Parada para pensar

Imagem: arte de rua de Galo em Recife

Chico Whitaker, um dos idealizadores do Fórum Social Mundial, concedeu a entrevista abaixo pouco antes de embarcar rumo a Recife, para onde leva uma esperança crítica: “a avaliação direta da experiência brasileira talvez não interesse assim tanta gente… As pessoas estão querendo é tocar a bola pra frente…”.

Ciranda – Qual o sentido de se promover e participar do II FSB?

Chico Whitaker – Um segundo FSB teria que ser organizado algum dia. O novo é fazê-lo temático e tomar como tema a experiência brasileira destes últimos anos, na luta por nos livrarmos do neoliberalismo e construirmos um país justo e igualitário, sonho que levou Lula a ser eleito.

Este sonho deu no que deu, como se diz, apesar de muita gente, entre nós, achar que tudo não passou de uma “montagem” da oposição, apoiada na mídia. Não se poderia no entanto deixar passar em branca nuvem tudo que houve de frustração mas também tudo que se acha que está sendo feito e ainda pode ser feito. Ou seja, o momento é de avaliação – antes de entrarmos na nova etapa que se abrirá com a eleição de outubro.

Avaliar não o governo Lula, como alguns dizem que é o objetivo do II FSB. Mas avaliar a atuação de todos os atores sociais, desde antes de Lula, em especial aqueles que se empenharam para que fosse dado o passo da sua eleição: governo, partidos, movimentos sociais, sindicatos, igrejas, cidadãos em geral. O que poderia ser feito e não foi feito? O que ainda pode ser feito?

O momento é também de avaliação da própria possibilidade real de superarmos o neoliberalismo no Brasil. Neste ponto se situa a frustração maior. Mas há condições efetivas para isso? Como e por onde lutar ou pelo menos que brechas podem ser abertas? Em que avançamos ou em que recuamos?

Há que se avaliar também o próprio funcionamento das nossas instituições democráticas. A demorada crise política que vivemos em 2005 – e que estamos ainda vivendo – escancarou todas as mazelas da nossa pobre democracia representativa. O tema da reforma política é mais do que atual. É o caso de aprofundarmos então o debate sobre ela e sobre as alternativas de mudanças – pelo menos no plano legislativo, sempre com participação popular.

Há que se ver também porque essa enorme crise política não chegou a provocar uma crise econômica de tamanho equivalente. Isto pode ser sinal de muitas coisas.

Ora, nenhum espaço para esse tipo de “parada para pensar” seria melhor que um Fórum Social, pela sua metodologia de horizontalidade, auto-organização de atividades, recusa de disputas de poder e de relação dirigentes/dirigidos, respeito à diversidade de atuação e pontos de vista, recusa de “documentos finais” pretensamente sintetizadores e conclusivos. Ou seja, é a sopa no mel. Ousamos e aí estamos, realizando o II Fórum Social Brasileiro – caminhos para a construção do outro mundo possível – a experiência brasileira.

Ciranda – Quais as suas expectativas em termos de impacto, contribuições e desdobramentos do FSB, considerando não só o ano eleitoral, como também horizontes mais largos?

Chico Whitaker – Confesso que fiquei um pouco surpreso com o número relativamente limitado de atividades propostas pelos participantes em torno das questões que coloquei acima – e que foram resumidas nas áreas de diálogo indicadas no lançamento do Fórum. De fato, grande parte das atividades a serem nele desenvolvidas girará em torno de iniciativas, trabalhos e lutas em curso nos diferentes setores da atividade da sociedade civil, como ocorre nos Fóruns Sociais em geral. Ou seja, ele acabou sendo menos “temático” do que talvez esperássemos.

Isto evidentemente não é ruim, porque permite que muitos desses trabalhos e lutas se tornem mais conhecidos e se possa trocar experiências e avaliações em torno dos mesmos, assim como construir novas articulações para novas iniciativas. Esse aliás é o principal objetivo do “espaço Fórum”, para isso ele foi criado.

