Anvisa sinaliza apoio para acelerar protocolos de pesquisas com fosfoetanolamina

Ciranda – Cinco cientistas de três universidades públicas envolvidos no desenvolvimento da fosfoetanolamina sintética pediram, em audiência pública, realizada ontem no Senado Federal, em Brasília, apoio para que a substância possa passar pelos testes clínicos a fim de comprovar sua eficácia. Vários pacientes em tratamento com as cápsulas, até mesmo em estágio terminal, apresentaram depoimentos de melhoras com o uso da substância, que ainda depende da regulação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

A fosfoetanolamina ganhou o noticiário nacional após a decisão judicial que liberou a sua distribuição a pacientes com câncer que recorreram à Justiça.

A Anvisa, o Ministério da Saúde e o Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) – entidades envolvidas no desenvolvimento de medicamentos ou de compostos – sinalizaram, na audiência, apoio aos procedimentos necessários para liberação da substância em larga escala.

O projeto começou há cerca de 20 anos e envolve cientistas da Universidade de São Paulo (USP) – de São Carlos e do Butantan – e da UNIESP de Bauru.

A pesquisa sobre a fosfoetanolamina já contou com o fomento de agências como a Capes, o CNPq e a FAPESP e, ao longo dos anos, teve a participação de vários bolsistas de pós-graduação, o que faz que a equipe total envolvida no projeto chegue a cerca de 20 pesquisadores, conforme relatou o biomédico do Instituto Butantan, Durvanei Augusto Maria, que orienta oitos estudantes em seu laboratório.

O presidente da Anvisa, Jarbas Barbosa da Silva Júnior, disse que a instituição se dispõe a colaborar para acelerar o processo de análise dos protocolos dos testes clínicos para comprovar a verdadeira eficácia do produto e a segurança de que a sustância não fará mal aos voluntários e também aos pacientes em uma eventual liberação comercial do uso em larga escala. Esses testes clínicos geralmente são realizados por laboratórios independentes e regulados pela Anvisa.

Prioridade

O presidente da Anvisa prometeu dar prioridade à análise dos testes clínicos realizados com o uso da fosfoetanolamina “por se tratar do desenvolvimento de uma inovação radical no Brasil”. Acrescentou que o estudo dessa substância preenche dois critérios de prioridade: é um medicamento novo e é destinado a uma doença gravíssima. Dessa forma, analisou que a fosfoetanolamina passará a ser a primeira da fila da análise de protocolos de pesquisa da Anvisa.

“Faremos o possível para que dúvidas sejam retiradas, pesquisadores sejam esclarecidos e que consigamos fazer os ensaios clínicos em condições adequadas”, avaliou Barbosa da Silva.

O presidente do Instituto Nacional do Câncer (Inca), Paulo Eduardo Xavier de Mendonça, que não quis entrar no mérito da fosfoetanolamina, se comprometeu em ceder a infraestrutura do órgão para colaborar na realização dos testes com humanos.

O titular da Anvisa entende que a concessão do registro de qualquer fármaco pela Agência Nacional precisa passar por uma análise rigorosa sobre a pesquisa e todos os testes realizados, e ainda o monitoramento pós-mercado, para verificar se há risco de eventos graves, adversos e raros, que podem ser identificados posteriormente quando o medicamento começar a ser produzido em larga escala, a exemplo do que aconteceu com o Vioxx, que foi retirado do mercado em 2004 após relatos de aumento de problemas cardiovasculares por pacientes em tratamento com o fármaco.

O presidente da Anvisa lembrou que as regras nacionais seguem o padrão internacional e os testes são obrigados a passar por três fases, processo que pode envolver de 15 a 30 mil pessoas voluntárias. Essa, aliás, é uma das partes mais onerosas da pesquisa no desenvolvimento de um novo medicamento.

Barbosa da Silva assegurou que o prazo máximo da Agência para análise de um protocolo de pesquisa, mesmo os mais complexos, está sendo cumprido em até 180 dias para liberação de um novo medicamento. Lembrou que a regulação da instituição, pelas regras atuais, prioriza a análise de toda pesquisa e ensaios clínicos para o desenvolvimento de fármacos nacionais.

As estatísticas apresentadas por palestrantes são de que no Brasil existem 55 mil casos de câncer, sendo que 12 mil estão em estágio terminal, mas que a morte de 40% desse total poderia ser evitada.

Anvisa reconhece consistência de pesquisas na fase pré-clínica

No caso da fosfoetanolamina, o presidente da Anvisa reconheceu a existência de pesquisas consistentes na fase pré-clínica da substância – com base no que os cientistas apresentaram na audiência – e também a importância da solicitação dos pesquisadores para que sejam realizados os ensaios clínicos “de maneira que podemos acelerar” a realização dos ensaios clínicos e a regulação pela agência brasileira. Barbosa da Silva disse, porém, que até o momento “não existe nenhuma solicitação de protocolos no órgão aguardando o registro” para a regulamentação da fosfoetanolamina.

Conforme relatos dos pesquisadores, foram realizados testes em camundongos e in vitro. O pesquisador Renato Meneguelo, mestre em Bioenergia pela USP e participante do projeto, não quis entrar no mérito da burocracia da Anvisa. Reconheceu, entretanto, que não foram apresentados ensaios clínicos controlados pela Agência.

