Um ano de luta contra as catracas

Foto: Gabriela Batista, no Facebook

Há um ano, em 19 de junho de 2013, as tarifas do transporte coletivo em São Paulo, ônibus e metrô, retrocediam em R$ 0,20 e voltavam ao valor cobrado antes dos aumentos decretados pela prefeitura e governo estadual. Era a vitória do Movimento Passe Livre, o MPL, cujos atos culminariam em marchas e manifestações por todo país, que entrariam para a história do Brasil como “os protestos de junho”.

Ontem, aniversário da redução da tarifa em São Paulo, ativistas se reuniram na Praça do Ciclista, no final da Avenida Paulista, marcharam pela Avenida Rebouças e, ao final, tomaram todas as faixas da Marginal Pinheiros, no sentido da Rodovia Castello Branco, na altura da Ponte Eusébio Matoso, para afirmar que “Não vai ter tarifa”, nome do ato comemorativo.

A mobilização continua, um ano depois, por tarifa zero no transporte de São Paulo. E a julgar por outros atos anunciados em diferentes estados, o fim das catracas é uma reivindicação de todo país. Nessa quinta-feira, só pela observação da marcha, dava para perceber um protesto com todo tipo de ativismo, menos o que as redes sociais passaram a chamar de coxinhas com aqueles palavrões mais costumeiros em platéias do heavymetal. No ato pelo transporte, ninguém mandou ninguém tomar no cú.

Alma anarquista, bandeira de esquerda

As alas do MPL juntaram ativistas com catracas de papelão simbolizando a luta pelo transporte. Havia enormes faixas negras com letras brancas garrafais, reafirmando a alma anarquista do passe livre. Lençóis brancos com inscrições vermelhas não deixavam esquecer que o transporte público é bandeira histórica da esquerda; Metroviários demitidos exigiam readmissão, ao passo que grandes cabeças do governador Geraldo Alckimin (com a inscrição Palhaço do Choque) e do prefeito Fernando Hadad ( Palhaço Maldad) recortadas em papel armado, indicavam alvos do protesto. Havia ainda bonecos de pano, erguidos pelo pescoço, com nomes dos donos da mídia no Brasil – tão poucos bonecos! Bastava um pedaço de pau para carregar todos eles. Tudo fazendo lembrar que o tempo também é de eleição e de Copa do Mundo, um negócio que, conforme os gritos dos manifestantes, atendeu ao padrão Fifa com sangue de operário nos estádios.

Pela marcha, circulavam também mascarados com gritos raivosos, especialmente contra a presença presumida de agentes P2 (infiltrados). Mas em vários momentos, os ativistas mais exaltados cuidavam da marcha com gestos gentis. Na hora de pular uma mureta na saída da Rebouças e seguir para a Avenida Marginal, jovens com máscaras de lã com furos nas áreas dos olhos e da boca correram para ajudar pessoas mais velhas e deficientes a fazerem também a travessia.

Acelerando o passo, a quebradeira atrás

Um fato interessante observado nos protestos de São Paulo foi a relação de manifestantes com o risco de quebradeira, após um pedido formal de distanciamento da polícia, feito à corporação. O apelo foi por longo tempo atendido. E a quietude chegou a gerar uma espécie de temor às avessas. “É muito estranho marchar sem ver onde está a polícia”, disse um midialivrista que transmitia a passeata pelo celular, desconfiado. “Da a sensação que vão nos atacar a qualquer momento”.

Uma afirmação que há muito não se ouvia, virou novamente coro na caminhada. “Que coincidência! Não tem polícia, não tem violência”. E durante a marcha, a violência foi mesmo afastada. Até que, no final do percurso, e de um tempo de concentração na Marginal Pinheiros, circulou o aviso de que era hora de marchar de volta. E as coisas mudaram de figura.

Passadas algumas intervenções artísticas, o bloqueio de uma das pistas com sucata já modificava a paisagem. Um sofá velho apareceu não se sabe de onde. Algumas foguerinhas ardiam na área próxima e parecia que, logo mais, o móvel se consumiria em chamas. No meio da multidão saiam fumos de rojão estourados aqui e ali, provocando mais irritação do que medo entre ativistas em rodas de conversa. O aglomerado começou a se deslocar com lentidão, enquanto cresciam avisos para acelerar o passo na dispersão. Em outras palavras: era melhor deixar os black bloc para trás. “Vamos, vamos, acelera!”, apelavam ativistas atentos aos sinais de que a quebradeira estava por vir.

Mas não existe black bloc fora de protesto. E os mascarados aceleraram o passo também. Correram para alcançar alguns dos ícones preferidos, por onde passava a marcha. Nessas horas, vidraças luzindo de bancos 24 horas são alvos desafiadores . “Acelera!!” – a pressão aumentava, ao passar por elas. Mas em pouco tempo, os black bloc já estavam correndo pelas laterais do cordão de gente, com pedras e paus nas mãos, até encontrar, no trajeto para o largo de Pinheiros, a primeira vitrine pronta pra ser quebrada: o Santander. E mais uma: o Itaú.

Uma concessionária de automóveis de luxo na Rebouças também já havia sido alvo das pedradas, e carros de luxo da Mercebez Benz destruídos, além de algumas agências bancárias quebradas. Enquanto isso, igrejas evangélicas próximas do Largo da Batata, em horário de fim de culto, se dividiam entre o impulso de baixar as portas e a curiosidade de ver o final da procissão barulhenta passar. Em alguns minutos, não dava mais para avançar sem proteger os olhos contra os gases de pimenta, lacrimogêneo, de bombas lançadas sobre o enorme pátio atrás da estação Faria Lima do metrô.

Depois do fim da marcha, a culpa é de quem?

O que restava de gente marchando seguiu pelas saídas possíveis e foi sumindo encoberta pela fumaça, para os lados da Rua Sumidouro. Jornalistas equipados com máscaras anti-gás ainda retardaram o passo em busca de flagrantes. A formação das tropas da Polícia Militar emergia mais claramente com a névoa de efeito moral se desfazendo pela área. O interessante era a vigilância sem sentido que a polícia dedicava a quem saia do metrô, como se alguma coisa estivesse apenas para começar, a partir de lá.

Da estação Faria Lima, um ciclista saiu carregando sua bicicleta por vários lances, escadaria acima. Já na porta da rua, foi orientado por um policial a seguir por uma fila à esquerda, super vigiada. Ao ver um corredor de homens fardados do lado de fora, o ciclista abanou a cabeça e recusou a ordem. “Por aí eu não saio não”, disse ao guarda, e carregou sua bike de volta para a estação, escadarias abaixo.

Na manhã de sexta-feira, as imagens das vitrines quebradas na mídia resumiram o acontecido: quebra-quebra em São Paulo. Um jornal chegou a publicar um mapa dos estragos: pedra na igreja aqui, fogo na lixeira ali, agência quebrada acolá. A polícia disse que o vandalismo foi obra o MPL, que afinal foi quem pediu autorização para marchar sem policiamento. Da parte de ativistas entrevistados, a conclusão é mais óbvia: em vez de ouvir o recado da marcha, por um transporte público, gratuito e de qualidade, o Estado, mais uma vez, prefere apenas criminalizar o movimento social.

Leia nota do MPL sobre o Ato em SP

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