E naturalmente as coisas não são assim separadas. Há sempre vinculações entre o que se está “fazendo” e o que se esperaria do quadro político geral. A discussão pode portanto “rolar” mais do que se esperaria. E há muitas atividades centradas diretamente na avaliação geral e na busca de caminhos. Veremos se elas atrairão muita gente.

Mas o que se pode concluir é que, como o caráter auto-organizado do Fórum reflete as expectativas e interesses dos participantes, a avaliação direta da experiência brasileira talvez não interesse assim tanta gente… As pessoas estão querendo é tocar a bola pra frente…

Ciranda – O que se entende por ‘experiência brasileira’? é possível avaliar, definir, situá-la no contexto mundial?

Chico Whitaker – Acredito que minha resposta às perguntas anteriores já dá alguns elementos sobre isso. Mas eu agregaria outra surpresa que tive: a eleição de Lula fez emergir no mundo todo uma enorme esperança de podermos efetivamente mudar as coisas. E se houve frustrações aqui, elas existiram também pelo mundo afora. Acreditei portanto que esse nosso Fórum atrairia muito interesse de todos que vêm acompanhando nossa “experiência”, com muita simpatia, fora do Brasil. Minha surpresa: poucas atividades propostas de fora do Brasil. Menor interesse ou divulgamos insuficientemente a realização do “Fórum de Abril”?

Resta saber se muitos virão, individualmente ou como organizações, participar do Fórum e das atividades organizadas pelos brasileiros, para verem como estamos avaliando nossa experiência. Isto no entanto só saberemos “in loco”, pelo tipo de participante que cada atividade atrair.

Ciranda – Qual a sua agenda no evento? pretende levar, apresentar algum trabalho, proposta? participar de outras atividades?

No quadro da rede que estamos relançando no próprio Fórum – a Repolítica: Rede de Reflexão e Ação Política Livre – estamos propondo duas discussões: sobre os partidos (instrumento político necessário e suficiente?), dia 21, das 8 às 11, area II, sala 09, e sobre a governabilidade (relações Executivo e Legislativo no Brasil), dia 21, das 11,30 às 14,30, na mesma area II mas na sala 12 ) – aproveito para fazer propaganda…

Alem disso, devo participar das oficinas propostas pela ABONG, no mesmo dia, devendo ainda saber como resolverei o problema de não ter o dom da ubiqüidade…
Na tarde do dia 21 ainda devo participar, das 15 às 18, da oficina sobre corrupção eleitoral proposta pela Comissão Brasileira Justiça e Paz (área II, sala 02)

No dia 22 vou pela manhã (8 às 11) a uma oficina do Fórum Nacional de Participação Popular sobre Reforma Política (CCSA, anfiteatro 02) e das 11,30 às 14.30 participo do lançamento, pelo Movimento Pró Reforma Política com Participação Popular, da Rede Cidadã pela Reforma Política, no anfiteatro 06 do CCSA. Das 15 às 18, na sala 06 da área II participo da oficina da ABCD – Ação Brasileira de Combate à Desigualdade – onde apresento o Relatório do CONIC (Conselho de Igrejas Cristãs do Brasil) sobre “como os brasileiros vêem a desigualdade”.

Ou seja, meus dias serão cheios.

Ciranda – Embora o FSB se anuncie como ‘Fórum de Abril’, o mês abriga pelo menos outros dois eventos em nosso país – a Teia, em São Paulo, e o FISL, em Porto Alegre – nos quais a ‘autogestão’ tem importância fundamental. Qual a sua visão sobre esse aspecto nas organizações dos eventos e no cenário político e social contemporâneo?

Chico Whitaker – Acho que o Fórum Social Mundial teve o grande mérito de valorizar a auto-organização, criando uma alternativa para os encontros preparados de cima para baixo. Isto é muito bom em termos de construção de uma cultura nova, na perspectiva da participação popular e do exercício da cidadania, e na recusa do controle social vertical e autoritário. O caminho é ainda longo, rumo a uma mudança social efetiva nessa mesma linha, que alcance também partidos e instituições sociais em geral. Mas não há dúvida que estamos avançando.

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Referências externas:

http://www.teiacultural.org/

http://fisl.softwarelivre.org/7.0/www/

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