“Faremos os testes clínicos para poder liberar para o fármaco para população, porque já temos os dados de que a fosfoetanolamina sintética pode controlar o câncer de verdade”, declarou Meneguelo que é também médico plantonista de posto do Sistema Único de Saúde (SUS) no Ceará.

Para ele, o sinal positivo da instituição de que vai colaborar “é um grande passo”. “Saio daqui (da audiência pública) satisfeito. Acho que, a partir de agora, com a boa vontade da Anvisa, sairão bem mais rápido esses testes clínicos”, analisou o médico.

Pesquisadores envolvidos na pesquisa que não quiseram se revelar disseram, porém, que as análises do projeto sempre foram levadas ao órgão. E, além disso, também buscaram o apoio de indústrias farmacêuticas – que não demostraram interesse por conta do baixo custo do produto: 60 cápsulas para uso mensal custam irrisórios R$ 1,20.

O cientista do Instituto Butantan, Durvanei Augusto Maria, falou que os modelos utilizados nas pesquisas pré-clínicas atendem aos requisitos da Anvisa para que novos compostos e novas fórmulas sejam validadas e que possam caminhar para as fases clínicas. Ele afirmou que a fosfoetanolamina tem um princípio que é diferente de todos os quimioterápicos e os trabalhos estão documentados em revistas indexadas da área médica, publicados, em grande parte, nos Estados Unidos e na Europa, além de um na França.

Efeitos científicos da fosfoetanolamina

Maria explicou que a fosfoetanolamina é um composto que atua em células tumorais e não age nas células saudáveis. “Aí está o grande mecanismo seletivo de um composto efetivo e que não causa danos colaterais”, disse. “A fosfoetanolamina é ciência. Não é garrafada, não é curandeirismo e nem falsa ciência. O Brasil faz ciência e é reconhecida internacionalmente”, declarou.

Segundo disse, os efeitos da fosfoetanolamina inibem o crescimento das células tumorais por meio de um mecanismo conhecido na biologia celular por “morte celular programada”. Ou seja, a célula tumoral na presença desse composto é capaz de morrer. “Ele seleciona o tipo de célula que deve ser atacada, diferentemente dos quimioterápicos, que matam indiscriminadamente qualquer tipo de célula que sai em proliferação”, declarou.

Apoio do Ministério da Saúde

O Ministério da Saúde anunciou, nesta quinta-feira (29), que vai criar um grupo de trabalho para estudar a questão da fosfoetanolamina e apoiar a realização dos estudos necessários para avaliar a eficácia da substância contra o câncer. O secretário de Ciência e Tecnologia, Adriano Miranda, declarou, na audiência pública, que o Ministério fará “uma força tarefa”, a partir de uma portaria publicada hoje, 30 de outubro, para fazer os estudos necessários, acelerar a caminhada e pensar na produção e na possibilidade de o medicamento ser distribuído no SUS.

Enquanto isso não for concluído, o secretário de C&T do Ministério preferiu não dar orientação sobre o uso da substância em questão. “Não podemos dar nenhum tipo de recomendação sobre deixar de fazer um tratamento que esteja instituído, por algo que esteja em andamento no sistema de saúde, seja público ou privado”.

Fosfoetanolamina na pauta da ciência internacional

O secretário de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, Jailson de Andrade, considerou relevante a substância ter pautado a mídia nacional e destacou que a ciência internacional também está de olho no assunto. Na audiência pública, fez questão de destacar a entrevista que concederia mais tarde, na quinta-feira, 29, a dois dos periódicos científicos internacionais. “Querem saber o que está acontecendo no Brasil com a fosfoetanolamina”, respondeu o secretário do MCTI que é também conselheiro da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).

Andrade disse que consultou seis dos mais importantes grupos de laboratórios de pesquisa do País para saber sobre como poderia acelerar a realização dos testes clínicos, de primeira e segunda fases, da fosfoetanolamina. “Já temos todo o panorama do que poderá ser feito, a velocidade que pode ter e o custo. O MCTI já se adiantou nessa parte, certamente trabalharemos juntos com o Ministério da Saúde”, declarou, afirmando também que o MCTI “está pronto para apoiar aos interessados em como escalonar a produção da substância”.

Segundo seus cálculos, os valores que devem ser investidos variam entre R$ 5 milhões e R$ 10 milhões, para a consolidação dos testes pré-clínicos. No caso de testes in vitro e com animais, a regulação é feita pelo Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (Concea), vinculado ao MCTI.

“Consultamos laboratórios do País que têm condições e pedimos uma estimativa de tempo e de custo. Esses laboratórios são de altíssima competência e já recebem recursos de outras agências de fomento”, declarou.

Andrade avalia que a importância da fosfoetanolamina para a ciência brasileira é considerável. “Mas é preciso fazer, de forma organizada, os testes pré-clínicos para garantir a segurança e eficácia; e os testes clínicos sobre como isso responde nos humanos. Acho que esses testes podem ser acelerados e a Anvisa reconheceu isso. O segundo desafio é garantir uma produção em larga escala e uma distribuição”, concluiu. A estimativa de conclusão desses estudos é de um ano e seis meses, no máximo.

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