Paranapiacaba: um manancial estratégico na Mata Atlântica

Nas suas encostas mais altas, nas proximidades das divisas com Santos e Mogi das Cruzes, são encontradas nascentes do rio Grande, que é o principal formador da represa Billings. Só este braço do reservatório artificial, que é o maior em capacidade de volume da Região Metropolitana de São Paulo, abastece cerca de 1,6 milhão de pessoas em Diadema, São Bernardo do Campo e parte de Diadema, com a produção de 4,8 mil litros de água por segundos. Com a crise de abastecimento deflagrada no Sistema Cantareira, por tempo indeterminado, começou a abastecer também cerca de 200 mil habitantes de São Paulo, neste ano.

Estudos em andamento realizados pela Diretoria de Meio Ambiente de Santo André apontam que entre elas, estão do rio Pinheiros, como destaca Priscila Oliveira, gestora do setor da Secretaria de Gestão de Recursos Naturais de Paranapiacaba e Parque Andreense. O Parque Natural mantém ainda outras nascentes e cursos d`água, que podem ser observados pelo visitante, como nos Núcleo Olho d`Água e da Pontinha/Caixa do Gustavo.

A unidade de conservação (UC) municipal recebe cerca de 17 mil visitantes anualmente e é formada predominantemente por vegetação secundária em regeneração. Essa característica revela que sofreu intervenções humanas, ao longo das décadas, e está em fase de recuperação. São 4 milhões de metros quadrados, que integram a Reserva da Biosfera do Cinturão Verde de São Paulo, reconhecida pelo programa “O Homem e a Biosfera – MAB”, da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), como patrimônio da humanidade.
A importância da região se acentua por ser parte de um contínuo de mata atlântica formado pelo Parque Estadual da Serra do Mar e pela Reserva Biológica do Alto da Serra de Paranapiacaba, ambas sob gestão de órgãos estaduais.

“Nesse contexto, o Parque Municipal ocupa uma posição estratégica para as Regiões Metropolitanas de São Paulo e de Santos. A conservação da mata é fundamental para sua estabilidade hídrica, porque funciona como esponja, regulando a vazão da água, e seu solo é rico em matérias orgânicas”, explica o arquiteto e ambientalista Clayton Lino, presidente do Conselho Nacional da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica.
Segundo ele, a ocorrência frequente de chuvas nesta localidade é facilitada por um conjunto de fatores climáticos. “Os ventos vindos do mar seguem para o planalto e encontram a Serra do Mar. Daí se elevam, possibilitando a concentração de nuvens e as precipitações”. Dessa forma, a conservação das nascentes do rio Grande, neste trecho, se torna estratégica tanto para o abastecimento do litoral como para a represa Billings.

Edilene Fazza, gestora do Parque Municipal, explica que para inibir o comprometimento do ecossistema e biodiversidade locais, a visitação na unidade de conservação só pode ser feita em companhia de monitores ambientais cadastrados. Na área também não são permitidos acampamentos. São mantidas seis trilhas, que permitem que um público de diferentes idades possa fazer imersões de curta duração no bioma.

“Na UC, existe o registro de algumas espécies que ocorrem predominantemente lá e na Estação Ecológica de Boraceia, que fica a uma distância de oito quilômetros. Entre elas, estão pequenos anfíbios, como o Ischnocnema hoehnei, conhecida como rãzinha-de-folhiço”, explica o agente ambiental do Parque, o biólogo Ingo Grantsau.
Entre as aves, se destacam espécies como a Choquinha-de-dorso-vermelho (Drymophila ochropyga), o Entufado (Merulaxis ater), o Limpa-folha-miúdo (Anabacerthia amaurotis) e o Corocochó (Capornis cucullata). Na área do parque, ainda são encontrados os peixes classificados como vulneráveis, Cambeva (Trichomycterus paolence) e Cascudinho (Pseudotocinclus tietensis).
A região também mantém vegetação densa, com pelo menos 1.274 espécies reconhecidas e destacadas no Plano de Manejo do parque, lançado em 2012. Na lista de classificadas como vulneráveis, está a frutífera Pindaíba de Anta ou Amarela (Duguetia salicifolia).

