Em um ano de Congresso conservador e governo acuado por denúncias e campanhas midiáticas pela sua desestabilização, uma conversa alentadora ocorreu no Ministério das Comunicações nesta quinta-feira (26/2). De um lado, uma delegação de mulheres envolvidas com o debate da mídia, explicando a urgência da regulação e diversificação do setor. De outro, o ministro Ricardo Berzoini, que se mostrou convencido de que será seu papel conduzir um processo político para atender essas demandas.
Durante uma hora, integrantes da Rede Mulher e Mídia e governo conversaram sobre o funcionamento dos meios de comunicação no País e seus efeitos sobre a vida e a imagem das brasileiras. A imensa maioria é ignorada, ridicularizada ou criminalizada, porque não se encaixa no padrão feminino que a programação alimenta, de objeto útil para vender carro, cerveja, cosméticos. A violência contra as mulheres é potencializada e naturalizada com a mídia. E não há política para promover de forma ampla outras vozes, outras mídias e democratizar o setor como um todo.
Se o conteúdo preocupa, a falta de regras para distribuir e fiscalizar as concessões – que pertencem ao estado e não às emissoras, é apontada como a causa principal das agressões. As TVs são distribuídas por interesses políticos não declarados, sustentadas com dinheiro público e administradas por interesses comerciais.
Berzoini falou de sua disposição em dialogar com os vários segmentos da sociedade que cobram ou temem mudanças. No início do mês, recebeu representantes do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) que defendeu a regulamentação dos artigos da Constituição de 1988 que democratizam a mídia, se aplicados. Ouviu também os radiodifusores, que querem saber qual a proposta do governo para o que vem sendo chamado de regulação econômica da mídia. Mudar o setor pelo enfoque econômico foi um compromisso da presidente Dilma Rousseff para este segundo mandato. Hoje, o sistema de comunicação é baseado em monopólios, oligopólios, propriedade cruzada e privilégios.
Apesar da afirmação do governo, nesses encontros, de que ainda não há proposta definida para regular o setor, as feministas lembraram o ministro que a proposta está pronta desde a 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom) de 2009, que entregou na época, ao Executivo e ao Congresso, as mesmas recomendações e exigências feitas agora pelo movimento.
Para transformar os resultados da Confecom em regras que democratizem a comunicação, será preciso enfrentar um Congresso com a composição mais conservadora do período democrático. Não há otimismo quanto ao Legislativo sob a presidëncia do deputado Eduardo Cunha (PMDB), declaradamente avesso às pautas minimamente progressistas da sociedade. As feministas querem um sistema de comunicação democrático e diversificado, que assegure voz às mulheres negras e homossexuais, que promova diversidade, produção regional, bem como os direitos das crianças e jovens. A Rede quer o fim da propriedade cruzada, a valorização e autonomia da mídia pública, em particular a Empresa Brasil da Comunicaçáo (EBC), que articula uma rede pública nacional. É preciso ainda fortalecer e fomentar as mídias livres, descriminalizar e apoiar as rádios comunitárias, criar um Conselho Nacional de Comunicação, que é fundamental para subsidiar políticas públicas do setor, com participação direta da sociedade.
Para levar o debate da regulação ao Congresso, o governo precisará fazê-lo com firmeza e vontade política e terá de contar com a mobilização social e muita articulação de parlamentares comprometidos com a preservação e avanço da democracia. É algo que só pode ser alcançado se as propostas do governo tiverem credibilidade junto aos movimentos sociais, com menos timidez ante o cerco da direita, motivarem o engajamento das mídias livres e puderem contar com a determinação das mulheres em mobilizar o apoio da população.
A Rede Mulher e Mídia foi representada no encontro por Terezinha Vicente, da Ciranda Internacional da Comunicação Compartilhada, Rachel Moreno, do Observatório da Mulher; Marcia Balades, da Liga Brasileira de Lésbicas; Mara Régia, do programa Viva Maria; Bia Barbosa, do Intervozes; Rita Freire, da Ciranda (e Conselho Curador da EBC) e Laisy Moriére, Secretária Nacional de Mulheres do PT.