Inaugurado em 2001, em Porto Alegre (RS), como alternativa à construção de outro mundo possível, o Fórum Social Mundial (FSM) acontece neste ano em Túnis, capital da Tunísia, entre 24 e 28 de março. Nesta edição, aponta para o desafio de aglutinar os movimentos de todo o globo em torno de lutas comuns e incidir politicamente sobre as decisões que afetam os cidadãos em todo o planeta. É o que afirma ao Engenheiro o diretor executivo da Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (Abong) e coordenador da ONG Vida Brasil, Damien Hazard, membro do Conselho Internacional (CI) do FSM. Segundo explicou ele, com o intuito de ampliar a presença brasileira nesse processo, ainda tímida, realizou-se em Salvador (BA), entre 22 e 24 de janeiro, seminário preparatório ao fórum, que contou com 235 participantes de 130 organizações e foi acompanhado online por 400 pessoas.
Como está o processo de preparação do FSM?
Estamos num processo de mobilização nos vários continentes. Já aconteceram diversos eventos preparatórios, por exemplo agora em Salvador. Entre 13 a 15 de fevereiro, vai haver uma reunião em Casablanca, no Marrocos, e um seminário técnico internacional do CI sobre a metodologia do FSM 2015. Uma delegação de pessoas do Conselho Internacional foi para a Grécia, depois da chegada de um governo de esquerda. Até dia 31 de janeiro, estavam abertas as inscrições para atividades e estamos num processo de aglutinação dessas, inclusive culturais, numa perspectiva horizontal, autogestionada.
Quantas atividades estão inscritas até agora e de que países?
Até agora, tem quase mil atividades inscritas, a maioria da Europa, Norte da África e África subsaariana. Apenas 3% são da América Latina, um número muito pequeno. A expectativa é de que o seminário em Salvador tenha desencadeado uma série de inscrições por parte das organizações brasileiras. Esse foi mais um passo na mobilização e principalmente no processo de convergência das atividades, com a presença de movimentos muito diversos, rurais, urbanos, mais tradicionais na sua forma de representação e também novos que participaram notadamente das manifestações de junho de 2013, como o Passe Livre e o Levante Popular da Juventude. A previsão do FSM é chegar a mais ou menos 1.200 atividades. A ideia é construir atividades conjuntas, por isso, a delegação brasileira está propondo quatro atividades fundamentais sobre os temas: enfrentamento ao racismo, à xenofobia e reparações; democracia participativa; agenda pós-2015 e o objetivo do desenvolvimento sustentável (que é o atual processo de negociação nas Nações Unidas); e democratização das comunicações por meio do Fórum Mundial de Mídia Livre. Além disso, outras serão puxadas por uma parte das organizações, a exemplo dos movimentos das pessoas com deficiência e saúde mental e do direito à cidade.
Qual a importância ainda hoje do FSM e da realização no Norte da África, em especial na Tunísia que passou por um processo revolucionário?
Mesmo que haja dúvidas sobre a capacidade de incidência política do fórum, um tema que está sendo debatido, ele continua se afirmando como o maior encontro da sociedade civil planetária. E vamos ter várias iniciativas de articulações internacionais, por exemplo o Fipam, Fórum Internacional das Plataformas de ONGs, que fará sua assembleia geral um dia antes da abertura do FSM. Vários fóruns paralelos vão também acontecer e assembleias de movimentos. Será no Norte da África porque esse é, nos últimos anos, um dos focos da dinâmica mundial dos movimentos sociais que está trazendo sementes de emancipação e do processo mais revolucionário, questionando a ordem neoliberal e capitalista. A Tunísia foi o país precursor da primavera árabe e hoje é o mais promissor em relação ao fortalecimento da democracia na região. Esse dinamismo da sociedade civil faz com que a chama da utopia continue viva.
Durante o seminário em Salvador, muitas vezes se falou da importância da mídia livre. Entre os fóruns que antecedem o FSM, como você já citou, haverá o Mundial de Mídia Livre (FMML) nos dias 22 e 23 de março. Qual a importância desse espaço?
É fundamental, porque trabalha uma questão central para todos os movimentos e a humanidade, a democratização das comunicações. O FSM hoje passa também por certa crise de visibilidade, pelo fato de a mídia comercial no mundo não repercutir esse processo. Isso de certa forma é compensado pela mídia alternativa, precisamos fortalecer esses espaços, para alcançar outro patamar de comunicação no mundo.
Quais as perspectivas com esse FSM de avanço nas lutas gerais?
O FSM tem como desafios muito grandes uma maior articulação dos movimentos, particularmente entre os mais tradicionais e os novos. Está se pensando na realização de um grande seminário pós-FSM com a presença de lideranças do mundo inteiro desses movimentos para voltar a refletir sobre o impacto e a capacidade de incidência política do fórum. Outra questão é refletir sobre uma nova simbologia do FSM, que se descolou do Fórum Econômico Mundial de Davos. Está em discussão a possibilidade de realização de um evento ao mesmo tempo, em oposição. Temos ainda desafios nas relações com os governos. Nos últimos anos, vários filhos e filhas do FSM conseguiram acessar o poder através das urnas, apoiados pelos movimentos, implementaram políticas públicas propostas dentro desse processo, mas a experiência mostra, principalmente na América Latina, que isso não significou a superação do capitalismo. Representa para os movimentos sociais novos desafios, como ter maior incidência política de modo a derrubar alguns aspectos de governança extremamente conservadora, em especial quanto à política econômica. O FSM deve aprofundar as alternativas de outra economia.