Zélia Paralego, 63 anos, sócia-fundadora da Sociedade de Preservação e Resgate de Paranapiacaba e também monitora e empreendedora local, avalia, que em sua vivência de 53 anos na Vila, o melhor caminho para a conservação ainda é por meio da educação ambiental.

“O que tenho observado, ao longo dos anos, é que cada vez mais famílias vêm para o parque com a preocupação ambiental e, em especial, o visitante estrangeiro está atento a atitudes de preservação”. Zélia constata que as gerações mais novas de estudantes têm se tornado multiplicadores da cultura de conservação. “Tive a experiência, por exemplo, com uma escola do município, com cerca de 600 alunos. Eles levaram a preocupação ambiental e os conhecimentos sobre Paranapiacaba, como tema principal de sua feira de ciências”, relata.

Segundo a monitora, é essencial que o poder público, ao mesmo tempo, esteja presente, de forma permanente. Edilene Fazza, gestora do Parque Municipal, afirma que o principal desafio hoje é coibir invasões no Parque e aumentar o número de funcionários, com mais agentes ambientais, além de criar a função de guarda-parque e implementar a de guarda ambiental.

“Apesar de haver placas sobre proibição legal de acampamento e de nadar no local, em época de verão, chegamos a ter de retirar na faixa de 100 pessoas aos finais de semana. Entram clandestinamente fora do horário de funcionamento do parque ou driblam a orientação dos guariteiros. Alguns chegam até a fazer ameaças”, relata a gestora.

Edilene ressalta que as infrações ambientais, além de causar perigo de vida ao próprio infrator, resultam em geração de resíduos, riscos de incêndios e de contaminação dos recursos hídricos. O problema se estende ao entorno da área conservada. “No início do ano, chegamos a retirar 15 sacos de 100 litros de resíduos nas imediações”, conta.

Mais uma pressão socioambiental no parque é de espécies exóticas invasoras, como o imbiri, também conhecido por lírio-do-brejo. “É uma planta vigorosa, utilizada para contenção de encostas, que foi introduzida há anos na região onde fica o parque, mas que dificulta que outras nativas brotem. Estamos desenvolvendo um projeto de erradicação da espécie, mas é um trabalho difícil e oneroso. Para isso, serão utilizados recursos de compensação ambiental”, explica a gestora do parque.

Patrimônios histórico e natural
Um aspecto adicional, que torna esse pedaço do Estado de São Paulo ainda mais singular e que ainda resiste à pressão da urbanização, é o fato de as entradas do Parque estarem situadas na Vila ferroviária de Paranapiacaba (única com essas características conservadas no mundo), criada pela empresa inglesa São Paulo Railway, no século XIX, tombada desde a esfera municipal à federal. O trecho integrou a Estrada de Ferro Santos-Jundiaí, que hoje tem a predominância de transporte de carga até o litoral, operado pela MRS Logística. Há alguns anos, foi retomado o Expresso Turístico, operado pela Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), que sai da Estação de trem da Luz até a Estação tombada de Paranapiacaba. O trajeto é mantido aos domingos, exceto nos segundos do mês, e é bem concorrido.

Com maior número de construções em madeira, na parte baixa da vila, que serviram de moradia para operários e engenheiros e onde hoje habitam artesãos, guias ambientais e pequenos empreendedores, recria a atmosfera londrina tropicalizada. Alguns espaços são públicos, como o Mercado Municipal, o Clube União Lyra-Serrano e o Castelinho. Este último era residência do engenheiro responsável da ferrovia.

Essa característica se acentua com a presença da réplica do relógio ‘Big Ben’ de Londres e a presença de neblina constante. A área passou à União em 1946, sendo adquirida pela Prefeitura de Santo André, em 2002. O município da região chamada de ABCDMRR, no entanto, não dá acesso direto para lá e tem seu centro distante cerca de 40 km da vila. Para chegar ao distrito, é necessário passar pelos municípios de Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra e a via de acesso final é a rodovia SP 122.

