Quem vota na extrema-direita francesa

No início da semana passada, um político francês sugeriu que um surto do vírus Ebola, como o que enfrenta hoje a Guiné, poderia resolver “em três meses” o “problema” de “excesso” de “imigrantes” na Europa. No domingo (25/05), seu partido saiu como o grande vitorioso francês das eleições para o Parlamento Europeu, multiplicando simplesmente por oito o número de cadeiras que possuía em relação ao pleito anterior.
É impressionante. E assustador. O Front National (FN), de Jean-Marie Le Pen e seu discurso fascista, chegou na frente em 71 de 101 departamentos da França.

O que estaria por trás dessa votação tão alta? Quem são as pessoas que elegeram a extrema-direita e por quê? É apenas um reflexo da crise econômica?

Tais perguntas, que tem assombrado as mentes mais progressistas, são o mote do documentário “Ils ont voté Front National” (“Eles votaram Front National”), de 2013. O registro foi feito após as eleições de 2012, quando Marine Le Pen, filha de Jean-Marie, obteve mais de 6,5 milhões de votos para a Presidência da França.

O filme entrevista pessoas que, pela primeira vez na vida, optaram pela extrema-direita nas urnas e traz alguns dados interessantes. Moradores de redutos historicamente de esquerda e famílias inteiras que haviam participado da campanha de François Mitterrand na década de 1980 contam, diante das câmeras e sem embaraço, que o Partido Socialista não deu respostas a contento para solucionar o desmonte do Estado de Bem-Estar Social e para enfrentar a crise econômica global. A “saída radical” foi, então, votar na extrema-direita.

Mas e o FN, quais propostas teria? “Restringir a imigração”, respondem, indicando que ao menos parte do discurso de Le Pen ecoa.

A xenofobia, por outro lado, parece mais “tímida”. A opinião que prevalece é que Marine Le Pen teria mudado a cara do partido com um discurso mais “moderado” e que, por “ser mulher”, inspiraria mais confiança. Desde que ela assumiu a direção, sentiram-se mais “confortáveis” em votar FN.
A mesma Marine Le Pen, porém, é a que apoiou, no início de 2014, manifestações contra a “teoria do gênero”, algo do que talvez não discordariam os terroristas do Boko Haram que sequestraram centenas de garotas na Nigéria para impedi-las de estudar. E colocou milhares nas ruas de Paris para protestar contra o casamento gay. Nada muito “moderado”, acredito eu.

O pano de fundo registrado pelo filme e que, ao que tudo indica, repete-se nessa eleição, é a incapacidade da Europa de reiventar-se. Em um momento em que o sistema capitalista balança, no lugar de procurar alternativas optam por reaplicar a mesma cartilha econômica e social conservadora que pode rapidamente descambar para experiências totalitárias. Inclusive o Partido Socialista, que disse “entendido o recado das urnas” e enveredou por um caminho anti-imigrantes.

O eleitorado francês fecha suas portas e lava suas mãos como se as riquezas que alimentam seu modo de vida não estivessem sujas de sangue africano, latino-americano ou asiático. E ainda por cima resolve culpar as pessoas que querem receber um pouco do dividendo desse mesmo bem-estar social que ajudaram a construir, sem compreender que o problema da crise é mundial e é encabeçado pela lógica de exploração implementada pelo próprio Ocidente.

O Velho mundo está cada vez mais velho.

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