Uma conversa fraterna com o pessoal da RaiZ – movimento cidadanista

O ato de fundação da RaiZ no ForumSocialTemático contou com o apoio e presença de personalidades políticas do PSOL, Luciana Genro e Fernanda Melchiona e do PT, na pessoa de Tarso Genro.
Tomei a liberdade de procurar algumas pessoas que representam esse processo de formação de um partido-movimento no Brasil, para uma conversa fraterna, uma entrevista, mas, não consegui fazer presencialmente, os dias de fórum social foram corridos pra todxs nós, então, encaminhei minhas indagações e curiosidades por email, ao que Marcelo Soares – Sociólogo e Coordenador Nacional da RAiZ – Movimento Cidadanista, carinhosamente me respondeu para que todxs nós, através da Ciranda da Comunicação Compartilhada, tenhamos conhecimento dessa nova força e forma de fazer política que se inaugura em nosso país, suas pretensões e desejos.

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1. Eu estou cada vez mais convicta de que o desmanchamento da racionalidade está avançando rapidamente. Lidamos com paranoias e psicoses coletivas instaladas como sistema, tanto em locais de trabalho, quanto nas famílias, quanto no sistema geral da sociabilidade (mídia, estruturas de organização social). Acho que a ruptura caótica está se abrindo, em especial no Brasil, a passos largos. O que vocês, enquanto movimento Raiz cidadanista pensam sobre isso?

Marcelo Soares: Vivemos tempos sombrios, de retrocessos nos direitos sociais e individuais e de uma ofensiva do capital financeiro sobre os governos e a política como um todo. Mas ao mesmo tempo temos um retomar das lutas sociais, especialmente da juventude e das mulheres, assim como o surgimento de novas propostas dentro da esquerda, como o Podemos na espanha e a Syriza na Grécia, que sinalizam no sentido de superação da crise com saídas à esquerda.
O reflexo das muitas crises que vivemos (econômica, politica, ambiental) no plano das individualidades se faz sentir de formas distintas, pois temos observado não apenas o aumento dos casos de depressão, mas especialmente da intolerância e de comportamentos racistas e homofóbicos.
fundacao_raiz.jpg A RAiZ – Movimento Cidadanista tem entre suas sementes, dois princípios que entendemos essenciais para superar estes difíceis e construir novos padrões de sociabilidade. O Ubuntu africano, “eu sou porque você é”, “nós somos porque você ´é e eu sou”, representa uma busca de diálogo, consenso, inclusão, colaboração., compreensão, compaixão, cuidado, partilha e solidariedade, que se contrapõe à ética individualista vigente. E o Bem Viver (Teko Porã em Guarani) que se opõe ao “Viver Melhor” capitalista com base em uma nova relação entre os indivíduos e com a natureza como um todo.

2. Tenho a opinião de que devemos abandonar centralizações do tipo “Frente Única” para alguma solução de gestão e que precisamos gestar uma Frente Única que organize a ocupação do espaço comum com uma variedade de falas, discursos múltiplos, para erguer uma trincheira de racionalidade alternativa onde os sobreviventes lúcidos possam se abrigar. O confronto não é de poder, o confronto é de racionalidade alternativa versus derrocada geral da psiquê embrulhada no estágio atual do capitalismo. Gostaria de saber a opinião de vocês.

Marcelo Soares: A RAiZ – Movimento Cidadanista propõe a formação de Frentes Cidadãs nas próximas eleições municipais, a partir da experiência das mareas espanholas que levaram às vitórias de Manuela em Madrid e Ada Colau em Barcelona. Estas Frentes partem de uma nova lógica política, pois são construídas de baixo para cima, incorporando não apenas os partidos políticos, mas todos os coletivos e movimentos sociais locais, permitindo confluências com base em demandas concretas e a construção de um projeto coletivo para as cidades que queremos. É a aplicação prática do nosso conceito de cidadanismo, incentivando o protagonismo individual e permitindo avançar em formas de democracia direta cada vez mais superiores.

