Voltar a fazer política

O tumulto provocado pela invasão da marcha de abertura do II Fórum Social Brasileiro por uma viatura e o uso de arma pela polícia militar de Pernambuco trouxe ao palco da festa o tema da criminalização do MST, principal atingido pela agressão.

Alexandre Conceição,da Coordenação Nacional do MST, falou do mesmo assunto um dia antes, à Ciranda. E para ele, a criminalização é orquestrada pela imprensa para evitar o debate sobre os rumos que o país está tomando.

Com uma agenda movimentada pelas jornadas de março, o MST chega ao Fórum com a expectativa de haja um salto de qualidade da luta anti-imperialista, por meio da intensificação das agendas. Leia a entrevista:

Você sente que está aumentando a intolerância em relação às ações do Movimento sem Terra? Parece que entre os movimentos sociais o MST estaria entre os mais visados e criminalizados, como aconteceu no caso Aracruz.

Com relação à criminalização dos movimentos sociais, esse é o papel que a mídia sempre fez, a mídia de massa. Ela tem feito muito bem esse papel e, pra você ter uma idéia, basta abrir os jornais e ler os editoriais, as matérias, as imagens mostradas na grande mídia, na tentativa de criminalizar o Movimento Sem Terra. Mas ela não discute com a população nem leva a população à principal informação, que é a necessidade do camponês de ter a terra dividida, principalmente para desenvolver o interior desse país. Sem a reforma agrária, isso não vai acontecer e as grandes cidades vão ter grandes problemas com inchaço populacional,com a violência, prostituição, narcotráfico, as igrejas pentecostais crescendo cada vez mais. Então, para salvar esse país, o interior desse país, só com a luta pela terra e pela reforma agrária.

O MST tem tido este ano uma agenda bastante agitada. Como ela chega ao Fórum Social Brasileiro?

A gente iniciou no mês de março uma grande jornada de manifestação por conta de todo o atraso da reforma agrária. Infelizmente, o poder judiciário, o latifúndio e a elite brasileira, principalmente a detentora dos meios de comunicação de massa, fazem com que a reforma agrária seja impedida. Então, depois de uma avaliação que nós fizemos na coordenação nacional, de que nesse modelo do agronegócio, da financialização da agricultura, não há espaço para a reforma agrária, decidimos fazer uma luta política mais avançada, mais cotidiana para conseguir a reforma. Foi uma jornada bastante movimentada, com muitas ocupações no Rio Grande do Sul, aqui em Pernambuco, no Pontal do Paranapanema, várias mobilizações, principalmente também com a jornada dos 10 anos de Eldorado dos Carajás, a jornada de luta contra o agronegócio. Houve várias ocupações em áreas produtivas porém que não cumprem com sua função social e degradam o meio ambiente, que prejudica porque tem um trabalho escravo. A gente já vem para o Fórum com bastante mobilização, inclusive nós estamos nos concentrando Quinta-feira (20), às 8 horas da manhã, aqui no terminal integrado de passageiros aqui do Recife, para sair em caminhada com cerca de 2 mil camponeses, pra ir ao Fórum. Vamos chegar por volta das 11 horas na Universidade Federal, de lá vamos almoçar, e em seguida vamos nos encontrar com os demais companheiros que lutam por um outro Brasil possível, pra construir de fato uma nova política pra esse país.

E como o MST pretende participar dessa construção?

Infelizmente, os 10 anos neoliberalismo, os 10 anos de OMC, 10 anos dessa política neoliberal jogaram nosso povo, nosso país, no fundo do poço. E também fizeram com que o povo brasileiro deixasse de discutir a política, e a política foi sempre sendo feita a partir de representações.

Esse modelo de política representativa está falido, nós precisamos construir novos modelos de política nesse país, que é o modelo de política participativa. Nós temos agora que fazer com que o povo volte a discutir política, fazer assembléias populares, transformar um problema de saúde do povo, um buraco na rua, num problema da comunidade, que a comunidade possa se envolver, discutir. Porque, infelizmente, a classe política no Brasil hoje já não resolve os anseios da população. E também essa falsa democracia que a gente tem no Brasil, onde 60 milhões de brasileiros passam fome. Nós não acreditamos nessa democracia, é preciso construir a democracia participativa com a população brasileira.

