por Rafiqa Salam
Palestina, novembro de 2010
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De todas as cidades que conheci, teve uma que, particularmente, mexeu muito comigo. É um sentimento estranho, nunca tinha estado lá, e agora eu pisava num lugar que não existia, mas já existiu. Esse paradoxo eu só vivi por um instante, na verdade por um dia que parecia, pelo seu peso, ter mais do que 24 horas.
O que dizer dos sentimentos dos palestinos que vivem cotidianamente esse paradoxo! Vivem num país que existe, mas o mundo já o tirou do mapa! Fazem seus afazeres diários, como qualquer povo, amam, tem suas famílias, trabalham, comercializam, mas têm que segurar nas mãos uma cédula que traz a bandeira do país invasor… Parece difícil entender por que não ter uma moeda com as lindas cores preta, branca, verde e vermelha da bandeira Palestina?
Impossível mesmo é aceitar que eu pisava num lugar que era uma cidade viva e agora é um descampado. Um lugar que tem a existência do hoje calcada na eliminação do ontem…. Que, para se consolidar, teve que expulsar, desalojar e arrancar famílias de suas casas, mas não de suas raízes históricas!
Ando por terras que querem que eu enxergue um Parque Nacional , autopistas perfeitas, áreas de lavouras e assentamentos judaicos, querem que eu veja o Estado de Israel!
Mas só consigo ver o bater dos corações palestinos, como uma cadência, animadora, anunciando o retorno…. Vejo ali a Palestina livre… Mas meu devaneio é quebrado pela voz do motorista, chamando para voltar, temos hora para entrar e sair! Temos que sair da Palestina de 1948, passar pelo checkpoint e entrar no que restou da Palestina pós-1967, complicado de entender, imagina de ver!!
Aliás, como entender a ocupação sionista de Israel? O único país no mundo que se denomina Estado, oficialmente, inclusive no nome: Estado de Israel. Um nome que agrega ação: é um Estado que sempre está em mudança de estado – e não estou fazendo trocadilho. Avanços na expansão territorial: Israel tem suas fronteiras em constante movimento! Não tem uma Constituição! Não tem nenhuma lei que descreve a sua área físico-geográfica, pois ela é proporcionalmente elástica à sua força de ocupação… Ocupa áreas da Palestina, Síria, Líbano… Já ocupou Egito, Jordânia e até águas internacionais!!
A cidade que mexeu comigo, até 1948, se chamava Qaqun. Uma linda aldeia, com campos de terras férteis, plantações, casas simples que eram o lar de 2 mil pessoas, tão perto do Mar Mediterrâneo, a apenas 8km de distância. E saber que foi justo por essas águas que os grupos terroristas judeus como Haganah e Stern expulsaram à força e com violência brutal os nativos, palestinos que até hoje sonham com o regresso a sua terra natal! Um sonho impedido pelo pesadelo de não poderem pisarem onde eu estava. Depois de viverem como refugiados em cidades próximas como Tulkarem, Nablus e terras mais longínquas, mas não mais tranquilas, como Síria, Líbano, Kuwait e Jordânia, achei que fotos, pedras e terra poderiam ser compartilhados com aqueles que dali nunca saíram.
Então, bem longe dali, vi o amor, que transcende a tudo, se materializar. Vi um palestino que nasceu em Qaqun e, aos 13 anos, juntamente com sua família, foi forçado a sair e abandonar sua casa e terras. Ele, que está impedido de pisar onde nasceu, abriu um lindo sorriso e beijou a sua terra! A terra de Qaqun agora em suas mãos! Sua filha lhe presenteou com a terra de Qaqun! Mãos calejadas, apertando as mãos de sua filha, que trouxe para ele mais do que alegria, trouxe o retorno a sua terra natal!
Senti em meu coração que fui abençoada por essa linda cena. Revigorada, desejo também ser testemunha da Palestina livre!
Na foto, o Parque Nacional de Kakoon, onde antes ficava a aldeia de Qaqun.