Conto um pouco do que aconteceu de ontem para hoje na estação de Keleti.
Depois que o primeiro grupo partiu ontem em marcha, o governo húngaro, acabou liberando em torno de cem ônibus para levar até a fronteira da Áustria os que ficaram em keleti. Por volta das duas da madrugada, a estação estava completamente vazia. Haviam partido às pressas nos ônibus, deixando brinquedos, roupas, cobertores, comida e barracas para trás. Admito que bateu uma tristeza ao ver tudo jogado e vazio, como se fosse o dia seguinte de uma grande festa. Claro que foi o melhor para eles, mas me sentia desamparado depois de dias tão intensos e hiperestimulantes.
Quando voltei hoje pela manhã, os funcionários da estação já haviam limpado quase tudo com jatos de água. Os banheiros tinham sido retirados, o ponto de água estava desligado e o posto do “Imigration aid” já estava desocupado. Pensei que era o fim e que tudo voltaria a normalidade, até que, por volta das dez da manhã, começaram a aparecer mais refugiados vindos dos campos. Cerca de quinhentas pessoas (pelo menos até o momento que estive ali – alguns amigos me disseram que foram dois mil) irromperam de dentro da estação de metrô, trazendo novamente o ruído, as crianças, as mochilas, os sacos de dormir e, dessa vez, um sorriso de esperança. Encheram novamente a estação e com eles, uma quantidade ainda maior de voluntários independentes apareceu, trazendo água, engradados com maçãs, roupas, sapato, brinquedos.
Isso me chamou um pouco a atenção. Especialmente, porque começaram a aparecer funcionários aparentemente contratados trazendo doações. Uma caridade um pouco estranha. Balões de gás com marca de loja de informática, cestas de comida com o símbolo de uma rede odontológica, animadores de festa uniformizados. Me parecia agora um segundo tempo com merchandise.
Enquanto filmava a entrada dessa nova leva, um voluntário que distribuía comida me perguntou de onde eu era e depois de ouvir a resposta começou a falar mal da imigração. “Eu ajudo não sei porque, acho que é vício. Como eu tenho vício em beber” – disse, me mostrando a lata de cerveja que trazia. A princípio, não quis dar muito atenção ao que ele falava, mas ele insistia em provar que aquilo não era certo. Me pareceu a coisa mais contraditórias do mundo. No final, para tentar livrar-me dele, acabei argumentando sobre os húngaros refugiados da segunda guerra, o que pareceu acalmá-lo um pouco.
Mas a nova leva que chegou a Keleti também não ficou por muito tempo. Tão logo chegava, partia. Muitos, em marcha, como o grupo do dia anterior. Estavam ansiosos para ir embora. Deixei a estação por volta das duas da tarde para repousar, devido a gripe que me atacou. Soube por amigos, entretanto, que, percebendo que era em vão resistir, a companhia de trens liberou linhas especiais para levar gratuitamente os refugiados até a fronteira. Às nove da noite, saiu o primeiro trem com refugiados em direção a Áustria. Houve aplausos e comoção. Vamos ver no que isso vai dar.
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Quanto a estas fotos de agora (no facebook): não são minhas. Como não tenho forças nem para levantar da cama, não pude capturar nenhum frame do que filmei hoje. Mas achei importante ilustrar. As fotos são da agência 24.hu. O mais legal foi descobrir essa fonto onde apareço com as crianças, feita por Ditte Foto.