Nesse momento, esse Fórum Social Brasileiro, que sentido político ele tem para o MST?

Ele tem um sentido muito forte. Primeiro porque os fóruns como um todo, tanto os mundiais de 2001 e 2002, e os vários fóruns, como o das Américas, o I Fórum Social Brasileiro, o Fórum Nordestino, facilitaram muito as articulações das lutas pelas políticas públicas do Brasil e do mundo. A partir dos fóruns a gente implementou com mais força a luta contra a Alca, contra a OMC, contra os transgênicos, em defesa da nossa soberania. Então, esse processo teve grande importância. Agora, nós esperamos que esse II Fórum dê um salto de qualidade. Qual é o salto de qualidade que nós esperamos? De que a gente comece a fazer lutas políticas massivas, mais cotidianamente, como diz a carta de princípios do fórum, que é antiimperialista e anticapitalista, que a gente possa construir uma sociedade socialista.

Você consegue antever o impacto que o fórum pode provocar no contexto político do Brasil?

Olha, com a maracutaia, o balaio de gato que está Brasília, a extrema direita atrapalhando o governo que também se atrapalha no processo de governar esse país, é possível então a gente construir novas instituições participativas. E, o fórum, eu acredito que vai trazer esse impacto, porque as pessoas vão começar de fato a discutir a política nacional, e participar dos debates principais. Porque uma medidazinha na OMC, a gente achava que não afetaria nossas vidas lá no campo, mas a gente está vendo agora, a partir das discussões políticas, que qualquer medida na OMC, a implementação de um projeto como a Alca, afetam diretamente a classe trabalhadora, tanto no campo como na cidade. A partir dessa consciência esse fórum vai poder ter um impacto de que a gente pode fazer lutas antiimperialistas, anticapitalistas e construir não só um Brasil socialista mas construir essa irmandade latinoamericana, essa grande pátria.

Além dessas lutas mundiais, o fórum também está discutindo a chamada experiência brasileira, trocando uma avaliação dessa experiência. Vocês vêm com uma avaliação?

Esse segundo fórum já começou a meses atrás quando a gente teve que sentar, que se reunir, que discutir qual era o tipo de fórum que a gente queria. Discutimos muito arepresentatividade da política nesse período. O impacto que nós achamos que esse fórum fosse dar não só para a nossa organização, mas para todas as organizações que estão participando, que são mais de 500, com entre 12 mil a 15 mil trabalhadores na marcha, vai fazer com que as pessoas comecem a pensar que esse país é feito de homens e mulheres livres que construirão seu futuro a partir de um entendimento político de que é possível. Não com representante que não nos representa. Porque na verdade a elite brasileira e a burguesia nacional e internacional jamais vai dar à classe trabalhadora aquilo que ela mais almeja, que é a sua liberdade e a sua dignidade. Isso só vai ser conquistado com muita luta, com muita batalha, e nós estamos dispostos a fazer essa batalha. E Fórum Social Brasileiro traz essa esperança, traz esse impacto nessa conjuntura política. A sociedade brasileira está num processo de eleição mas já não vai com tanto gás, com tanto pique para as eleições porque, infelizmente, depois de tantas eleições o cenário do povo brasileiro só tem se agravado. Então, agora a gente tem de se juntar cada vez mais, aglutinar forças sociais, criar consciência de classe e fazer a luta política que não vai ser fácil.

É repensar tudo de novo ou continuar pensando?

Não temos tempo pra repensar. A nossa tarefa agora é continuar a luta, porque nosso pensamento é simples: precisamos construir um país para os brasileiros para todos, independente de cor, raça, etnia, opção sexual. Então, não precisa pensar. Nós temos claro que país queremos, um país socialista, um país humanista, um país solidário E, para isso, não precisa pensamento. Agora é juntar as bandeiras em torno desses objetivos e fazer as lutas políticas massivas.

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