3. Penso que há questões decisivas, fundamentais, que são necessárias para romper. A primeira e mais importante é entender que fomos condicionados a levantar apenas uma bandeira, centralizar todos os grupos da resistência anti-imperialista em torno de uma bandeira, como se isso significasse força política. Essa decisão, tomada em relação à Ditadura Militar e ancorada em teses tradicionais da esquerda européia (Frente Única), tornou-se tradição, mito e dogma. Foi levada aos sindicatos e aos organismos de luta dos bairros e setores diversos. Isso foi feito de tal maneira que a pulsão reivindicatória foi submetida a um silenciamento só rompido pela explosão de insatisfações de junho de 2013. Lembro-me de defender, dentro de um fórum de software livre, a luta por redução de jornadas de trabalho, com o aumento de intervalos interjornada, como forma de proteger os olhos, as mãos, os ombros e o cérebro dos digitadores em programas em rede dedicada. Fui vaiada, porque me disseram que eu nunca convenceria a maioria a abandonar a luta por salários para se dedicar à luta pela saúde. Eu perguntei: mas porque não podemos lutar por tudo? Eles apenas riram de mim e nem se deram o trabalho de explicar. E a plenária entendeu que assim deveria ser, porque assim era. Bom, não creio que se consiga agrupar a confiança da maioria dos indignados. Portanto, entendo que a saída passa por um enfrentamento descentralizado em unificação de datas, momentos, lugares e alguns tipos de formatos variados, precisamos de uma nova saúde… Acho que o problema da ferida narcísica é que é justo o narcísico que abre o fluxo da paranoia, da perversão, da psicose. Estes são diagnósticos ultrapassados, na medida em que podemos descrever cada um deles em frações discretas na maioria das pessoas em nossa sociedade civil, embora essa maioria atue no mundo como um contingente de “normais”. Mas eles são o ponto de partida para descrições que acontecem na tecitura da sociabilidade, e que engendram as gerências, os vencedores, os vitoriosos, os líderes, os potentes, os viris, os partidos políticos, os poderes e as prisões. Como vocês pretendem trabalhar essas questões dentro do movimento Raiz Cidadanista? Será que não faz sentido se preocupar com isso?

Marcelo Soares: Pensar e construir novos projetos de esquerda no século XXI exigem uma compreensão das mudanças ocorridas no modo de produção capitalista em termos tecnológicos e sua influência sobre o mundo do trabalho, o que implica em uma redefinição dos próprios sujeitos da revolução ou das revoluções anticapitalistas. Tendo a concordar com Negri na substituição da classe operária por uma multidão enquanto esse sujeitos. Em termos políticos essa concepção exige mudanças na própria visão dos partidos políticos no campo da esquerda. A RAiZ substitui a ideia clássica dos partidos de vanguarda, por uma concepção de partido de retaguarda, ou seja, que se constrói junto aos movimentos sociais, fortalecendo-os e permitindo confluências e conexões entre eles, e não a parir daquela visão de cooptação que caracterizava e ainda caracteriza a relação entre os partidos da velha esquerda e os movimentos.
4. O FSM é orientado pela afirmação de que “Outro Mundo é Possível”, significando essencialmente o encontro das utopias em busca de materialização. Nasceu em 2001, em Porto Alegre, para propor alternativas ao modelo neoliberal, respeito e valorização da diversidade cultural, étnica, de gênero, religiosa, para oferecer resistência à opressão econômica, patriarcal, militar, colonialista e defender os bens comuns da humanidade, sejam imateriais, como o conhecimento, a memória, sejam direitos humanos e sociais, sejam as dádivas da natureza e o próprio planeta terra. Reunindo organizações e movimentos sociais de todos os continentes e, nestes, de vários países, o FSM significava a proposta de uma nova cultura política, iniciando um processo da sociedade civil pautado pela horizontalidade e o respeito às diferenças expressos em sua Carta de Princípios, nesses 15 anos de FSM, o movimento Raiz cidadanista é fundado durante e dentro de um fórum social temático comemorativo aos 15 anos de FSM. Porque? Existiria uma vontade de resgatar alguma ou muita coisa que o FSM abandonou pelo caminho?

