Contra a barbárie, lutar por outro amanhã aos palestinos

“A ocupação nos privou do belo mistério que poderia ter sido nosso amanhã.” Com essa frase, o poeta palestino Mourid Barghouti define em seu livro “Eu vi Ramallah” a trágica realidade imposta por Israel aos palestinos.

Para além da usurpação de terras e expulsão cotidianas a que está submetida há mais de 67 anos – desde a nakba (termo árabe que significa catástrofe e é usado como referência à criação do Estado de Israel mediante limpeza étnica do povo palestino, em 15 de maio de 1948) –, essa população vivencia a persistente tentativa de aniquilação da possibilidade de um futuro livre de apartheid e ocupação. Representação disso é a barbárie cometida pela ocupação sionista contra crianças.

Exemplo recente é o assassinato no dia 31 de julho último de Ali Dawabsha, o bebê palestino de apenas 18 meses que foi queimado vivo pela ação de um colono israelense na aldeia de Duma, em Nablus, Cisjordânia – o pai, Saad, faleceu uma semana depois, também vítima das graves queimaduras. O trágico destino de Ali ganhou as manchetes internacionais e valeu a condenação mundial – inclusive e hipocritamente de um dos responsáveis pelos crimes cometidos cotidianamente contra os palestinos, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu.

A tenebrosa lista de atrocidades contra crianças não para de crescer. Para se ter uma ideia, segundo texto publicado em junho de 2013 no Middle East Monitor, estatística oficial demonstrava que, entre aquele ano e 2000 (início da Segunda Intifada, levante que durou até 2004), a média era de uma criança morta a cada três dias na Palestina pelas forças de ocupação. Há vários relatos de menores assassinados com tiros na cabeça durante manifestações contra o apartheid e o avanço da colonização na Palestina.

Em Gaza, desde o ínicio do bloqueio desumano imposto por Israel em 2007 até 2012, o número de menores mortos devido a ataques israelenses era de 605 e de feridos, 2.179. Sua desumanização por parte das forças de ocupação israelenses ficou evidenciada ao final de 2008/2009, durante os massacres à população de Gaza: uma camiseta usada por militares sionistas retratava uma mulher grávida como alvo, com os dizeres: “um tiro, duas mortes”. Naquele período, das 1.400 vítimas fatais, 353 eram crianças. Na mais recente ofensiva a Gaza de larga escala, entre julho e agosto de 2014, das cerca de 2.200 vítimas fatais, 558 eram crianças. Na estreita faixa, crianças com sete anos de idade já enfrentaram três bombardeios.

Prisões e desnutrição

Além das mortes, as crianças palestinas são submetidas a toda sorte de humilhação e maus tratos por Israel. Segundo dados da organização palestina Addameer (Associação de Direitos Humanos e Apoio aos Prisioneiros), anualmente, são levados às cortes militares israelenses cerca de 700 menores palestinos de 18 anos, geralmente sob acusação de jogarem pedras em tanques do exército ocupante – cuja punição pode chegar a 20 anos, pela “lei militar de Israel”. Essas crianças são interrogadas a portas fechadas, sem presença de advogado ou familiares, e relatam abusos de toda ordem e maus tratos. Ameaças de estupro como forma de arrancar confissões são comuns. Desde 2000, mais de 8 mil menores foram presos pela potência ocupante. Atualmente, há 194 em dois cárceres israelenses.

Em Gaza, o bloqueio tem resultado em desnutrição e uma série de problemas de saúde inclusive às crianças (que perfazem quase metade da população local de 1,8 milhão de habitantes). Relatório de 2012 intitulado “Gaza´s Children – Falling Behind – The Effect of the Blockade on Child Health in Gaza”, divulgado pelas organizações Save the Children e Medical Aid for Palestinians, indica que 10% das crianças com menos de cinco anos sofrem de anemia e a maioria enfrenta desnutrição crônica (58,6% em idade escolar e 68,1% entre nove e 12 meses de idade, além de 1/3 das mulheres grávidas).

