O Brasil segue um quadro de vulnerabilidade de abrangência planetária. Estima-se que hoje haja somente 1% de áreas protegidas mundialmente, que representam 1,3 mil unidades, segundo o relatório A blueprint for ocean and coastal sustainability, da Organização das Nações Unidas (ONU).
Segundo o Índice de Saúde do Oceano do Brasil, divulgado em abril, na revista científica PLOS ONE, o país atingiu a pontuação 60, numa escala até 100, reiterando a realidade de poucas áreas protegidas sobre o mar. Os seguintes itens foram avaliados na extensão dos 17 estados da costa brasileira:
– Armazenamento de carbono (89)
– Proteção costeira (92)
– Biodiversidade (85)
– Produtos naturais (29)
– Turismo e recreação (31)
– Provisão de alimentos (36)
– Aquicultura (6)
A iniciativa foi coordenada pela pesquisadora Cristiane Elfes, do Departamento de Ecologia, Evolução e Biologia Marinha, da Universidade da Califórnia Santa Bárbara, EUA. O levantamento teve o apoio de especialistas de universidades norte-americanas e da Conservação Internacional (CI), com dados de 2012.
Mais um fator que pesa na questão da conservação é que a biodiversidade marinha brasileira ainda é pouco estudada. Há o registro de pouco mais de 1,3 mil espécies de invertebrados na costa sudeste, 1.209 espécies de peixes, 53 de cetáceos, além de peixes-bois e leões-marinhos, sete espécies de tartarugas-marinhas, como também de espécies de penípedes que aparecem em determinados períodos, com as baleias-jubarte e franca. As espécies de aves marinhas conhecidas, entre endêmicas e migratórias, chegam a pouco mais de 100. Nessa riqueza, estão inclusos os recifes coralíneos, que são os únicos no Atlântico sul, e 20 das 350 espécies mundiais se encontram aqui. Nos manguezais, há o registro de quase 800 espécies das mais variadas.
O problema por aqui se avoluma por se tratar de uma área literalmente de proporções continentais. A zona costeira brasileira (8,5 mil km), onde vivem cerca de ¼ da população, se encontra entre a foz do rio Oiapoque à do rio Chuí e abrange cerca de 400 municípios distribuídos em 17 estados, à oeste, até 200 milhas náuticas. Seus ecossistemas abrangem áreas alagadas e banhados, costões rochosos, dunas, estuários, lagunas, manguezais, marismas, praias e restingas. Ainda estão na área de proteção, o Atol das Rocas, os arquipélagos de Fernando de Noronha e São Pedro e as ilhas de Trindade e Martim Vaz, que ficam além deste limite. Já a parte marinha é compreendida em 3,5 milhões de km2.
O Ministério do Meio Ambiente (MMA) chegou a fazer um levantamento em 2006, no qual selecionou 608 diferentes áreas de prioridade de conservação costeira e marinha no país, sendo 25,8% unidades de conservação ou terras indígenas. Um total de 58 áreas são consideradas como extremamente altas, quanto ao grau de importância biológica na zona marinha. Entre as ações prioritárias que devem ser implementadas, estão criação de mais UCs e reconhecimento de terras indígenas e quilombolas, além de de corredores ecológicos e ordenamento de atividade pesqueira. Mas pouco se avançou neste sentido, nos últimos anos.
Esse imenso ecossistema azul é afetado pela falta de cuidados em diferentes esferas, provenientes de esgotos domésticos, poluentes tóxicos (incluindo riscos decorrentes de vazamentos extração de petróleo e gás), resíduos de toda ordem e pesca predatória.
Nessa lista de perigos, se destaca os microplásticos (partículas de até 5 mm de diâmetro, fabricados ou criados com a decomposição do plástico), segundo o 11º Anuário do Programa de Meio Ambiente das Nações Unidas (PNUMA).
O documento final ‘O Futuro que Queremos’ da Conferência de Desenvolvimento Sustentável – Rio+20, no Rio de Janeiro, também apontou a prioridade de soluções quanto à poluição marinha, principalmente por plásticos, poluentes orgânicos persistentes, metais pesados e nitrogênio. Ao mesmo tempo ratifica o compromisso de agir para reduzir a incidência e impacto destes poluentes no ecossistema marinho. Neste aspecto, é um problema que transcende fronteiras, pois as correntes marítimas fazem com que esses resíduos viajem por milhares de quilômetros.
Como uma epidemia, essa situação de vulnerabilidade se alastra atingindo a população costeira tradicional, de forma mais direta, e segue território adentro. Isso acontece com influências gradativas no clima, no aumento do nível do mar, no estoque pesqueiro e, de forma mais objetiva, na qualidade de vida.
