?

A violência por meio de bombas e privação à alimentação já havia dizimado muitas famílias ucranianas. Além disso, muitos haviam perdido a sanidade e ficado com um vazio nunca mais preenchido. Fome, morte, medo e uma luta tão desigual, em que, por muitas vezes, só um lado tinha todas as armas. Longe de ser um conto ficcional, isso existiu e mexeu com a vida de muitos habitantes do país, incluindo meus ancestrais.

A história ucraniana é marcada por vários momentos de opressão, durante os séculos. O país sofreu a invasão dos mongóis, dos lituanos, dos rutênios, dos poloneses, dos tártaros russos, do regime comunista e dos nazistas, … Já em 1922 foi invadida pela Rússia e anexada à ex – URSS. Segundo historiadores, nos anos 30, mais de sete milhões de pessoas morreram de fome, durante o período stalinista. É uma perda, do ponto de vista dos direitos humanos, incalculável. Havia bloqueio de suprimentos à população, que padeceu no isolamento.

Já nos anos 40, sofreu mais um grande golpe. O nazismo traz mais um cenário catastrófico àquele país. Após o ano de 1946, se sucedeu outro longo período de fome. É difícil imaginar o que todas essas pessoas passaram, mas dá para compreender o momento de revolta que marca até hoje as novas gerações, sendo que grande parte quer a abertura de mercado com o Ocidente, principalmente na capital Kiev e ao oeste do país. Os confrontos já resultaram em mais de 700 feridos e cerca de 100 mortos. Na Crimeia (com população predominantemente russa) há uma mobilização para a separação da Ucrânia.

O que se observa é que dentro da própria Ucrânia, se instalou a polaridade do jogo geopolítico internacional. Durante o período da Guerra Fria, entre URSS e EUA (1945-1991), foram instalados pela URSS mais gulags siberianos (campos de concentração comunistas), onde se estima que cerca de 20% das vítimas eram ucranianas. Esses locais começaram a ser criados em 1917 para abrigar os considerados “inimigos” do Estado e os considerados criminosos. Mais um golpe sobre parte da população ucraniana e para boa parte do mundo ocorreu em 1986, com o desastre nuclear de Chernobyl. Este documentário da Discovery Channel conta esse triste episódio que marca até hoje o planeta: http://www.youtube.com/watch?v=Ly7XEhH6rsA.

O Século XXI chega e a roda da história parece insistir em retomar esse capítulo cruel, de tempos em tempos, em diferentes proporções. Novamente parte desse povo sofre a pressão da roupagem opressora que veio com a Guerra Fria, entre a extinta URSS e os EUA. Ou melhor, vem de muito mais longe. A Rússia quer retomar seu poder. Não é mais Stálin ou Lênin. Nos últimos quinze anos, Vladimir Putin combate a hegemonia da Europa Ocidental e dos EUA. A Crimeia é um elo que não pode perder, onde tem o alicerce da colonização russa e onde o presidente russo decidiu instalar suas tropas, causando um mal-estar diplomático. Mas para ele, isso não é suficiente. Toda a Ucrânia é necessária nesse jogo de liderança. O binômio petróleo e agricultura volta à tona. Por sua vez, o Ocidente também não quer permitir que as conquistas e a hegemonia sejam abaladas e a zona de instabilidade e os ranços se reacendem.

Mais de 45 milhões de pessoas vivem hoje na Ucrânia (sendo cerca de 75% ucraniana e 22% russa) e os protestos acirrados, desde o mês de fevereiro deste ano, desenham um momento crítico naquele país, cujo parlamento destituiu o presidente Victor Yanukovich e que tem como líder interino, Oleksander Turchynov.

Desde 1991, quando foi eleito o primeiro presidente da Ucrânia, essa linha tênue entre o Ocidente e Oriente divide o país. Em dezembro de 2004, o povo foi às ruas na Revolução Laranja, contra a eleição fraudada de Yanukovich (pró-Rússia), que viria a assumir o poder na eleição de 2010.

Hoje a Ucrânia tem três partidos de oposição: o Movimento Udar, o Fatherland e o Oleh Tyahnybo. A ex-premiê, Yulia Tymoshenko, que está presa, foi libertada e se soma a esse novo quadro político.

O país mantém atualmente relações econômicas com mais de 100 países e também é reconhecida por outra peculiaridade; por sua indústria de foguetes lançadores espaciais, de aviões de carga, como também dos ramos da metalmecânica e alimentício.

O que a história demonstra é que há um “fantasma” da luta pelo poder hegemônico que ronda o país e que os governantes da Rússia, dos EUA, as organizações nacionais e internacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU), a União Europeia e a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) precisam recobrar a memória do que os erros históricos em nome da coletividade, durante séculos, já ocasionaram para que os mesmos não se repitam. Uma nova eleição à vista na Ucrânia é um ponto de interrogação na contemporaneidade e o que se discute é que o processo seja legitimado pela vontade da população e que não seja abalada a soberania do país e consequentemente se promova uma crise internacional mundial.
*Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk

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