E tudo começa em maio de 2000, na Vila das Aves, em Negrelos, Portugal, quando o desejo se tornou realidade. Um dia para nunca mais ser esquecido. Sensação que o psicanalista, pedagogo e escritor mineiro teve e transmitiu aos seus leitores ao conhecer a Escola da Ponte. Ele ficou ‘apaixonado’ pelo que vivenciou ao se deparar com a quebra prática de paradigmas dos conceitos herméticos de educação, em uma instituição pública criada nos anos 70, sem o modelo hierárquico, em que os protagonistas são os alunos de educação básica, e que sobrevive ao modelo tradicional.
A experiência resultou em cinco crônicas que Alves publicou primeiramente no Correio Popular de Campinas, que depois compuseram a sua obra ‘A Escola com que Sempre Sonhei sem Imaginar que Pudesse Existir’, pela Papirus Editora, em 2012, que chega agora à sua 13ª edição. São textos que emocionam por traduzir como um homem da academia consegue se despir de todos os seus títulos e reconhecer na simplicidade a forma mais refinada do universo educacional. No alto de sua maturidade, se dedicou a escrever e conviver com os pequenos. “A velhice me abriu os olhos…Crianças têm um olhar encantado…Seus olhos são dotados daquela qualidade que, para os gregos, era o início do pensamento: a capacidade de se assombrar com o banal…”, dizia.
Para encontrar sentido em sua fala, há mais um trecho de sua obra, que é bem ilustrativo neste sentido, quando diz – “…Gente de boa memória jamais entenderá aquela escola. Para entender é preciso esquecer quase tudo o que sabemos. A sabedoria precisa de esquecimento. Esquecer é livrar-se dos jeitos de ser que se sedimentaram em nós, e que nos levam a crer que as coisas têm de ser to jeito que são. Não. Não é preciso que as coisas continuem a ser do jeito como sempre foram…”.
O livro ainda tem textos de Ademar Ferreira dos Santos (educador da Escola da Ponte), do jornalista Fernando Alves, de Pedro Barbas Albuquerque e de José Pacheco, um dos precursores da instituição, além do Centro de Formação Camilo Castelo Branco, localizado na Vila Nova de Famalicão, em Portugal. Os relatos contribuem para a compreensão dos princípios que regem essa forma arrojada de enxergar o propósito da educação.
Rubem Alves definiu o que presenciou e ouviu na Escola da Ponte como um momento de ‘iluminação’, que segundo ele, ocorre quando acontece o lapsus (a queda, segundo a psicanálise), uma fratura no discurso lógico.
Isso se deu ao ouvir de uma criança, com autonomia, a apresentação da escola e que com desenvoltura e com uma clareza desconcertante responder às suas perguntas. Em salas amplas, o educador avistou a multiplicidade de alunos ‘pequenos’ e grandes’ (incluindo colegas com síndrome de down) compartilhando um mesmo espaço, que não seguiam um conteúdo curricular produzido e regras de convivências pelos adultos, mas por eles mesmos. O desprendimento era tanto, que no quadro de avisos, as crianças se sentiam à vontade para colocar seus nomes quando tinham necessidade de ajuda em dado tema e no outro, se dispondo a ajudar.
Vários professores convivem com os estudantes em um único espaço, na Escola da Ponte. Lá não existe a figura de um único educador para cada disciplina. Pode-se se dizer que as mesmas se mesclam e são construídas pela leitura dos alunos constituída do prazer que têm por aprender ângulos dos temas de conhecimento que os tocam, a partir das próprias experiências e pesquisas. Rubem Alves faz a seguinte observação sobre este modelo de transversalidade – “…que a ciência que se aprende a partir da vida, não é jamais esquecida”. E após ler o seu relato e conhecer um pouco mais sobre essa unidade de ensino portuguesa, que já tem adeptos em vários lugares do mundo, inclusive no Brasil, é possível compreender como é possível fazer releituras importantes que cheguem mais próximo do que é uma educação cidadã e democrática.
*Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk