Ontem, domingo, depois de um maravilhoso almoço com minhas crias e suas respectivas namoradas, minhas amigas, eu sai caminhando pelo BomFim fazendo bolhinhas de sabão. Durante essa magia conheci Brenda, Gabriel e Guilherme, filhos de Fernanda, que com seu esposo, nos finais de semana e feriados, são guardadores de carros estacionados na Osvaldo Aranha perto da Lancheria do Parque, em Porto Alegre.
As crianças se encantaram com as bolhinhas de sabão e com o fazer fotos com o celular (tenho várias fotos pelo Gabriel que assim que carrear a bateria pretendo publicar), mas, as crianças também estavam encantadas com o parquinho de diversões que fica do outro lado da avenida, em frente a lanchera. Então as convidei para andar nos brinquedos. Combinei que poderia comprar 3 ingressos para cada uma delas, ou seja, deveriam escolher três brinquedos que gostariam de andar, pois eu não tinha dinheiro pra pagar ingresso pra todos os brinquedos e que elas deveriam perguntar pra Fernanda, mãe delas, se poderiam ir ao parquinho. Fernanda não estava conosco quando tivemos a ideia de ir ao parquinho, mas Guilherme, o mais velho, tem 11 anos saiu correndo em direção à mãe e voltou dizendo que ela tinha permitido.
Atravessamos a rua e fomos pro parquinho. Ao chegar na bilheteria tinha uma promoção de 12 ingressos por 30 reais, falei pro trio alegria que não seriam mais 3 ingressos pra cada um e Guilherme, atento, respondeu rapidamente: serão quatro! Eu, curiosa, lhe perguntei: como sabes? Ele me respondeu: é fácil, tia, é só dividir 12 por 3 que tu sabe que dá 4. Fiquei encantada e perguntei se estavam na escola, Guilherme respondeu que sim, que estava na 6ª série e que a professora gostava que ele sabia fazer conta de cabeça. hehehehehe, Gabriel, que tem 9, está na 3ª série e Brenda que tem 4 não conseguiu vaga na escola infantil de Belém Novo.
Enfim. Eu fiquei com Brenda e eles foram escolher os brinquedos e se divertir. Brenda pediu pra andar no trenzinho, ficamos no segundo lugar da fila pra entrar no trenzinho, Brenda insistindo que queria ser a maquinista, tinha uma mãe com sua filha em nossa frente, expliquei pra Brenda que se a menina não quisesse a cabine do motorista, então ela poderia sentar lá, que pela fila e o lugar que nos encontrávamos a preferencia de escolha era da primeira. A menina da frente não quis a cabine e Brenda foi feliz pra esse lugar. Então chegou uma mãe com seu filho que também queria a cabine, Brenda deu o lugar ao seu lado pro menino sentar, a mãe me pediu que levasse Brenda pra outro vagão, eu disse que não e perguntei ao menino se ele se incomodava em andar no trenzinho ao lado de Brenda, ele respondeu que não, que não se incomodava, mas sua mãe, insistiu que eu tirasse a Brenda, pois ela tinha piolho. Oi? Perguntei a essa mãe, de onde você tirou que Brenda tem piolho? Ela, já com tom inquisitório me disse que era óbvio, pois se notava que Branda era criança de rua, estava suja e mal vestida.
Gente, me subiu o sangue do sul da Itália e lhe disse: então, por gentileza, leve seu filho pra outro vagão. Ela, mais opressora disse que quem tinha que ir pra outro vagão era Brenda e que eu deveria entender a lógica natural da sociedade. Calmamente falei pra essa pessoa: pela lógica natural da sociedade ela deveria retirar seu filho da cabine e levá-lo pra outro vagão, pois Brenda era a segunda da fila, Brenda chegou primeiro e ela tinha respeitar as regras determinadas. Ela tirou o garoto e Brenda foi na cabine do piloto. Brenda foi a maquinista.
Saímos dali e fomos pra pescaria, quando sentei a Brenda no balcão, assim como as outras crianças, um pai veio me pedir que tirasse ela dali, pois poderia sujar seu filho. Olhei pro moço e disse: criança que não se suja é criança infeliz. Pescamos um jogo de dominó e nisso veio Gabriel correndo e me disse: tia, minha mãe vai te matar!! Como assim, Gabriel? “É que ela não sabia que a gente tava aqui contigo e ficou desesperada achando que tu tinha nos roubado.”
Fiquei perplexa e chamei Guilherme e lhe perguntei porque ele tinha me mentido que sua mãe havia deixado virem ao parque comigo, antes dele responder Fernanda já estava chegando e me pediu desculpas, pois eles pediram ao pai, pois na hora ela tinha ido ao super buscar pão e banana pra dar de lanche pras crianças.
Independente disso, falei pro Guilherme que ele tinha que ter me dito que não tinha falado com ela, que se ele estava entendendo a confusão desnecessária que ocorreu? Bem, como Fernanda chegou e podia ficar no parque com as crianças, eu me despedi deixando as crianças com ela e fui pro Odomodê. Cada criança ainda tinha 2 ingresos em mãos e não é que, foi eu sair, que a classe média branca deu um jeito de causar com essa família? Estava me preparando pra pegar o ônibus e escuto Guilherme gritando:
Tia, tia, volta aqui.
Menino correndo em minha direção, com olhos cheio de lágrimas, voltei com ele que me contava: tem um senhor que tá dizendo que a gente roubou os ingressos, que era pra chamar os homens e levar nós pro conselho tutelar, que era pra botar minha mãe na cadeia. Gente, eu com o pé ainda quebrado, votei ao parque e um dos empregados com a Fernanda e as crianças que choravam dizendo “foi a tia que nos deu” .Quando cheguei a Fernanda falou: “graças a deus a senhora voltou. Tem um casal que me mandou embora, disse que não era lugar pra mim e meus filhos, chamou a segurança do parque dizendo que estávamos molestando as pessoas, que não tinha tia nenhuma que pagou ingresso pra nós, que certamente as crianças deveriam ter roubado de alguém.”
Olha gente, eu só olhei pro funcionário do parque e perguntei: cadê esse casal? Quero vomitar na cara deles e, por favor, deixa as crianças brincarem, se é preciso que eu fique aqui, eu fico, se para as crianças poderem brincar, como toda e qualquer criança que está nesse parquinho, é preciso que eu fique aqui, eu fico. Elas têm direito, tanto quanto qualquer outra criança e eu preciso saber quem é esse casal, eles merecem um belo dum processo pra responderem por tamanha discriminação e racismo.
Nisso veio outra funcionária dizendo que o casal estava vendo o que estava acontecendo, que lhe pediu inúmeras desculpa e foi embora. Então eu pedi pra falar com o gerente, pois quem vai responder por isso é o proprietário do parquinho, pois cabe ao estabelecimento responder por tamanho desrespeito, discriminação e racismo de seus clientes. Não tinha gerente, não tinha quem respondesse pelo proprietário, só funcionários. Dei o número do meu telefone e disse que aguardava que fizessem contato. Hoje, recebi ligação de uma pessoa, que se chama Ronaldo, dizendo que é funcionário e que seu patrão me pedia desculpas garantindo que isso nunca mais vai acontecer. Bem, só acho que, se não fosse essa classe média branca limpinha, asséptica, muitos problemas nem existiriam. Próximo fim de semana, se eu estiver em Porto Alegre, volto ao parque, com Brenda, Guilherme e Gabriel, pra que elas possam, novamente, se divertir sem discriminação, preconceito, racismo, pois se isso voltar a acontecer, basta um olhar, eu não vou me segurar e nem deixar passar batido.