O pensar deveria ser ensinado como se ensina a dança, como um tipo de dança. (Nietzsche)
Agora, pensando bem, pensar não acaba nunca. Então, vamos pensar… numa forma, assim, adequada, oportuna, aberta, de certa transcendência, onde ninguém é absolutamente dono do saber, pensar com todos e, principalmente com aqueles que não têm acesso ao pensamento. Gostaria que esta fosse uma colocação primeira, no nosso diálogo: queremos pensar com toda a sociedade, queremos que toda sociedade, comece a saber o que ela não sabe, e discuta e resolva seu caminho, faça sua opção. É isto simplesmente: democracia.
Minha intenção é, como bem disse Paulo Freire: “ver os motivos por trás dos fatos“. Em outras palavras, que critérios e mecanismos de seleção as pessoas utilizam na fabricação dos fatos. Produzir fatos é uma atividade social. Os indivíduos não saem simplesmente por aí por sua conta para voltar com sua própria seleção de fatos. Quando as pessoas fazem isso e não concordamos em aceitar ou partilhar os fatos que nos apresentam como descrição do mundo, elas são consideradas esquizofrênicas, malucas. Se concordamos, ou porque seus fatos se assemelham suficientemente aos nossos, ou porque elas têm opoder de nos obrigar a aceitar seus novos fatos como reais e verdadeiros, então eles passam a integrar nossa realidade compartilhada e sua fabricação passa a fazer parte da atividade produtora de fatos.
O receituário liberal utilizado é fazer dos fatos jornalísticos uma mercadoria. Para isto utilizam-se de técnicas que diversificam as demandas de informações cada vez mais complexas, amplas e especializadas. E a demanda é particularmente maior no que diz respeito à informação do fato político – matéria privilegiada por praticamente todas as redações, que lhe dedicam invariavelmente as primeiras páginas. Mas, mesmo quando é exigido fazer crônica da história do tempo presente, violento e cruel, dificilmente se colocam à altura da responsabilidade histórica, isto é, ao lado da verdade. A tendência é utilizar técnicas sofisticadas de maneira a ampliar o acesso e a atuação dos indivíduos, impondo a lógica do mercado de forma a afastar a população da iniciativa de produzir conteúdos estranhos à lógica-padrão. E isto faz com que o espaço de discussão seja reduzido. Predominando assim as fórmulas rebaixadas de jornalismo, e a abordagem superficial da realidade, que banalizam os fatos. Como diria Ramonet, “ ….os jornais não vendem informações aos cidadãos, mas sim cidadãos a anunciantes “. E tudo na busca do lucro. Para aumentar o número de leitores, a informação hoje em dia é curta, distorcida, patética e elementar. E como é ruim…. o que contribui para a precarização do trabalho jornalístico e consequentemente, para a qualidade da informação.
Jorge Luiz Borges escreveu: “ Queimar livros e erguer fortificações é tarefa comum dos príncipes “. Oescritor argentino acrescenta que todo príncipe quer que a história comece a partir dele. Na era da globalização – de “novo tipo” não se queimam livros. Eles apenas são substituídos. Mais do que suprimir a história, o príncipe de hoje instrui seus jornalistas e intelectuais para que a refaçam de maneira que opresente seja o fim dos tempos. A idéia é passar para o senso-comum que a humanidade chegou ao patamar mais desenvolvido, que a sociedade é esta e que devemos conviver entre ricos e pobres, pois esta é a sociedade ideal.
