“Direito à Comunicação também é Direito à Cidade” foi o tema de um debate ocorrido no último dia do Fórum Social Urbano, 26 de março. Estiveram presentes Vito Giannotti, coordenador do NPC; Álvaro Neiva, do Coletivo Intervozes; Helena Elza de Figueiredo, do Movimento Helaiz; e Gizele Martins, editora do jornal O Cidadão, da Maré. Ao final do debate foi apresentado o filme dirigido por Pedro Ekman Levante Sua Voz (http://www.youtube.com/watch?v=gf3Votr52QQ), produzido pelo Intervozes, que retrata a concentração da mídia no Brasil.
Giannotti, fazendo referência ao tema da mesa, constatou que não é garantido a todos(as) o direito à cidade devido à visão que se tem de cidade-empresa, que não prevê a inclusão da população negra e pobre. Ele lembrou que, historicamente, os movimentos sociais e de trabalhadores que se opõem a tal situação e passam a lutar por seus direitos acabam sendo reprimidos e silenciados. Quem é vítima dessa criminalização não tem garantido seu direito à comunicação exatamente para que se naturalize tal modelo de gestão do espaço urbano. “Assim, é a mídia do capital que acaba tendo o domínio da fala. E o que ela faz? Acaba agindo como o verdadeiro partido da burguesia”, analisou Giannotti. Como ele avalia, essa estratégia é importante para deixar a classe trabalhadora cada vez mais oprimida e assustada, sem reconhecer seus direitos. “Por isso é importante criar nossos próprios meios de comunicação, meio que disputem a visão de mundo”, disse.
Álvaro Neiva, do Intervozes, falou sobre a importância de toda a sociedade refletir sobre seu direito à comunicação, o que muitas vezes não se torna claro devido à brutal concentração da mídia que existe no Brasil. Ele ressaltou que há muito ainda para ser conquistado: “Apesar de haver alguns avanços na Constituição, que prevê, por exemplo, proibição de monopólios e oligopólios e a complementaridade dos sistemas estatal, público e privado de radiodifusão, tais pontos não foram regulamentados ainda”, esclareceu. Neiva citou outro aspecto importante, que é a renovação das concessões públicas de rádio e TV, feitas praticamente de forma automática. Neiva disse ser essencial disputar o conceito de “liberdade de expressão”, pois ele deve ser entendido como um direito de toda a sociedade, e não de pequenos grupos. “Não dá para rádios comunitárias continuarem a ser criminalizadas, terem seus equipamentos apreendidos. A mídia comercial, que diz
defender a ‘liberdade’, ajuda mais ainda a criminalizar. Também ela se manifesta contrária a qualquer tentativa de fiscalização por parte do poder público. Ou seja: defende apenas a sua própria liberdade, não de todos”.
Comunicação própria para combater exclusão na mídia
Helena Elza de Figueiredo deu um depoimento emocionado, relatando como existem diferenças no tratamento dado pela mídia empresarial e pelo porder público em relação a ricos e pobres. Moradora do Morro Tuiuti, em São Cristovão, ela contou que sua filha foi sequestrada e morta em 2006. Após o trágico episódio, Helena e outra mãe resolveram criar o Movimento Helaiz – mães em ação contra o rapto, sequestro e desaparecimento de crianças.
“Nós, pobres e favelados, somos desprezados, e o tratamento é bem diferenciado. Como a polícia age quando ocorre sequestro do filho do rico? Ela age rápido, e logo dá início às investigações. Já a gente eles mandam para casa. E a mídia, o que faz? Ao nosso caso quase nunca recebe atenção”. Helena avalia que o que facilita o desaparecimento de crianças nas comunidades é a falta de políticas públicas que garantam um espaço seguro em tempo integral para os filhos.
A jornalista Paula Máiran, que vem acompanhando e prestando assessoria ao Movimento, lembrou o sequestro da menina inglesa Madeleine, em 2007, que estava com seus pais em Portugal. O caso foi capa e destaque em vários jornais e revistas. “Naquela época a Helena me ligou chorando, perguntando por que a vida daquela menina tinha mais valor do que a da filha dela”, relatou Paula, mostrando como é importante criar alternativas de comunicação.
E uma dessas alternativas é o jornal comunitário O Cidadão, da Maré, que existe há 10 anos. Como contou a estudante de comunicação Gizele Martins, que trabalha nele há sete anos, são rodados 21 mil exemplares, distribuídos nas 16 favelas que formam o Complexo da Maré. Na avaliação de Gizele, apesar das dificuldades, o veículo vem cumprindo uma importante função: “Esse jornal veio para fortalecer a identidade dos moradores da Maré, porque a mídia burguesa não nos representa como personagens, não mostra o que a gente é. Pelo contrário: produz clichês como o de que todo favelado é vagabundo, criminoso, envolvido com o tráfico”, desabafou Gizele.
A estudante lembrou da morte do menino Mateus, de apenas oito anos, assassinado pela polícia quando saia de casa para ir à padaria comprar pão. A mídia empresarial começou a divulgar a versão dos policiais de que o menino tinha “ligação com o tráfico” e de que havia ocorrido “troca de tiros”. A presença do jornal comunitário conseguiu alterar essa versão. “Ninguém ouviu a versão dos moradores. Nesse momento eu vi a importância das nossas mídias, tanto na apuração quanto dos próprios fotógrafos da Maré, os grandes responsáveis por fazer a perícia naquele dia”, concluiu.