Um trabalho escolar feito por estudantes de ensino Médio da Escola Estadual Aggeo, de Sorocaba, no interior paulista, irritou a Polícia Militar do Estado de São Paulo. A pesquisa foi feita para a disciplina de filosofia e teve como ponto de partida, o livro “Vigiar e Punir” de Michel Foucault, livro que é tido como referência para a reflexão sobre os sistemas punitivos, educativos e de saúde nas sociedades contemporâneas.
Dois estudantes aproveitaram a leitura para discutir a violência policial, montaram um painel que, junto com outros trabalhos, foi parar no mural da escola. Para ilustrar o tema, usaram uma charge em que um soldado da Rota, ou as Rondas Ostensivas Tobias Aguiar, a tropa de elite de São Paulo, é desenhado com uma caveira no lugar do rosto, carregando nas mãos uma pessoa morta no lugar de uma medalha. A ilustração é do cartunista Carlos Latuff.
O trabalho foi fotografado por alguém que teve acesso ao pátio da escola, foi compartilhado nas redes sociais e provocou a reação oficial da Polícia Militar: “Uma tenente e dois soldados foram até a unidade escolar para exigir que os trabalhos fixados no mural fossem retirados. A justificativa era que o trabalho, segundo a PM, não contemplava a visão da polícia”, conta Magda Souza, coordenadora da regional Sorocaba do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo. “Isso é um ato de censura”, completa.
Além da visita à escola, a Polícia Militar do Estado de São Paulo também divulgou uma nota de repúdio que circula pelas redes acompanhada da imagem do painel dos estudantes. O texto, assinado pelo Centro de Comunicação Social da PMESP, diz que o trabalho é discriminatório, que alimenta o ódio e questiona a qualidade do professor de filosofia, a quem chama de infeliz. A nota é ilustrada com a fotografia do trabalho onde é possível ler os nomes completos dos adolescentes responsáveis pela pesquisa. Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente, a identificação de crianças e adolescentes em veículos de comunicação é proibida. A nota também traz o nome completo do professor de filosofia.
“Essa publicização do trabalho levou toda a escola a receber xingamentos, a direção, os professores e os alunos. Por conta dessa exposição e das ameaças que as crianças começaram a sentir, a direção achou melhor retirar os trabalhos do mural”, explica Magda. O professor de filosofia, que não quer falar com a imprensa, chegou a mudar o número do telefone com medo das mensagens de violência que passou a receber. Magda ainda conta que além das intimidações via redes sociais, também foi possível notar uma vigilância mais frequente por parte da Ronda Escolar nas imediações da escola: “rondas escolares que só passam uma vez em frente à escola, começaram a aparecer mais constantemente. Toda hora ficava circulando na rua da escola”, explica.
A medida da PM causou indignação entre professores, alunos e entidades ligadas a educação e direitos humanos que iniciaram uma campanha na internet “Somos Todos Aggeo” e que já conta com mais de 600 mil curtidas. Uma das adesões foi do próprio Carlos Latuff que produziu uma nova charge ironizando a posição da PM frente ao trabalho escolar (no alto)
Para Hugo Batalha, Coordenador da Comissão de Direitos Humanos da OAB – Sorocaba, o posicionamento da Polícia Militar em relação o trabalho, além de lembrar histórias do tempo da ditadura militar, também é emblemático: “quando a gente fala de violação dos direitos humanos pelas forças policiais, a primeira resposta é de que são ações isoladas e que os casos serão punidos. É uma resposta padrão. Nesse caso, a atuação da PM mostra que existe uma violência institucional e revela muito claramente o perfil autoritário corporação. É uma linha de comando da instituição e não de indivíduos”.
Na quarta-feira, a Assembleia Legislativa do Estado aprovou o requerimento do Deputado Raul Marcelo (PSOL) que pede esclarecimentos à Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo. Para a próxima segunda-feira está previsto um ato em frente ao núcleo da Universidade Federal de São Carlos, em Sorocaba e a Assembleia dos Deputados do Estado de São Paulo enviou um requerimento à Secretaria de Segurança Pública do Estado pedindo esclarecimentos sobre o caso.
A Polícia Militar foi contatada, mas não deu respondeu aos questionamentos da reportagem.