Marcelo Soares: A ideia de fundação da RAiZ como partido movimento durante a realização do Fórum Social Temático de Porto Alegre surgiu justamente com a identificação e a busca de retomada dos princípios originais do Fórum, que assim como alguns governos progressistas que ele gestou na América Latina, se perderam no exercício da real politik e na busca do poder pelo poder, fortalecendo o estado e não a sociedade. Inscrevemos como atividade autogestionária neste Fórum um Seminário, “Ubuntu, o Bem Viver e o Ecossocialismo como princípios para um outro mundo possível”, que nos permitiu um amplo diálogo com lideranças dos movimentos negro, indígena e ambiental, os quais não foram contemplados por governos como os do Brasil, Bolívia, Equador e Venezuela, que priorizaram o extrativismo como modelo de “desenvolvimento” econômico, com graves consequências para os povos originários e o meio ambiente. Pudemos constatar neste Fórum uma grave contradição entre as mais de 400 atividades autogestionárias com as mesas de convergência em que se priorizou a defesa da democracia, que na prática significava a defesa do Governo Dilma. E procuramos enquanto RAiZ questionar essa democracia de fachada, na qual se ampliou o genocídio contra a juventude negra nas periferias das grandes cidades e do povo indígena na luta pela demarcação de suas terras.

5. O Brasil tem uma importância tremenda para o processo FSM por ter acreditado e abrigado sua primeira edição mundial em 2001, em especial, por Porto Alegre ser reconhecida na esquerda internacional como a capital da democracia participativa, o movimento raiz cidadanista pretende resgatar a democracia participativa, ou está surgindo para ser mais um partido ocupando espaço na democracia representativa?

Marcelo Soares: A RAiZ surge justamente desta crise de representação escancarada pelo que Castells denominou como “redes de indignação e de esperança”, que aqui no Brasil resultou nas mobilizações de 2013. E propomos claramente a ampliação da democracia direta e do protagonismo cidadão como forma de se resgatar a própria política enquanto exercício do bem comum.

6. A história do FSM também foi marcada pelo advento das novas midias sociais associadas a manifestações sociais na esteira da experiência com software livre em Seattle – 1999 e introduziu o conceito de comunicação compartilhada no movimento social, como o movimento raiz cidadanista lida com isso, novas mídias, comunicação compartilhada?

Marcelo Soares: Pretendemos ampliar a utilização das novas mídias sociais compartilhadas como estratégia pra furar o bloqueio da grande mídia em relação à novos projetos políticos, especialmente do campo da esquerda..E também adotar plataformas que nos permitam discutir e deliberar de forma horizontal e transparente dentro da RAiZ como partido movimento. Entendemos que uma nova sociedade pressupõe novas formas de comunicação, democratizadas e à serviço da emancipação dos indivíduos.

Mui grata, Marcelo Soares, o processo de formação e fundação da RaiZ – Movimento Cidadanista me faz cantar mentalmente a música do Mato Seco – Raiz Forte que diz assim:

Busca realmente algo além
Que seja diferente, inovador, original, revolucionário fazer
Fazer a sua vida revolucionar
Ser querido e querer, ouvido e ouvir
Espalhar a semente do bem e crescerá

Raiz forte, raiz, raiz

O que nos unirá e nos fará um só povo, um só coração
Como uma árvore de vários e vários galhos
Mas com uma só raiz
E um só coração, é preciso se ter

Raiz forte forte raiz o poder do sol
Forte forte tudo que precisa está ai
Raiz forte forte raiz o poder do sol
Forte raiz forte tudo que precisa está ai

Dê sua luta forte no coração
E agir como tal
Não será apenas mais um na multidão
E caminhar pra frente
Sem se preocupar com tropeços pois
A vida é pra viver e sempre existe a chance de um recomeço
Ah, mais nem sempre é possível manter sua luta e as vezes até ficar em pé
Mas conservar a raiz é um ato de resistência
Enfrentar as batalhas nos faz guerreiros em termos

Agradece ao teu Deus aonde está
A força que tem mãos pra trabalhar
Procure não reclamar
E acredite que a erva que te alimentou
Não foi em vão brotou
De uma raiz brotou, de uma raiz
E é uma obrigação resistir a nós todos guerreiros
A todo e qualquer mal qualquer força que nos possa derrubar
Pois é nossa obrigação manter
A raiz sempre forte
A raiz sempre forte

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