Lei e prática
As legislações e programas nacionais vigentes não dão conta na prática das necessidades de conservação. Segundo o Panorama de Conservação dos Ecossistemas Marinhos e Costeiros do Brasil, publicado pelo MMA, a zona costeira foi instituída como Patrimônio Nacional, em 1988. No mesmo ano, o Congresso ratificou a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, que estabelece soberania, direitos e deveres sobre a zona econômica exclusiva, além do conceito de mar territorial, de plataforma continental, e diretrizes para a conservação da biodiversidade marinha. Dois anos depois, foi aprovado o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro, regulamentado em 2004. Existe ainda uma Política Nacional para os Recursos do Mar, com versão atualizada em 2005, que preconiza exploração e aproveitamento‘sustentável’.
Segundo o MMA, desde 2001 é também desenvolvido o Programa Nacional de Monitoramento de Recifes de Coral, ao longo da costa nordestina. No campo da pesquisa e atendimento de espécies ameaçadas, existe o Centro Nacional de Conservação de Tartarugas Marinhas (Tamar) e o Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Mamíferos Aquáticos (CMA), além de Centros de Pesquisa e Gestão de Recursos Pesqueiros do Ibama.
Há outras iniciativas em curso no país com a participação público-privada e do terceiro setor, como o Projeto Coral Vivo, o colegiado Mar no Conselho Nacional da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, que integra o Programa Homem e Biosfera da UNESCO, entre outros.
Na esfera internacional
O governo brasileiro, apesar de ser signatário de tratados internacionais, como o da implementação das Metas de Aichi (2011-2020), do Protocolo de Nagoya, no âmbito da COP da Diversidade Biológica, está longe de atingir o que o documento propõe. O país não ratificou o documento (iniciativa indispensável), submetendo a análise ao Congresso. O documento entrará em vigor mundialmente, em outubro, porque houve a ratificação de outros 50 países integrantes, o mínimo exigido para a implementação. A situação fica mais desconcertante, pois à época das discussões, o país foi um dos principais articuladores e a secretaria da COP tem à sua frente, um brasileiro, Bráulio Ferreira Dias (ex-secretário de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente), que foi, em grande parte, responsável por essa mobilização, nestes anos.
As metas relacionadas ao bioma aquático/marinho são:
Meta 6: Até 2020, o manejo e captura de quaisquer estoques de peixes, invertebrados e plantas aquáticas serão sustentáveis, legais e feitas com a aplicação de abordagens ecossistêmicos de modo a evitar a sobre-exploração, colocar em prática planos e medidas de recuperação para espécies exauridas, fazer com que a pesca não tenha impactos adversos significativos sobre espécies ameaçadas e ecossistemas vulneráveis, e fazer com que os impactos da pesca sobre estoques, espécies e ecossistemas permaneçam dentro de limites ecológicos seguros.
Meta 10: Até 2015, as múltiplas pressões antropogênicas sobre recifes de coral, e demais ecossistemas impactadas por mudança de clima ou acidificação oceânica, terão sido minimizadas para que sua integridade e funcionamento sejam mantidos.
Meta 11: Até 2020, pelo menos 17 por cento de áreas terrestres e de águas continentais e 10 por cento de áreas marinhas e costeiras, especialmente áreas de especial importância para biodiversidade e serviços ecossistêmicos, terão sido conservados por meio de sistemas de áreas protegidas geridas de maneira efetiva e eqüitativa, ecologicamente representativas e satisfatoriamente interligadas e por outras medidas espaciais de conservação, e integradas em paisagens terrestres e marinhas mais amplas.
Com relação à conservação das zonas úmidas, o Brasil é signatário da Convenção Ramsar, que protege lagunas, manguezais e recifes de corais. Entre estas áreas, estão inseridas nesta lista mundial, a Área de Proteção Ambiental das Reentrâncias Maranhenses, da Baixada Maranhense, o Parque Estadual Marinho do Parcel de Manuel Luiz, os três no MA; o Parque Nacional Marinho de Abrolhos (BA), o Parque Nacional do Araguaia (TO) e o da Lagoa do Peixe (RS).
Mais motivos de desequilíbrio
De forma global, uma série de interferências prejudiciais ocorre nos oceanos no planeta, além dos resíduos. Entre elas, estão algumas poucas conhecidas da maior parte da população, como o fato de absorverem 26% do dióxido de carbono emitido à atmosfera pelas atividades humanas. Isso aumenta a acidificação das águas oceânicas (nível de pH), o que pode comprometer a vida marinha. Essas interferências não param por aí. Aproximadamente 80% das 232 ecorregiões marinhas do mundo têm relatado a presença de espécies aquáticas invasoras, mediadas principalmente por meio de água de lastro e incrustação no casco do transporte marítimo internacional. No Brasil, há alguns exemplos, como o coral-sol e o peixe-leão.
No campo da segurança alimentar, das 200 espécies mais adequadas ao consumo humano, 120 pelo menos estão sendo exploradas além do limite e 80% dos recursos pesqueiros também já estão no sinal vermelho, segundo a FAO (braço da ONU na área de alimentação e agricultura).
Veja também no Blog Cidadãos do Mundo:
22/08/2014 – Almirante Ibsen: um defensor do conservacionismo
29/06/2014 – Ilha deserta: o conceito de deserto revisitado
*Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk
Crédito da foto: Sucena Shkrada Resk