Vivemos sob uma chuva ininterrupta de imagens; os meios de comunicaçao todo-poderosos nãofazem outra coisa senão transformar o mundo em imagens, multiplicando-o numa fantasmagoria de jogos de espelhos – imagens que em grande parte são destituídas da necessidade interna que deveria caracterizar toda imagem, como forma e como significado, com força de impor-se à atenção, como riqueza de significados possíveis. Grande parte dessa nuvem de imagens se dissolve imediatamente como os sonhos que não deixam traços na memória; o que não se dissolve é uma sensação de estranheza e mal-estar. Mas talvez a inconsistência não esteja somente na linguagem e nas imagens: está no próprio mundo. O vírus ataca a vida das pessoas e a história das nações, torna todas as histórias informes, fortuitas, confusas, sem princípio nem fim. Meu mal-estar advém da perda de forma que constato na vida, à qual procuro opor a única defesa que consigo imaginar: uma idéia da literatura. (Ítalo Calvino)
Assim como o mundo da grande mídia ganhou vida própria e desligada do real de nossas vidas, parece que as instituições também tem um sentido que escapa às necessidades das pessoas concretas. É preciso entender a da relação entre Estado e Sociedade , o modelo francês é o da assimilação das diferenças sociais: não se pode distinguir perante a lei a origem ou cultura, deve-se tratar todos como cidadãos antes de tudo – é o princípio da igualdade política dos cidadãos. O modelo Anglo-saxônico é o da integração das diferenças sociais: antes de tudo existem várias identidades culturais de grupos que devem ser focalizados e tratados separadamente segundo suas diversidades.
Objetivamente, o conceito de sociedade civil se define por um processo de formação política a partir de uma noção de Estado de direitos e exercício da cidadania. São esses os dois pontos que é preciso chamar a atenção. Em síntese, acreditar numa sociedade civil organizada é cobrar a consolidação de um Estado de direitos e a vivência do valor da cidadania para esse fim. Quando uma sociedade tem valores e estruturas que lhe dão sentido, a maioria de seus membros encontra maneiras de integrar-se em comunidades. Os quenão conseguem participar de alguma forma de associação são minoritários e, em geral, isolados em grupos marginais: são considerados doentes, anti-sociais.
A reflexão sobre o conceito de cidadania está intrinsecamente articulada às noções de liberdade e de igualdade e à idéia de que a organização do Estado e da sociedade deve representar e responder ao bem comum, bem como se estruturar a partir da mobilização política dos cidadãos. A igualdade é sempre uma dimensão social, não individual. Ao contrário da liberdade, ela ocorre sempre dentro de um grupo social, ou entre grupos sociais, e não entre indivíduos isoladamente considerados.
Mas o que afinal é a Res-pública? Uma arena de cidadãos guiados por uma vontade geral claramente identificada e plena, ou uma arena de um emaranhado de grupos de interesses em conflitos e sem identidade comum? Em outras palavras, existe a possibilidade de alguma igualdade política sobre tamanhas desigualdades socias e diferenças culturais? Qual é afinal o substrato de uma Nação: é o pertencimento a uma sociedade una organizada por um Estado forte e universal, ou é a explicitação dos conflitos de classe ou étnicos refletidos num Estado fragmentado e compensatório? Por suposto, a história e a razão serviram à pretensão de transformar os valores da burguesia liberal em valores de todo povo, sendo assim neutros e universais.
“O primeiro homem que inventou de cercar uma parcela de terra e dizer ‘isto é meu’, e encontrou gente suficientemente ingênua para acreditar nisso, foi o autêntico fundador da sociedade civil. De quantos crimes, guerras, assassínios, desgraças e horrores teria livrado a humanidade se aquele, arrancando as cercas, tivesse gritado: Não, impostor!” (Jean-Jacques Rousseau)
O capitalismo promove tamanha inversão de valores em nossa consciência, que defeitos qualificados pelo cristianismo de “pecados capitais” são tidos como virtudes: a avareza, o orgulho, a luxúria, a inveja, a cobiça…
Compartilho com voces o pensamento de que as tranformações são possíveis e acessiveis. Mas nada fáceis. A autonomia que as pessoas podem ter e que é tranformadora, assusta. Toda nossa educação, cultura e comunicação é baseada no fato de que somos ou devemos nos comportar como gado. Existe omedo até de pensar diferente. Mas eu também, assim como voces, creio que estamos caminhando para uma sociedade diferente, que ainda não sabemos bem…
Querem uma teoria sobre o Brasil? Pois aprendam a arte de observar os pés da multidão: cada sapato é uma premissa, cada pé descalço é uma questão.(Paulinho Assunção)