Desde que teve início a nova ofensiva israelense na faixa de Gaza, denominada “Margem protetora”, há sete dias, foram mortos 172 palestinos. Os feridos somam 1.230. A maioria das vítimas é formada por mulheres e crianças. É o maior ataque promovido pelas forças de ocupação desde 2008-2009, quando foram assassinados cerca de 1.400 palestinos em Gaza, na chamada operação “Chumbo fundido”, entre 27 de dezembro e 18 de janeiro. Em novembro de 2012, em apenas oito dias, somaram-se 150 vítimas fatais. Os dados elucidam que a prática israelense em relação à estreita faixa é recorrente. Assim como os pretextos utilizados e os métodos. Nesse sentido, é importante situar histórica e politicamente as razões para essa nova onda de massacres em Gaza.
Localizada em território palestino ocupado militarmente desde 1967, Gaza é a área mais densamente povoada do mundo: em apenas 360km2 vivem 1,5 milhão de palestinos, a maioria deslocada internamente, ante a expulsão de suas terras e casas sobretudo a partir de 15 de maio de 1948, ano da criação do Estado de Israel (para os árabes, a nakba, catástrofe). Pode ser considerada um grande campo de concentração a céu aberto. Um bloqueio assassino é imposto por Israel desde 2006, quando o Hamas venceu democraticamente as eleições para governar a região. Um ano antes, os cerca de 8 mil colonos que viviam em assentamentos ilegais ali foram retirados, sob as ordens do então primeiro-ministro israelense Ariel Sharon – não à toa apelidado de “carniceiro”, com uma vasta folha de serviços prestados ao projeto sionista de limpeza étnica do povo palestino. Nenhuma atitude progressista em sua política. Não compensava financeiramente manter uma força de ocupação na região para garantir a presença de apenas 8 mil colonos. A partir daí, estava aberto o caminho para que Gaza se tornasse um alvo preferencial ao intento sionista de dar continuidade a sua política de limpeza étnica do povo palestino. A eleição do Hamas – e o argumento falso de que se tratava de um grupo de extremistas que queriam jogar os judeus ao mar – foi a pá de cal para sedimentar essa política. Não obstante as críticas que se possa ter a esse partido, vale reiterar que foi eleito democraticamente e o que faz diante de ofensivas é resistência a uma ocupação criminosa. Sem, obviamente, o mesmo poder de fogo.
Breve contexto histórico
Além de sua geopolítica, Gaza assim seria um local estratégico para Israel seguir de forma direta com sua política de limpeza étnica, a qual é elemento fundante da criação do estado como etnicamente homogêneo: ou seja, um estado exclusivamente judeu. Hoje, já há documentação suficiente que comprova que houve planos deliberados de limpeza étnica do povo palestino para que tal projeto resultasse exitoso. O mais agressivo deles e derradeiro é conhecido como Plano Dalet. Ali estavam mapeadas as aldeias palestinas que deveriam desaparecer do mapa para dar lugar ao novo estado. Em apenas seis meses desde que foi posto em prática, em maio de 1948, foram destruídas cerca de 500 dessas aldeias e expulsos 800 mil palestinos de suas terras.
Era necessário simultaneamente promover ondas de imigração de judeus para lá e expulsar os habitantes nativos para garantir uma maioria judaica naquelas terras – até 29 de novembro de 1947, ano em que a Assembleia Geral das Nações Unidas recomendou a partilha da Palestina em um estado judeu e um árabe, sem consulta aos habitantes, o percentual de judeus não passava de 30%. Isso mesmo após ondas de imigração. Iniciadas ainda no final do século XIX, ano em que surge o movimento sionista, cujo pai foi o austríaco chamado Theodor Herzl, buscavam assegurar a colonização da terra e a conquista do trabalho, com a recusa de emprego a palestinos.
Com o apoio decisivo da Grã Bretanha, que passou a deter o mandato sobre a Palestina como espólio da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), foi possível levar a cabo seu projeto. O uso do terrível Holocausto perpetrado na Europa durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) contribuiu para que uma nova injustiça e crimes contra a humanidade fossem cometidos, desta vez na Palestina. A partir daí, Israel viria a ter um novo aliado preferencial, os Estados Unidos, que se tornaram potência desde então. Os governos árabes, aliados do imperialismo, também são cúmplices da nakba, como apontado pela história. A comunidade internacional, responsável por essa tragédia, precisa ser denunciada pela sua continuidade. Retórica excessiva, mas ação não efetiva ou nenhuma diante das arbitrariedades cometidas cotidianamente por Israel são o pano de fundo para essa nova onda de massacres em Gaza.