Desumanização

Em seu livro “A questão da palestina”, o intelectual palestino Edward Said afirma que a construção ideológica sionista funda-se na construção de um “Ocidente” civilizado (com o qual Israel se identifica) em contraposição a um “Oriente” atrasado e bárbaro (em que se inseririam os árabes em geral). Presente inclusive no sistema educacional israelense, como demonstra Nurit Peled, em seu livro “Palestine in Israel Schoolbooks”, essa distinção prevalece e serve à desumanização que permite que se cometam atrocidades inclusive contra crianças palestinas.

As violações também à população infanto-juvenil são parte da política sionista desde sua origem. Relatos de sobreviventes da nakba dão conta de que em aldeias como Deir Yasin, próxima de Jerusalém – onde ocorreu um dos massacres mais conhecidos à época, em 9 de abril de 1948 –, nem mesmo bebês foram poupados. Pelo contrário, os paramilitares sionistas chegaram a abrir o ventre de mulheres grávidas a faca, a sangue frio.

Essas ações bárbaras serviram como propaganda à expulsão de palestinos em aldeias vizinhas no período. Em seu projeto de constituição de um estado homogêneo judeu na Palestina, os sionistas distribuíam panfletos em que ordenavam que as pessoas deixassem suas terras e casas rapidamente, senão seriam massacradas, a exemplo dos habitantes de Deir Yasin.

Após a expulsão dos palestinos, era necessário aniquilar sua identidade e vínculo dos que nasceriam como refugiados com a terra de seus ancestrais. Essa foi a aposta do sionismo, como comprova a célebre frase de um dos arquitetos da limpeza étnica do povo palestino e primeiro-ministro de Israel em 1948, David Ben Gurion. Ele afirmou: “Os velhos morrerão, os jovens esquecerão.” Uma visita a um campo de refugiados é suficiente para concluir que ele estava errado. Crianças que nunca pisaram na Palestina preservam sua identidade e a certeza de que a terra é delas.

O frio assassinato é a face mais cruel, mas não a única e vai ao encontro do projeto sionista de manter Israel como Estado judeu, homogêneo, e expandir suas fronteiras a toda a Palestina histórica. Além da preservação da identidade, o nascimento de crianças palestinas em meio a uma ocupação criminosa é também considerado resistência e vem ameaçando os planos sionistas. Atualmente, entre os israelenses e os palestinos que vivem nos territórios de 1948 (hoje Israel) e de 1967 (Cisjordânia, Gaza e Jerusalém Oriental), já há equiparação demográfica – a despeito da limpeza étnica dos palestinos e imigrações sobretudo da Europa ao longo de mais de 67 anos que permitiram a reconfiguração da sociedade local. Entre os refugiados vivendo em campos a um raio de 150km da Palestina histórica, são 5 milhões. Sua resistência a serem apagados do mapa, assim como sua bravura demonstrada diante da ocupação são a certeza de que o sionismo vem falhando em sua busca por destruir o amanhã aos palestinos. As palavras do poeta Tawfic Zayyad resumem o sentimento transmitido de geração a geração: “Não iremos embora… Aqui, temos um passado e um presente. Aqui está nosso futuro.”

Diante de atrocidades como a cometida contra o bebê Ali Dawabsha, é preciso se inspirar em um povo que não perde a esperança. Pelo contrário, transforma-a em resistência heroica, demonstrada desde a infância em simples atos como ir à escola e enfrentar diariamente a passagem por postos de controle na Cisjordânia. É preciso assim, no Brasil e no mundo, transformar a indignação em solidariedade ativa, fortalecendo campanhas centrais como a de Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS) a Israel. Ampliar o movimento contra a ocupação e o apartheid sionistas é fundamental para dar um basta à barbárie. A unidade de ação demonstrada no Brasil e em várias partes do globo durante a invasão de Israel ao Líbano em 2006 e os ataques a Gaza – em 2008/2009 e 2014 – precisa ser perene e intensificada.

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