Segundo o Diagnóstico sobre Catadores de Resíduos Sólidos, publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), no ano passado, atualmente trabalham no Brasil, 400 mil catadores, e esse número sobe para 1,4 milhão, quando há a soma dos membros das famílias. A maior parcela dos catadores é formada por homens jovens, negros ou pardos, com baixa escolaridade e com renda média mensal de R$ 571,56 e 10%, de todo o contingente, são organizados em cooperativas. Neste universo, 4,5% do total destes trabalhadores estão abaixo da linha da pobreza e a situação mais vulnerável é observada no Nordeste.
Hoje a categoria recicla 504 toneladas/ano, mas o potencial de reciclagem é bem maior, de 14.487 ton/ano, de acordo com o levantamento. Por causa dessa defasagem são desperdiçados R$ 8 bilhões ao ano.
Parte desses dados reflete que ainda há um longo caminho para o cumprimento da PNRS. A legislação estabelece que haja a integração dos catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis nas ações que envolvam a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos, como também o incentivo à criação e ao desenvolvimento de cooperativas ou de outras formas de associação de catadores.
Em outro ângulo, há metas para a eliminação e recuperação de lixões, associadas à inclusão social e à emancipação econômica de catadores. Neste quesito, o Brasil ainda está bem deficitário (leia aqui no blog, O Brasil dos lixões sobre o qual ninguém gosta de falar). Outra meta ainda distante do cumprimento é a da inserção das cooperativas na implementação da coleta seletiva nos municípios. Estima-se que a cobertura não chegue a 5%.
Na avaliação do catador Júnior, entre os maiores desafios enfrentados pela categoria atualmente, estão o da conquista da ampliação de acesso à qualificação profissional e de extinção da permanência ainda significativa da figura dos atravessadores. Projetos polêmicos do ponto de vista socioambiental e de geração de renda aos catadores, como os da instalação de incineradores na região do ABCDMRR, são discutidas atualmente pelo movimento com apoio de entidades socioambientais.
Segundo o cientista social e doutor em Sociologia Pedro Jacobi, docente do Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental da Universidade de São Paulo (Procam/USP), que também compôs a mesa, as políticas de incineração não podem omitir a questão dos riscos ambientais e à saúde. “Existe o direito fundamental de precaução”, alertou.
Júnior considera importante destacar ainda que até hoje há forte presença feminina no segmento, o que exige ações mais direcionadas do poder público e da própria sociedade. Na própria Coopercata, onde atua, dos 32 integrantes, 25 são do sexo feminino. No diagnóstico publicado pelo IPEA, as mulheres representam 31,1% do total de brasileiros que se declararam ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) catadores de resíduos. O estado que apresentou maior percentual foi o do Amazonas, com 40%.
O catador expôs que mais um ponto a ser amplamente debatido é da mobilização para o incentivo à autonomia dos catadores. “Queremos ampliar a nossa formação em economia solidária, o que já desenvolvemos na prática. Também precisamos que seja respeitado o modelo de autogestão das cooperativas e haja a desburocratização (para que consigam cumprir regras nos contratos de prestação de serviços)”, afirmou Júnior. O catador reforçou ainda a necessidade da manutenção da educação ambiental, tendo o catador como agente ativo neste processo, e que esta também tenha enfoque na conscientização dos cidadãos com relação à separação correta dos resíduos a partir do ambiente doméstico.
Jacobi lembrou que a PNRS trata da responsabilidade compartilhada “Hoje nenhum de nós sabe o que paga referente ao lixo no Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e não se sente responsável”, avaliou.
O engenheiro civil e Mestre em Engenharia Hidráulica Sanitária, Mario Russo, que coordena o Instituto Politécnico de Viana de Castelo, em Portugal, trouxe informações ao debate, em escala mundial. Ele explicou que a exposição de catadores a materiais perigosos é mais um aspecto relevante a ser considerado. “Ainda há lixões e exposições a materiais perigosos, com características explosivas, oxidantes, inflamáveis, tóxicas e carcinogênicas, como também com componentes patológicos, que podem estar presentes em fezes de gatos e cães. E essa contaminação pode atingir, inclusive, quem vive nas proximidades destes resíduos”.
Veja também outros artigos que escrevi sobre o tema resíduos sólidos, no blog:
07/08/2014 – Resíduos sólidos: Portugal acabou com os seus lixões e optou pelo modelo consorciado
06/08/2014 – Resíduos sólidos: os desafios da região do ABCDMRR
01/08/2014 – O Brasil dos lixões sobre o qual ninguém gosta de falar
09/01/2013 -#Reflexão: Ir além do morde e assopra nas políticas socioambientais
10/04/2012 – E a educomunicação ambiental nas políticas públicas brasileiras?
22/03/2012 – Resíduos sólidos: Projeto mapeia aterros sanitários necessários no país
25/11/2011 – Reflexão: Audiência pública nacional sobre o Plano de Resíduos Sólidos
28/10/2011 – Por dentro do saneamento básico
30/07/2011 – Estamira partiu e deixou seu legado
15/05/2011 – Nós e a responsabilidade compartilhada s/o consumo e destinação do lixo eletrônico
26/04/2011 – A “sociedade do lixo”: 60.868.080 toneladas só em 2010
08/01/2011 – Personagens do Brasil: vozes da Várzea do Amazonas
02/09/2010 – Adaptação tem de ultrapassar a retórica
15/07/2010 – Reflexões sobre resíduos sólidos
14/06/2009 – Quantas Estamiras há por este Brasil?
*Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk