O rosto de Zibar está estampado pelos muros do vilarejo palestino, na Cisjordânia ocupada. Membro da Frente Popular pela Libertação da Palestina (FPLP), ele participava da resistência contra as operações israelenses do agressivo governo de extrema-direita de Ariel Sharon (do Likud, mesmo partido do atual premiê Benjamin Netanyahu), na segunda intifada. O levante do início dos anos 2000 foi contra a ocupação israelense e o esforço por sufocar a vida dos palestinos.
Zibar atuava e vivia em esconderijos, já que tinha a cabeça a prêmio. Mesmo assim, casou e, poucos meses depois, Nedaa engravidou. Quando ela deu à luz, Zibaar esperou dois dias para visitá-la quando saiu do hospital. Não adiantou: os soldados, avisados, já o esperavam com a casa cercada. Era 2002, auge da agressividade do Exército contra a resistência e toda a vida à volta dela. Os palestinos enfrentavam recordes nos números da ocupação, principalmente na construção de colônias ilegais em terras palestinas e na opressão geral à resistência e a qualquer um ao seu redor.
Transferido quatro vezes durante os 13 anos de cárcere, Ra’ed Zibar disse em entrevista que não hesitaria em voltar para o seu papel na resistência caso as coisas continuem como estão, embora seu sonho seja recuperar os anos perdidos com a família, a esposa Nedaa, a mãe, Wasfia e o filho, Marcelo, nome inspirado pela simpatia com a América Latina. Zibaar recebeu a delegação brasileira composta por diversos movimentos sociais – inclusive o Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz (Cebrapaz) – em visita à Palestina.
O grupo, cuja missão humanitária à Faixa de Gaza foi impedida pelo governo de Israel, visitou o ex-prisioneiro na tenda montada pelo partido para a reunião com a comunidade local durante os dias após sua libertação. Em seguida, foi recebido pela família em casa, onde ouviu de Nedaa e da esperançosa, mas cansada senhora Wasfia como foi a espera pelo retorno de Ra’ed.
Na recepção da vila aconteceram uma agitada carreata e discursos firmes sobre a luta dos prisioneiros palestinos em cárceres israelenses. A parlamentar Khalida Jarrar saudou o retorno do companheiro, mas lembrou que muitos ficaram para trás, como Ahmad Sa’adat, secretário-geral da FPLP, preso em 2002 pela Autoridade Nacional Palestina, mas que em 2006 foi transferido por Israel – após um cerco à prisão – ao seu território.
Khalida assegurou que a resistência cumpre um dever de não descansar até o fim da ocupação. Marcou uma entrevista com o Portal Vermelho, no evento, para o dia seguinte, quando foi levada de casa por cerca de 30 soldados, de madrugada, em “detenção administrativa” – categoria arbitrária de prisão sem acusação formal ou julgamento por períodos renováveis de seis meses.
Da prisão militar de Ofer, dentro da Cisjordânia, Khalida já foi transferida para a prisão de HaSharon. A parlamentar já estava proibida de deixar a Palestina desde 1998 e recebera uma ordem de expulsão da sua cidade, Ramallah, para Jericó, na região fronteiriça com a Jordânia. Khalida recusou-se a cumprir a ordem.
Dobrar a resistência desde a infância
Os casos de Ra’ed e Khalida são exemplos da história que grande parte das famílias palestinas têm para contar. De acordo com a Associação de Apoio aos Prisioneiros e Direitos Humanos “Addameer”, palestina, há cerca de seis mil palestinos em cárceres israelenses: 165 são crianças e 17 são parlamentares do Conselho Legislativo Palestino. Além disso, 454 deles estão sob a categoria de “detenção administrativa”.
A palestina-brasileira Najaat também recebeu em casa a delegação para contar o caso de seu filho, cujo nome não será mencionado por segurança. Com 16 anos, ele teve de viajar aos Estados Unidos – onde estão seus tios – com o passaporte brasileiro, chance que os palestinos sem outras nacionalidades não têm facilmente. A razão da viagem prolongada por um ano foi a ameaça das autoridades israelenses, que o detiveram duas vezes sob acusações vazias: se ficar na Palestina, será preso de vez quando atingir a maioridade. Sua liberação foi possibilitada pela intervenção da Embaixada brasileira, que representou-o juridicamente.
Ainda durante a segunda intifada, Islam Hamed, que tinha 17 anos, foi preso pela primeira vez, acusado de atirar pedras contra os soldados israelenses. No interrogatório, disse coisas que as autoridades usaram para aumentar sua pena. Saiu da prisão com 21 anos, encontrou uma noiva, tirou a habilitação de condutor e a licença para serviços elétricos e, nove meses depois, foi preso outra vez, sob “detenção administrativa”, estendida até roubar dele mais dois anos. Aos 25, liberto e também cidadão brasileiro, conseguiu se casar e tentou mudar para o Brasil, mas foi impedido pelas autoridades de Israel, que queriam tê-lo na mira.
“Qualquer prisioneiro que sai, fica livre, mas dentro de outra prisão”, diz a mãe, que recebeu a delegação brasileira em sua cidade, a conturbada Silwad, na sexta-feira (3), com confrontos entre manifestantes e os soldados israelenses, ditados por pedras contra balas de metal revestidas de borracha e bombas de gás lacrimogênio, sufocando a vila toda. A esperança da família é que o Brasil intervenha para que Islam, agora com 30 anos e novamente preso, possa viver no país.
O caso das crianças palestinas detidas pelas forças israelenses não passa despercebido. Em fevereiro, a Unicef endossou conclusões da organização Defesa Internacional das Crianças – Palestina, em um relatório de 2014. Naquele ano, três quartos das crianças presas sofreram violência física no interrogatório e na prisão, enquanto metade delas tiveram de tirar suas roupas para serem revistadas. Em 93% dos casos, elas foram impedidas pelas autoridades israelenses de ter acesso a um advogado e raramente foram informadas dos seus direitos, inclusive o de evitar a auto-incriminação.
O contato da delegação brasileira com o aparato da ocupação israelense nos territórios palestinos passa pelas histórias de famílias inteiras, nas vilas, nas cidades ou nos postos de controle instalados pelas autoridades de Israel. Por outro lado, a resistência, embora esgote os ânimos dos que esperam há mais de seis décadas pela autodeterminação e o fim da ocupação, insiste em não se deixar vencer.