O isolamento desse destino que integra a característica ambiental junto com a cultural e a histórica das ferrovias brasileiras, tem atraído o turismo gradativamente à região, que apresenta um receptivo básico até hoje, com empreendimentos no sistema de bed & breakfast (para dormir e tomar café da manhã) , pequenas pousadas e restaurantes caseiros. No calendário oficial da vila, já figuram os Festivais de Inverno (em julho) e do Cambuci (abril). Este último se refere à fruta típica da Mata Atlântica, com sabor levemente azedo, da família da goiaba, que tem virado fonte de renda para pequenos empreendedores, na área gastronômica.
Estudos têm sido desenvolvidos para verificar como essa crescente demanda impacta a conservação do patrimônio natural e histórico local. Ao mesmo tempo, devido o alto grau de umidade local, a necessidade de restauro de imóveis é uma constante, e no cenário se mescla alguns em bom estado e outros em situação de deterioração.

“Na fiscalização da área, os monitores auxiliam indiretamente a equipe do parque. Quando observam alguma irregularidade, comunicam o agente ambiental e a guarda municipal, que irão verificar a ocorrência”, diz a gestora. Atualmente há 40 profissionais, grande parte formada por moradores da própria vila, sendo 20 autônomos. A atividade contribui para a geração de renda para suas famílias e cada um pode levar em cada visita, no máximo, 20 pessoas. Uma das principais trilhas, da Pontinha, pode receber, no máximo, 1030 pessoas por dia.

Laboratório vivo

Nesse contínuo de Mata Atlântica, mais um local ainda conservado e praticamente desconhecido do público comum, por ser uma unidade de conservação integral, é a Reserva Biológica do Alto da Serra de Paranapiacaba. Essa foi a primeira Estação Biológica da América do Sul, criada em 1909, e que desde 1938 está sob gestão do Instituto de Botânica. O espaço de 366 hectares é destinado a pesquisas científicas, que incluem desde levantamentos de flora a estudos taxonômicos realizados por diferentes instituições de ensino, além de educação ambiental.

Na área, já foram identificadas mais de 1000 espécies de flora, com destaque para as orquídeas (Orchidaceae), representadas por 155 espécies, distribuídas em 59 gêneros e para as bromélias (Bromeliaceae), família típica de Mata Atlântica, com 39 espécies em 11 gêneros. A vegetação exibe 232 espécies de interesse ornamental e 139 de plantas com potencial medicinal. A fauna também é variada, com registro de aranhas a peixes.

Segundo a engenheira agrônoma Maria de Fátima Scaf, que é pesquisadora-gestora da unidade, lá existem 32 nascentes e 10 cursos d´água principais. “Devido ao seu relevo bastante montanhoso e ao contexto geomorfológico, pelo fato de estar na divisa, entre a Escarpa da Serra do Mar e o Planalto Paulista, as principais redes de drenagem são influenciadas por essas duas vertentes. São identificadas quatro microbacias, sendo que três delas vertem para a o Planalto Atlântico, alimentando o Rio Grande, e uma verte para a Serra do Mar drenando para o Rio Mogi”, explica.
A área tem um componente histórico importante, com trilhas percorridas por indígenas das tribos Guaianazes, Tupiniquins e Tamoios, totalizando 22 picadas históricas.

Mas como o Parque Natural Municipal das Nascentes de Paranapiacaba não escapa da pressão humana. “A reserva e demais áreas de mata atlântica em seu entorno, correm risco de degradação e perda de grande número de espécies, pela sua proximidade ao polo petroquímico e industrial de Cubatão, que pelo mecanismo de correntes de ar e brisa marítima, transportam os poluentes atmosféricos emitidos pelas indústrias químicas”, alerta.

Para saber mais sobre o Parque Natural Municipal das Nascentes de Paranapiacaba, acesse: http://www2.santoandre.sp.gov.br/index.php/2013-04-29-14-40-25/trilhas-ecoturismo. E sobre a Reserva Biológica: http://botanica.sp.gov.br/paranapiacaba/.

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*Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk

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