O pretexto e os fatos
O pretexto desta vez foi a morte de três jovens colonos na Cisjordânia, território palestino ocupado militarmente por Israel também em 1967. A despeito de o Hamas ter negado ser responsável e a morte dos adolescentes estar cercada de incertezas, Israel condenou toda a população de Gaza a uma punição coletiva. O que a grande mídia não divulga é que – como nas ofensivas anteriores -, os antecedentes couberam a Israel. Em maio último, matou a sangue frio dois jovens palestinos. Seus nomes: Nuwara Nadim e Muhammad Abu Al-Thahir. Eles compõem uma extensa lista de vítimas de crimes cometidos pelo estado sionista nos últimos meses e anos. O que também não se divulga é que os jovens judeus transitavam entre um assentamento ilegal e outro e foram mortos em uma região em que colonos fundamentalistas não raro atacam violentamente os palestinos. Em outras palavras, a responsabilidade por sua morte é de Israel, que os colocou lá para dar cabo ao seu projeto e vem disseminando a cultura do ódio – em uma região onde até 1948, segundo relatos de palestinos que viveram a nakba e eram crianças à época, “judeus, cristãos e muçulmanos” brincavam juntos, sem rótulos. Após a morte dos jovens judeus, teve início uma perseguição a palestinos na Cisjordânia – um deles, Mohammed Abu Khdair, de apenas 16 anos, foi queimado vivo após tortura.
Muitas casas foram invadidas e demolidas e a lista de presos políticos palestinos – que hoje somam cerca de 5 mil, incluindo crianças – tem crescido, sem qualquer comprovação de que tenham participado da ação, como também é praxe em Israel.
Na estratégia de continuidade da limpeza étnica do povo palestino, mais uma fracassada “negociação de paz” e a busca por destruir a unidade entre Fatah e Hamas também explicam os ataques a Gaza. Assim como uma crise interna no governo israelense. Como nas ofensivas anteriores, o ganho político está nos cálculos. Lamentavelmente, a maioria dos israelenses apoia essas ações criminosas, vendidas a eles como em sua defesa contra terroristas. Para garantir esse suporte, Israel tem sido hábil em sua propaganda de desumanização dos palestinos.
O que se vê, contudo, é um crescimento da indignação mundial, com centenas de manifestações ao redor do globo, e uma heroica resistência por parte dos palestinos, nas diversas partes do território. Há perspectivas de que a nova onda de massacres detone uma terceira intifada (levante). Num contexto de revoluções populares iniciadas no mundo árabe em final de 2010 e em curso – inspiradas na longa e heroica luta do povo palestino -, o novo levante pode ser o fermento para reanimar e expandir o movimento contra ditadores aliados do imperialismo em toda a região – os quais garantem a manutenção da ocupação e apartheid na Palestina. Manifestações gigantescas em solidariedade a Gaza no Iêmen, na Síria, no Egito, entre outros países, demonstram isso. A questão palestina é o epicentro.
Por outro lado, cresce também o movimento de boicotes, desinvestimento e sanções a Israel. No Brasil, a solidariedade ao povo palestino deve fortalecer esse chamado. O País se converteu no segundo maior importador de tecnologias militares de Israel nos últimos anos. As mesmas tecnologias utilizadas neste momento nos verdadeiros laboratórios humanos em que se converteram os palestinos de Gaza. É fundamental exigir do governo brasileiro a ruptura imediata desses acordos com Israel, bem como de relações diplomáticas.
É urgente isolar econômica e politicamente o estado sionista e cercar de solidariedade os palestinos. Se hoje o sentido é de uma emergência em relação a isso, assim como a limpeza étnica do povo palestino é um contínuo, é necessário que a solidariedade não se encerre após o fim desse novo massacre. Mas que continue até que a Palestina seja livre e se garanta o retorno dos 5 milhões de palestinos que vivem em campos de refugiados as suas terras e propriedades. Até que se faça justiça, o que somente se dará em um estado único, laico, democrático em toda a Palestina histórica, com direitos iguais a todos que queiram viver em paz com os palestinos.