A marcha e as panelas da Casa Grande

Pelada ou de verde-amarelo, a elite reacionária está desfilando em redes e ruas, pedindo atraso com um “q” de nostalgia. No fim, essas passeatas estão deixando bem claro o que empurra o país para baixo. Interessante é o gostinho que parcela da classe média experimenta de atender a convocatória das redes, por sua vez ocupada pelo discurso da grande mídia, e sair à campo para disputar as ruas.

Do ponto de vista midiático, a horda já sai do estacionamento para o asfalto com muitos pontos a favor em relação aos que usam as ruas para reivindicar direitos. As cem mil margaridas do campo que floriram Brasília na semana passada não valem para a mídia privada a imagem de uma dondoca lamentando que Dilma esteja viva.

O efeito facebook no Brasil traz maior alegria aos que gozam de conexão rápida, do notebook ao smartphone, e se arrogam a ilusão de falar em nome do povo ( e a banda larga, cadê?). Esse direito de expressão democratizado está longe das sinalizações do governo e do Congresso. Se a internet chegar à favela, será dentro dos cercadinhos do sr. Mark Zuckerberg, em projetos do tipo internet.org. E ele sabe usar. Até outro dia, era regra do facebook não permitir mudanças no título de um evento que já tivesse mais de 500 seguidores. De hora para outra a regra mudou. E um chamado contra Aécio Neves, com milhares de adesões, foi transformado em evento contra o PT, com pencas de mineiros que odeiam o ex-governador engrossando o caldo involuntariamente. Distraído nesses casos, parece que o facebook afrouxa as regras.

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Tirando os truques e a generosidade da mídia com as panelas, que em 6 de agosto bateram sem alma, nem beleza, nem a sinceridade do lamento, nem um pouco da rebeldia das latas e tambores do Brasil, há algo a notar. Em cenas de envergonhar descendentes por várias gerações, os canarinhos da direita estão aos poucos se isolando em si mesmos, deixando por rastro um espetáculo de horror.

Os manifestantes deste domingo escancararam que não dão a mínima para a criminalidade ou a corrupção que faz grande parte da esquerda se envergonhar diante dos dedos em riste dos juizes e da premiação espetacular aos delatores. A dignidade da denúncia sucumbiu diante da nova autoridade midiática conferida aos alcaguetes. Entre a necessidade da autocrítica e da resistência aos ataques, a esquerda e simpatizantes, até outro dia, do ciclo petista, agora se paralisam. Não há defesa cega que permita incluir a corrupção como parte da regra do jogo. E não há como encher as panelas dos que acreditam em soluções higienistas.

A esquerda deveria barrar o repasse da conta da crise econômica aos trabalhadores e levantar-se contra os ajustes. . Mas quem quer saber do que de fato está em jogo? Onde é possível o debate aberto e comprometido sobre o futuro do País?

Aliados do governo que se perguntam onde estão as bases organizadas e mobilizadas que alçaram o PT ao terreno da disputa pelo poder,quase também não encontram pistas, desde que o próprio PT desvencilhou-se o mais que pode destas bases para completar o percurso até o Planalto. Em algum lugar do caminho, a tentação da trilha mais curta minimizou o preço das concessões ao carrasco, que agora apresenta fatura alta. Há um grande debate a ser feito. Mas o caso dos manifestantes batedores de panelas é outro.

Não há decência no discurso das ruas de domingo. Manifestantes assumem sem pudor que são ” todos Cunha”, o ícone da corrupção instalada no Congresso, e que matariam, se pudessem, os que resistiram à tortura. Ignoram as chacinas, aplaudem linchadores, desdenham da população negra que clama contra a matança de sua juventude. Querem mandar os jovens mais cedo para as cadeias, e lavar as mãos quanto ao seu futuro. Não há civilidade em querer caçar o direito do voto das famílias beneficiárias dos programas sociais ou em reivindicar a sonegação como direito. Não há seriedade em manter o financiamento empresarial das campanhas, que mantem o poder público sob o jugo dos interesse privados.

O que de fato anima os manifestantes e faz bocas salivarem é a perspectiva de um golpe que restitua seu papel de elite abraçada ao poder. A história da resistência aos demandos da ditadura de fato não interessa. Jovens enfileirados e em pose de servidão facista metem novo 7X0 na autoestima do povo brasileiro, que precisou lutar muito mais por democracia, do que pelos títulos da seleção.

Bundas expostas revelaram machos decadentes que não concebem a idéia de uma mulher no poder, sem achar que é seu papel baixar as calças em cerco coletivo. Os pintos caem mas a natureza dos estupradores permanece em alta.

À luz do dia, e no foco narcisista dos selfies, não é tão ruim que o diabo se mostre em toda sua mesquinharia. Só assim dá pra assistir a lenta e encabulada deserção dos desavisados e mandar o recalque de volta para o seu destino: a força que empurra as paredes das senzalas no Brasil, é a que vai abater, sem dó, essa arrogância vexatória da Casa Grande

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