Liberdade para a Mídia Livre

Enquanto empresas de telecomunicações e copyright tentam controlar o tráfego de dados na rede, a fim de lucrar mais com a circulação de informações e o compartilhamento de bens culturais, corporações digitais são coniventes com programas de espionagem governamentais, como o da Agência de Segurança Nacional dos EUA. A pergunta que fica é: O que os movimentos sociais, ativistas e organizações do terceiro setor fazem entre um protesto e outro para reverter este quadro?

Junho de 2013 foi marcado por uma série de manifestações no Brasil cuja principal característica foi a convocação pelas mídias sociais. Muitas destas convocações foram criadas por pessoas que até então não se davam ao trabalho de assinar petições online para salvar as baleias, mas que por inúmeras motivações, resolveram usar o potencial de mobilização direta da Internet: uma rede aparentemente sem filtros, sem lideranças estabelecidas e sem moderação.

O resultado disto, assim como na Tunísia, México, EUA, Egito e Espanha, foram adesões em massa que refletiram-se em milhares de pessoas nas ruas que, em meio a polifonia de mensagens sintentizaram um recado às autoridades e corporações: Os governos e o mercado não são mais suficientes como mediadores do que as pessoas querem para elas mesmas e para a sociedade.

O grande porém nisso tudo é que as características que fizeram com que a Internet tenha se tornado esta grande ágora digital – como a neutralidade de rede, liberdade de expressão e privacidade – são frágeis e de duração cada vez mais breve.

O conteúdo é livre, mas a ferramenta é proprietária

Felizmente no planeta – e principalmente na rede – existe um número cada vez maior de pessoas debatendo e experimentando outras alternativas de organização e difusão de conhecimento.

Algumas destas pessoas encontraram-se no dia 24 de Janeiro no auditório da PROCERGS (Companhia de Processamento de Dados do Estado do Rio Grande do Sul) na Roda de Conversa “Mídia livre e apropriação tecnológica”.

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O fio condutor do debate foi o uso das mídias sociais durante as Jornadas de Junho, tendo como ponto de partida, o fato de que a maior parte das mídias utilizadas nestas manifestações são softwares proprietários (de código fechado), controlados por empresas que – como todas as empresas – são guiadas por valores de mercado. Lembrando que o mercado está sujeito a tudo, inclusive à influência de governos ricos e autoritários.

“O debate também se faz fundamental especialmente neste período de espionagem multinacional das grande corporações financiadas pelos governos, principalmente pelo governo dos Estados Unidos, que fiscaliza, monitora os demais países e os movimentos sociais” comentou João Paulo Paulo Mehl, do Coletivo Soylocoporti e Lab Cultura Digital.

O temor de que em um ano de ânimos exaltados por causa da Copa do Mundo e das eleições presidenciais acelere a criação de recursos jurídicos, econômicos e técnicos de cerceamento da liberdade de expressão na rede não é a toa. No dia 28 de Fevereiro o Facebook retirou uma página criada por movimentos sociais para divulgar os protestos contra a Copa.

A justificativa expressa pela assessoria de imprensa da empresa foi a mesma de tantas outras remoções de conteúdo: “violações aos termos de uso do site”. Em se tratando da mesma mídia social que permite diversos posts preconceituosos e agressivos, como o de uma mulher sendo decapitada a sangue frio no México, a declaração é no mínimo curiosa.

Alternativas para a mídia alternativa

Uma das mais dramáticas influências do capitalismo na sociedade da informação se manifesta na exploração humana para além do expediente de trabalho, fazendo com que interesses, opiniões e dados privados se transformem em mercadoria.

O Fórum Social Mundial, assim como as edições temáticas, reúne diversos atores sociais e organizações que se contrapõem ao “neoliberalismo e ao domínio do mundo pelo capital”. Se cada organização, sindicato ou associação que compõe o FSM não só passasse a investir no desenvolvimento das suas próprias mídias sociais, mas também estimulasse o uso das alternativas livres existentes entre os seus associados desde a primeira edição do Fórum, teríamos hoje um cenário comunicacional diferente no terceiro setor e nos movimentos sociais no planeta.

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Foi também em busca desta pactuação e do comprometimento que o Seminário do Fórum de Mídia Livre – ocorrido após as rodas de conversa, dentro da programação do Fórum Social Temático – produziu as bases para uma “Carta Mundial de Mídia Livre”, um documento com o objetivo de estabelecer princípios e garantias para o funcionamento de uma mídia alternativa para o exercício da liberdade de expressão em todo o mundo.

Rita Freire, da Ciranda Internacional da Comunicação Compartilhada, avaliou que o seminário “mostrou um trabalho sério, intensivo, de muita concentração e diálogo entre midias livres de diversos lugares para apontar direções comuns”. Rita também comentou sobre a contribuição brasileira para a construção da carta, que será finalizada em 2015, durante o Fórum Social Mundial: “Descriminalização das rádios, ocupação do espectro eletromagnético, ecologia nas redes sociais, ecoprotocolos e internet livre para todas as pessoas, foram temas importantes apontados no Brasil e que agora vão receber contribuições da África e da Europa”.

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(*)

Os “Ecoprotocolos” citados por Rita Freire, também chamados de “Protocolos Livres” tratam-se de uma pactuação política e tecnológica entre os movimentos sociais que envolva ação, método, tecnologia e até semântica em torno do estabelecimento de uma comunicação autônoma, independente e em consonância com os princípios midialivristas.

O debate sobre os Ecoprotocolos é realizado deste o III Fórum de Mídia Livre em 2012, em Porto Alegre. Deste então, ainda tenta-se superar a questão técnica: O desenvolvimento de recursos para que as muitas mídias sociais utilizadas por ativistas em todo o planeta formem uma grande rede livre e diversa, e que se complementem, para evitar o retrabalho e facilitar o encontro de soluções para problemas comuns.

É nesse ponto que uma autocrítica se faz necessária aos próprios participantes do Fórum Mundial de Mídia Livre. O evento foi todo transmitido com sistema proprietário de transmissão de áudio e vídeo e divulgado mais enfaticamente em mídias sociais comerciais. A autocrítica entre os mídialivristas presentes no FMML foi feita durante o próprio seminário e após o evento, em grupos de e-mails. O fato é que textos e debates serviram para solidificar bases conceituais e expandir a problemática das mídias proprietárias versus mídia livre. O momento agora é de se usar as alternativas existentes.

Outra questão crucial levantada tanto nas Rodas de Conversa quanto no Seminário do Fórum de Mídia Livre foi a necessidade de formação de ativistas. De nada adianta desenvolver plataformas digitais sem o comprometimento das diversas organizações e coletivos com ações de formação e o uso cotidiano de ferramenta livres.

Sem este compromisso, o “outro mundo possível” não vai passar de mais uma ecobag guardada nas casas de ativistas ao redor do mundo.

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(*) Meio Haikai, meio concreto, subtítulo com licença poética.

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