Cenas da estação de Keleti – o êxodo

Vamos lá, atualizando as informações sobre os refugiados em Keleti.

Ontem, depois da reabertura da estação e da partida do primeiro trem para a Alemanha abarrotado de refugiados, soube-se rapidamente que se tratava de uma armadilha do governo húngaro.

Não sei se o presidente Viktor Orbán tem noção do quão desumana foi essa estratégia de tentar levá-los à força até o campo de refugiados. Acontece que o trem que saiu da estação ontem por volta das onze da manhã não seguiu para Alemanhã, mas desceu ao sul, em direção a Bicske.

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No meio do caminho, o trem deteve-se e a polícia começou a tentar transferi-los para ônibus que os levariam aos campos. Apesar dos esforços e da truculência, homens e mulheres se agarraram aos vagões e aos trilhos e não foi possível retirá-los dali.

Uma cena antológica roda a internet, em que um pai agarra-se com os dentes à manga de sua esposa, tentando evitar ser separado dela e de seu filhinho de colo. Uma cena que até alguns dias não me parecia ser possível acontecer na Europa de hoje. Qualquer semelhança a fatos não tão distantes no tempo não me parece exagero. Aliás, segundo um amigo húngaro, esse campo para onde eles seriam levados, tinha sido um campo de trabalho forçado de judeus no período nazista.

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Pelo que me informaram, até agora o trem continua parado no meio do caminho. Os refugiados que permaneceram em Keleti souberam rapidamente o que se passou e não subiram nos trens seguintes.
….

Hoje pela manhã, voltei à estação e filmei um pouco das crianças brincando. Um homem me perguntou se não queria vender minha bicicleta. Tinha a idéia de ir pedalando até a fronteira.
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Por volta do meio dia, um grupo de sírios começou a caminhar pela estação com um megafone convocando os que estavam deitados. Um deles se aproximou e me disse que já nao queriam mais esperar depois de tantos dias sem trens e que iriam andando até a fronteira com a Áustria.

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O que me pareceu algo absurdo naquele momento e que, admito, me fez duvidar de que eles realmente o fariam (afinal, estamos falandod e 240km de marcha), se converteu diante dos meus olhos em uma das cenas mais extraordinárias que já presenciei. Um grupo de duas mil pessoas se pôs em marcha, partindo da estação e atravessando a cidade. Nesse momento, pude ter uma idéia do que deve ter sido o êxodo bíblico. Era gente que não acabava mais. Uma fila que se estendia de Keleti até Blaha Luiza Tér (algo em torno de cinco quarteirões largos) e que parou completamente o trânsito.

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Crianças, mulheres, homens de todas as idades. Na frente, um senhor era levado em cadeira de rodas. Logo apareceram dezenas de carros de polícia e se puseram a acompanhá-los. Atravessaram o Danúbio numa marcha silenciosa e subiram a colina em direção ao norte. Ali os deixei

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. Caminhando de volta para Keleti, onde muitos ainda permaneceram (cerca de tres mil), encontrei com alguns “retardatários” esparsos (provavelmente outros tantos descrentes como eu) perguntando em que direção haviam ido. Um deles me perguntou em tom jocoso “você não vem?”. Respondi no mesmo tom que estava cansado, mas a verdade é que tinha somente a câmera, alguns forints no bolso e nenhum documento. Eu poderia chegar bem longe com eles, mas não teria como voltar.

Já em Pest, passou por mim uma velhinha, a última retardatária. Andando curvada e muito lentamente, com a ajuda de voluntários para manter-se de pé, seguia o grupo já com um quilômetro de distância.

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Não creio que ela tenha conseguido ir muito longe. E, posso dizer que ver essa senhora e seu esforço me partiu o coração. Muito mais que as crianças, muito mais que o homem mordendo a manga de sua esposa, muito mais que a mulher grávida que conheci e me disse como foi espancada pela polícia na fronteira.


Seguem mais frames do que filmei hoje.

P.s. Uma amiga acaba de informar-me de rumores de grupos neo-nazis indo em direção a Keleti. Partindo para lá.


Atualizando

– Até agora a coisa dos grupos neonazis se mostrou um boato.

– O governo húngaro informou que vai enviar 100 onibus para levar os refugiados em marcha até a fronteira. Não sei se os refugiados estão dispostos ainda a confiar na “humanidade” desse governo.

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