Três coisas muito erradas na proposta de Reforma da Previdência

Na minha humilde opinião tem pelo menos três coisas muito erradas na base conceitual dessa reforma e também na base conceitual das supostas reformas à esquerda…

1.Todas as propostas partem de uma concepção anacrônica do mercado de trabalho como base principal (ainda!) para o financiamento da previdência… O mundo do trabalho está em modificação estrutural e por razões que não consigo explicar aqui em poucas palavras, não faz mais sentido ancorar o principal do financiamento no salário e muito menos na capacidade remuneratória e contributiva atuarialmente das pessoas.

Ou seja, o financiamento ideal e promissor da seguridade e da previdência deveria gradualmente ir se deslocando da massa salarial para outras fontes mais amplas (tipo o natimorto OSS/CF-88).

2. Num país desigual e heterogêneo como o Brasil não faz nenhum sentido supor ou querer que o orçamento da seguridade e da previdência sejam equilibrados ou superavitários…

Ou seja, essa lógica do autofinanciamento da seguridade e da previdência talvez valha apenas para países que conseguiram universalizar o assalariamento formal atuarialmente contributivo etc… Em países como o Brasil a previdência pode e deve ser deficitária no sentido contábil do termo… Não apenas pelo fato de que as desigualdades de raça, gênero e regionais são absurdas, gerando situações laborais e sociais impossíveis de serem equalizadas por regras uniformizadoras entre homens/mulheres, ricos/pobres, rurais/urbanos etc…, como pelo fato de que, considerando a estrutura tributária regressiva do Brasil, e o multiplicador positivo maior que um do gasto social e previdenciário, é possível dizer que hoje em dia já são os trabalhadores (e os pobres mais que os ricos) que (auto)financiam (pelos impostos pagos sobre a renda e o consumo) seus próprios benefícios…

Em suma, não há como mitigar a desigualdade estrutural brasileira se não for por meio do uso do fundo público com perfil redistributivo pelo lado do gasto e progressivo pelo lado da arrecadação… simples assim… o resto é enxugar gelo, seja com a mão esquerda ou direita…

3. A esquerda precisa entender de uma vez por todas que o gasto social e previdenciário não desloca o investimento, logo, não é contrário ao crescimento econômico… por razões também longas de explicar aqui de modo resumido, o gasto social no Brasil é componente estrutural positivo (e com multiplicador maior que um) do crescimento econômico…

José Celso Cardoso Jr. é técnico de Planejamento do Ipea

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