Não vai ter copa?

As mobilizações populares em ascenso, os vários movimentos sociais que se ampliam e se unem, revelam que as próximas semanas serão de muita luta e confronto com o Estado militarizado. A repressão em São Paulo, por meio de bombas e balas, desarticulou a passeata de milhares ontem quase no início do seu destino, mas o que se ouvia na multidão esparramada era que a próxima será maior.

img_2230.jpg

Num ano eleitoral, o governo está bastante preocupado e tem divulgado notas sobre os “não” gastos públicos com a Copa, dado entrevistas a respeito – como a concedida pelo Ministro da Secretaria Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho – ou escrito artigos, como o de Marco Aurélio Garcia, Assessor Especial da Presidência da República para Assuntos Internacionais, publicado no Carta Maior, uma crítica às manifestações do 15M na Europa.

Reforçando o refrão que, desavergonhadamente, é utilizado também pela grande mídia e por todos os políticos “democratas”, incluindo os de direita –, Gilberto Carvalho disse que os protestos são legítimos desde que os manifestantes não pratiquem atos de violência. O Ministro também falou que as demandas dos protestos querem “muito mais se aproveitar da oportunidade e apresentar reivindicações que são legítimas, são naturais, mas que pouco têm a ver com a Copa”. É verdade, aqui ele tem razão. Só que as reivindicações dos movimentos representam direitos humanos básicos que uma cidade como São Paulo, um estado como São Paulo teria condição de atender, se não concentrasse cada vez mais a riqueza.

Não vai ter Copa!

A mídia comercial está dando grande espaço para essas manifestações, sublinhando com letras garrafais que seriam protestos contra a Copa, e contra o Governo Federal! Em ano eleitoral para presidência da República aparecem todos os tipos de expediente e os podres da mercantilização da política ficam todos expostos. Será que as manifestações querem acabar com a Copa? Será que os manifestantes acreditam que “não vai ter Copa”? Entrevistei ativistas de alguns dos movimentos que organizaram o 15M em São Paulo, antes de a polícia reprimir covardemente a passeata, tirando a manifestação do seu destino com muita violência gratuita, que só podia gerar mais violência.

“Infelizmente vai ter essa Copa”, lamenta Givanildo Manoel da Silva, membro do Comitê Popular da Copa. “Ela vai acontecer, mas com muita violência, prisões, mortes”. Os trabalhadores mortos nas obras dos estádios de futebol eram uma das referências da manifestação do 15M. “A nossa mobilização é para fazer o enfrentamento de todas as violências que estão acontecendo”. A militância mais aguerrida sabe que o governo está submetido pelo capital. “Basta ver o investimento feito pelas empreiteiras nas eleições, em todos os partidos”.

Aproveitar o momento histórico para obter conquistas efetivas, acreditam outros. “Copa até pode ter, mas vai ter muita mobilização durante, e acho que dá para obter conquistas, nos mobilizando contra a Copa, dá para conquistar mais saúde, educação”, acredita Andreza, do Movimento Passe Livre, indignada com o fato de que em algumas cidades existirá a tarifa zero no transporte público para o torcedor que apresentar ingresso para os jogos.

img_2265.jpg

“Por mim não terá Copa”, sonha Lena Nunes, pedagoga, moradora da Zona Leste e atuante no Comitê Não Vai ter Copa. “Porque estamos num país que tem políticas públicas só no papel; um país que não tem suporte para ter um evento destes, não tem transporte, moradia, saúde, educação”. Os professores estão em luta neste 15M também e fizeram a maior manifestação do dia, lembra Lena. “Não somos contra futebol, todos tem seu time, mas queremos nossos direitos”. O lema da manifestação é lembrado por Julio Delmanto, da Marcha da Maconha: Copa sem povo, to na rua de novo! “Se vai ter ou não Copa é o de menos; antes, durante e depois da Copa nós queremos nossos direitos respeitados. Existem recursos para as coisas que o Estado quer, para a repressão e não para o povo”, diz Delmanto.

img_2243.jpg

Mulher: negócio na Copa

Para as militantes feministas Bruna Provazi, da Marcha Mundial das Mulheres, e Luka Franca, do Comitê pela Desmilitarização da Polícia e da Política, o principal culpado é o sistema capitalista. “A Copa da Fifa é um projeto do capital”, afirma Luka. “O que estamos questionando é esse modelo de Copa organizada pelo sistema capitalista, estamos questionando o legado da Fifa”, concorda Bruna. Luka também se remete a esse legado, “especialmente deixado nos países mais pobres, que é de especulação imobiliária, precarização do trabalho, retirada de direitos de povos originários, a gentrificação das cidades”.

“Copa vai ter”, afirma Bruna. “A exploração sexual aumenta nessa época e a Fifa contribui com esse grande negócio que é o futebol”. Bruna lembra do episódio da linha de camisetas lançada pela Adidas – e logo retirada do mercado por protestos inclusive do governo brasileiro – com conotação sexual, utilizando imagens de bunda feminina. Ela critica a imagem da mulher brasileira vendida no exterior, “a mulher é mais um produto da Copa”. Também Luka fala do turismo sexual e lembra a distribuição de “camisinhas anti estupro” na Copa da África do Sul, onde existe a prática machista de estupros corretivos. “Para algumas pessoas no Brasil não vai ter copa”, lamenta Luka. “Para quem teve um morto, a grande festa do país do futebol não vai existir”.

img_2271-2.jpg

As lideranças dessa manifestação não são militantes de ocasião, todos estão no dia a dia das lutas da cidade, e conhecem o acirramento que se dá num ano eleitoral. O comentarista de segurança da Rede Globo, major Diógenes Lucca, na edição de hoje do jornal de São Paulo, afirmou que houve pouco efetivo policial nessa manifestação, por isso se perdeu o controle. Contraditoriamente, o especialista em gerenciamento de crises afirma que a “polícia já compreendeu, já aceita manifestações”, mas os manifestantes teriam testado uma nova modalidade de ação. “Forte contingente armado tem que ser colocado na rua para dar tranquilidade às manifestações”, é a receita do policial.

A repressão violenta da polícia gerou barricadas, pedradas nos policiais, quebras de carros de luxo, mas gerou também muita indignação. As bombas lançadas prá cima da multidão até dividir em duas a passeata fizeram os manifestantes correrem para as travessas da Rua da Consolação, dirigindo-se à Rua Augusta, Rua Frei Caneca, sendo que algumas centenas seguiram para o Pacaembú, destino programado. O 15M teve muita semelhança com o início dos protestos de junho passado. Revoltados com a violência policial que abortou uma marcha que estava grande, alegre e pacífica, muitos prometiam: A próxima manifestação será maior!

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *