Enterrado pelo Congresso, plebiscito da reforma política volta à tona

O objetivo de colocar na agenda nacional muito mais do que faz supor a única pergunta que os cidadãos irão responder na consulta, marcada para ocorrer entre os dias 1° e 7 de setembro: “Você é a favor de uma Constituinte Exclusiva e Soberana sobre o sistema político?”

Segundo a Secretaria Operativa Nacional do movimento, 373 entidades – movimentos sociais e sindicais, associações e partidos políticos – trabalham pelo plebiscito. Já foram criados cerca de mil comitês populares no país. Os ativistas que trabalham no movimento e, consequentemente, por uma reforma política ampla e com participação popular, não acreditam que mudanças significativas possam ocorrer no âmbito do Congresso Nacional.

“O conservadorismo dentro do Legislativo impede que existam mudanças com esse caráter de ampliar a participação popular. Eles até têm propostas de reforma política, mas não com participação popular. A única forma de criar essa participação popular é através de um processo pedagógico. É por isso que os movimentos sociais constroem essa ferramenta do plebiscito popular”, explica Alberto Marques, integrante do Levante Popular da Juventude de São Paulo. “A proposta do plebiscito, originalmente, foi da presidenta Dilma, em junho do ano passado, quando a juventude brasileira saiu às ruas para pressionar por mudanças na política, mas o Congresso Nacional rechaçou essa proposta.”

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Além do “gancho” da proposta da presidenta Dilma Rousseff, os militantes se inspiram nas manifestações do ano passado, a partir das quais foi proposto o plebiscito, claramente boicotado no Legislativo. Na época, a presidenta apresentou cinco tópicos a serem decididos em plebiscito: a forma de financiamento de campanhas a ser adotado; definição do sistema eleitoral; continuidade ou não da existência da suplência no Senado; manutenção ou não das coligações partidárias; fim ou não do voto secreto no Parlamento.

A consulta popular de setembro não tem caráter oficial. A convocação de um plebiscito é, de acordo com a Constituição Federal de 1988, competência exclusiva do Congresso Nacional.

Porém, a avaliação dos movimentos é de que uma representação real da sociedade brasileira no Congresso, com negros, mulheres, indígenas e jovens, somente pode ser concretizada pela reforma política feita por um parlamento eleito exclusivamente com esse fim.

A intenção é conseguir mais de 10 milhões de “votos”, número atingido pelo plebiscito popular realizado em 2002 contra a adesão do Brasil à Área de Livre Comércio das Américas (Alca). A iniciativa, de 12 anos atrás, é considerada pelos ativistas a principal referência. Na ocasião, 98% disseram não à assinatura do acordo de interesse dos Estados Unidos, descartado em 2005 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Embora o movimento seja amplo e, por isso, muitas entidades tenham sugestões para uma reforma política, existem cinco pontos considerados consensuais e que teriam, para o movimento, necessariamente de ser introduzidos no país por mudanças a partir de uma Constituinte exclusiva, caso ela venha a funcionar de fato: financiamento público exclusivo de campanhas eleitorais; voto em lista fechada e pré-ordenada; paridade de gênero nas listas partidárias; fim das coligações proporcionais – que permites nos estados coligações contraditórias à estabelecida em plano nacional; e ampliação dos mecanismos de democracia participativa (neste caso, a própria competência de se convocar um plebiscito seria ampliada, já que o Congresso, detentor dessa prerrogativa, não é mais considerado um parceiro confiável da sociedade civil).

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Para os organizadores, as coligações proporcionais são um exemplo das contradições do sistema político brasileiro. Em São Paulo, por exemplo, o PSB é coligado ao PSDB; no Rio de Janeiro, ao PT. Assim, uma votação expressiva de um candidato a deputado federal pelo PSB em cada estado pode ajudar a eleger petistas no Rio e tucanos em São Paulo. Uma possibilidade que “deseduca” os cidadãos a identificar os programas dos partidos e dos candidatos antes de se decidir.

O financiamento público exclusivo de campanhas é o primeiro a ser mencionado praticamente por dez entre dez militantes em qualquer ato político pelo plebiscito, como o que ocorreu no dia 12 em São Paulo. “As mudanças verdadeiras não vão ser feitas por esse Congresso das empreiteiras e do fundamentalismo religioso. Precisamos acabar com o financiamento privado de campanhas”, discursou na ocasião Thiago Aguiar, do Movimento Juntos.

Não é por acaso que o financiamento privado das campanhas políticas é considerado a mais nociva fonte de corrupção decorrente do atual processo eleitoral brasileiro. “Temos de esclarecer o eleitor que a corrupção, muitas vezes, nasce da obrigação dos eleitos de retribuírem aos financiadores aquilo que receberam na campanha e que a moralização do processo eleitoral passa pela sua desprivatização e por tornar a atividade partidária e eleitoral uma atividade pública”, afirma o deputado federal Renato Simões (PT-SP).

“O financiamento privado assegura ao poder econômico a influência sobre o poder político. Isso faz com que as empresas elejam seus candidatos. Quem paga a banda, escolhe a música. (Os políticos) são eleitos por doações que, na verdade, não são doações, são investimento. A empresa investe numa campanha e depois cobra um retorno muito grande que compromete os interesses do povo no Legislativo”, acrescenta Marques, do Levante Popular da Juventude.

Gigantes como Camargo Corrêa, OAS, Andrade Gutierrez, Gerdau, Bradesco, Itaú/Unibanco, Santander, Friboi, Ambev e Votorantim são algumas das empresas que mais contribuem com as campanhas eleitorais.

Segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em 2010 o gasto com a campanha de um deputado federal era, em média, de R$ 1,1 milhão. A estimativa subiu para R$ 3,6 milhões em 2014. Para um senador, o gasto foi de R$ 4,5 milhões para R$ 5,6 milhões.

De acordo com dados divulgados durante os votos do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI n° 4.650) no Supremo Tribunal Federal, os gastos totais das eleições de 2002 para presidente da República, governadores, deputados e senadores foram de R$ 827 milhões. Em 2010, os valores chegaram a assombrosos R$ 4,9 bilhões.

Julgamento no STF

A questão do financiamento privado de campanhas está justamente em julgamento no STF na ADI n° 4.650. A ação foi ajuizada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). A maioria do Supremo já considerou inconstitucional a previsão de doações de empresas privadas a partidos e candidatos no processo eleitoral. O placar está em 6 votos a 1 pela proibição dessa possibilidade e poderia, no máximo, chegar a 6 a 5, caso os demais restantes sejam contra o relatório vencedor do ministro Luiz Fux.

O problema é que o julgamento foi suspenso por pedido de vista do ministro Gilmar Mendes, no dia 2 de abril. Isso não seria mais do que um aspecto regimental, comum no STF, se o julgamento não fosse de um tema de tamanha importância e o ministro fosse outro que não Mendes. Como, se confirmada a decisão de proibir o financiamento privado, ela não valeria para este ano, a intenção do ministro seria, no mínimo, evitar a discussão do tema em pleno processo eleitoral de 2014. Nesse caso, ele liberaria o processo entre outubro e novembro.

Renato Simões vê intenções mais preocupantes no pedido de vista, até porque Mendes não tem prazo para devolver o processo ao plenário. “A manobra de Gilmar Mendes pode ter por objetivo que o próximo Congresso, em 2015, legalize, por meio de uma emenda constitucional, o financiamento privado. É uma manobra protelatória para impedir a decisão do Supremo até que seja aprovada uma PEC que legalize o financiamento privado”, acredita. “Por isso, temos de cobrar que o ministro Gilmar Mendes devolva o processo. Isso é uma burla da vontade do Judiciário. É uma manobra que agrava a credibilidade do ministro e da própria corte, na medida em que uma chicana jurídica impede que a maioria dos membros prevaleça em nome do interesse privado.”

Até o pedido de vista, votaram pela inconstitucionalidade de doações privadas às campanhas os ministros Luiz Fux (relator), Luís Roberto Barroso, Joaquim Barbosa, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio Mello e José Antonio Dias Toffoli. O único voto contrário foi de Teori Zavascki. Faltam votar Gilmar Mendes (que já se sabe que votará contra a OAB), Rosa Weber, Cármen Lúcia e Celso de Mello.

Mulheres

Tirando os cinco pontos consensuais (financiamento público exclusivo, voto em lista fechada e pré-ordenada, paridade de gênero, fim das coligações proporcionais e ampliação da democracia participativa), há questões ligadas às bandeiras específicas dos movimentos sociais, como maior participação de mulheres, mas também de negros e jovens, no Congresso Nacional.

“Esses cinco pontos são consensuais dentro da campanha, mas cada movimento tem algumas pautas específicas. Achamos que numa reforma política teria muita importância a questão do estado laico. No Brasil, o estado é laico no papel, mas, na prática, tem muita dificuldade de fazer valer isso”, diz Maria Júlia Monteiro, militante da Marcha Mundial das Mulheres.

Segundo ela, a paridade de gênero na legislação eleitoral forçaria que os partidos pensassem na formação de quadros políticos femininos. “É preciso preencher espaços e, para isso, formar mulheres. Quando se institui a paridade, existe a obrigação de formar mulheres para fazer política, tanto nas organizações como nos partidos”, avalia.

Para Maria Júlia, a sistemática para se instituir a paridade na eleição seria com lista partidária fechada e pré-ordenada e, além disso, com alternância de gênero. “Se o primeiro candidato da lista é um homem, a segunda é uma mulher e assim por diante, para garantir a eleição das mulheres da lista”, explica.

“Com a lista pré-ordenada, garantimos não só que as mulheres sejam candidatas, mas que sejam eleitas. Se o partido não tiver número significativo de mulheres, vai ter que reduzir o número de homens”, diz Renato Simões. “Isso é uma política afirmativa que exige que os partidos levem a sério a participação política das mulheres.”

Segundo números que têm sido divulgados pela senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), em 2014 foram cadastrados, para todos os cargos nas eleições, 13.642 candidatos no TSE, dos quais apenas 3.955 (28,99%) são mulheres. Dos 118 candidatos a governador, 15 são mulheres. Atualmente, dos 26 governadores dos estados e no Distrito Federal, apenas duas são do sexo feminino: Roseana Sarney (pelo PMDB do Maranhão) e Rosalba Ciarlini (DEM do Rio Grande do Norte).

Comunicações

Para o coletivo Intervozes, além dos pontos consensuais, o principal tema a se considerar numa reforma política no Brasil é o estabelecimento de regras que proíbam que políticos sejam donos de concessões de rádio e TV, o que deturpa radicalmente o processo político eleitoral. “Hoje, nós temos o artigo 54 da Constituição federal, que diz que deputados e senadores não poderão firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público, mas a interpretação atual do Ministério das Comunicações sobre isso é de que vale apenas para os cargos de direção nas emissoras de rádio e TV, e também alega não haver uma diretiva específica para isso. O artigo 54 é um pouco vago e propício a interpretações”, explica Ana Claudia Mielke, do Intervozes.

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A interpretação do coletivo é de que as concessões de rádio e TV para políticos ferem o artigo 54. “Por isso, junto com o Psol, entramos com a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n° 246, no STF, em 2011. O parecer do STF foi de que havia problemas processuais na nossa ADPF e, por isso, não foi possível julgá-la, mas eles apontaram para a concordância com o mérito da ação e estamos reescrevendo para apresentá-la novamente”, destaca Ana Claudia.

Fonte: Rede Brasil Atual

Autor: Eduardo Maretti

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