Foi há pouco mais de um século, em 1910, que a primeira conferência internacional de mulheres, em Copenhague, dirigida pela Internacional Socialista, aprovou a proposta da alemã Clara Zetkin, de instituir um dia internacional da Mulher, então sem data definida. Tanto que, em 2011, o Dia Internacional da Mulher foi celebrado em 19 de Março na Áustria, Dinamarca, Alemanha e Suíça.
A conferência ocorreu dois anos depois de um primeiro Dia da Mulher ser festejado no outro lado do oceano, em Nova York, em 3 de maio de 1908, parte dos protestos dos trabalhadores da indústria textil. A oficialização de uma data das mulheres pelo Partido Socialista americano teria sido um exemplo para Clara Zelkin na Internacional Socialista.
As origens do 8 de março geralmente são remetidas pelo movimento feminista ao século anterior, marcado, na segunda metade, pelas greves operárias decorrentes da revolução industrial e particularmente pela exploração da mão de obra das mulheres na indústria textil. Um fato sempre reportado é o incêndio em uma fábrica em1857, com a morte de operárias trancafiadas pelos patrões. O episódio dramático nunca foi comprovado, como aponta a jornalista Maira Kubik, na reportagem “Conquistas na luta e no luto” (HIstória Viva), mas é muito parecido com o que de fato ocorreu em 25 de março de 1911 , na indústria Triangle Shirtwaist Company, em Nova York. De 600 pessoas que trabalhavam na fábrica situada nos andares superiores de um prédio , 146 morreram, e entre eles, ” 125 mulheres, que foram queimadas vivas ou se jogaram das janelas”, Ela destaca que mais de 100 mil pessoas participaram do funeral coletivo.
Para a jornaista, o 8 de Março é fruto das mobilizações das mulheres do início do século XX e não exatamente do incêndio. Nessa época, o movimento operário dos países desenvolvidos organizava protestos contra a exploração nas fábricas, inclusive de crianças. Mas, como ela aponta, a igualdade de gênero nunca era pautada. “Por mais que as trabalhadoras argumentassem, sua renda era vista como complementar à do marido ou pai, e um pedido de salários iguais parecia afetar as “exigências gerais”.
No Brasil, 1917 foi ano de uma grande greve por temas trabalhistas que, ao final, influenciou na aprovação de uma lei proíbindo o trabalho noturno para mulheres e o trabalho da gestante durante o último mês de gravidez e o primeiro mês após o parto. Mas o direito ao voto e à participação feminina na vida política institucional só seria conquistada 15 anos depois, em 1932. E mais outros 60 anos seriam necessários até que fosse reconhecida, nos anos 90, a exigência de um mínimo de participação das mulheres nas direções de partidos, candidaturas e sindicatos, o que ainda não é observado pelas entidades e legendas.
O século foi marcado por muitas e diferentes reivindicações e conquistas das mulheres, particularmente de espaço no mercado de trabalho e mais liberdade sexual, mas, considerando a realidade brasileira, ainda não há equiparação salarial com os homens, presença paritária nos cargos decisórios, divisão das tarefas domésticas, respeito às mulheres pela publicidade, nem garantias à saúde integral da mulher nos serviços públicos.
“No Brasil, embora tenhamos uma presidenta e sejamos 51% do eleitorado, ocupamos menos de 10% do senado e menos de 9% na câmara de deputados”, alerta a Marcha Mundial de Mulheres, que atribui essa pequena presença nos espaços de poder e decisão a uma série de problemas como a dupla jornada de trabalho, a insuficiência de políticas públicas como creches, educação infantil em período integral, dentre outras. A falta de financiamento público para campanhas é outro fator que dificulta a participação das mulheres nas disputas eleitorais e também a necessidade de uma reforma política do funcionamento do Estado brasileiro é defendida neste 8 de Março pelas feministas da rede,
Exemplo da exclusão dos interesses das mulheres nos espaços de poder é o fato de que uma das principais reivindicações do movimento feminista, que é descriminalização do aborto, continue considerada um tema tabu, cuja discussão é barrada e por representantes religiosos no Congresso. A máquina pública e seus serviços reproduzem essa lógica da exclusão.
Toda questão relacionada à vida reprodutiva feminina ainda esbarra na inadequação das leis ou dos serviços que deveriam assegurar os direitos já conquistados. No atendimento às parturientes, por exemplo, predomina a imposição da cirurgia cesariana e a aplicação de indutores do parto, extremamente dolorosos, que aceleram as contrações mesmo antes da hora natural do nascimento. Só agora tem início um movimento contra a violência obstétrica, outro tema de luta das mulheres acobertado pela idéia de que ser mãe é padecer no paraiso.
As feministas condenam, por outro lado, a idéia de que a maternidade seja uma obrigação para as mulheres. Em nota divulgada nas mobilizações para o 8 de Março de 2014, a Marcha Mundial das Mulheres denuncia essa imposição social e reafirma a autonomia de decisão feminina sobre o corpo. ” Exigimos o direito de decidir se queremos ou não levar adiante uma gravidez indesejada. Para isto, lutamos pela legalização do aborto, para que seja realizado pelo SUS de forma gratuita e segura”, diz a nota.
Em seu documento, a rede feminista exige ainda que os estados e .municípios apliquem recursos em políticas de enfrentamento a violência contra mulheres e meninas e que o judiciário enfrente o machismo dos juízes e outros profissionais do setor. Também o modelo de segurança deve ser modificado para garantir o efetivo combate à violência contra a mulher, e não servir para criminalizar os movimentos sociais e a pobreza, como acontece hoje.