Testemunhas confirmam: Ustra ordenou tortura de jornalista morto na ditadura

Testemunhas confirmaram perante a Justiça de São Paulo que o coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra foi o responsável pelas torturas que resultaram na morte do jornalista Luiz Eduardo da Rocha Merlino. O assassinato deu-se em 1971 nas dependências do Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), um dos principais instrumentos de repressão da ditadura militar (1964-85).

O Fórum João Mendes, na região central paulistana, abrigou nesta quarta-feira (27) audiência por causa de ação movida pela família do jornalista contra Ustra, que era major à época dos fatos e respondia pelo codinome de Tibiriçá. Segundo presentes à sessão, que foi fechada à presença de jornalistas, as seis testemunhas confirmaram que Merlino foi torturado até que sofresse gangrena nas pernas. Sem ser socorrido a tempo, morreu. “O segundo ponto fundamental é que o Major Ustra participou pessoalmente das sessões de tortura e provavelmente torturou em pessoa Luiz Eduardo da Rocha Merlino”, afirmou Fábio Konder Comparato, advogado da família, ao deixar a audiência.

Ustra não compareceu pessoalmente nem mandou os advogados Sergio Luiz Villela de Toledo e Paulo Alves Esteves, que assinam sua defesa. Duas advogadas apresentaram-se como representantes do militar, mas não se manifestaram em momento algum da sessão.

A ação da família Merlino tenta fazer com que o Estado brasileiro reconheça que Ustra comandou a tortura da vítima e foi o responsável pela morte. Em 2008, os parentes já haviam movido outra ação, mas o Tribunal de Justiça concordou na ocasião com a alegação da defesa do militar e decidiu arquivar o pedido. Agora, a expectativa é obter uma condenação por danos morais. Os autores da ação abrem mão de qualquer indenização, já que o que almejam é provar a culpa do responsável pelo DOI-Codi entre 1970 e 1974 – ainda assim, isso não significará emissão de sentença de prisão contra o coronel.
Convergência

Os depoimentos das testemunhas arroladas pela família convergiram no sentido de reiterar a condição de torturador do militar. “Ustra não só torturava como comandava a tortura”, apontou Eleonora Menicucci de Oliveira, professora da Universidade Federal de São Paulo. “Era uma engrenagem do Estado brasileiro a que nós, jovens, estávamos completamente submetidos.” Presa durante três anos e oito meses, ela esteve presente a uma das sessões de tortura pelas quais passou Merlino, e confirmou à juíza Claudia de Lima Menge que Ustra entrou e saiu da sala por duas ou três vezes.

Paulo Vannuchi, ex-ministro da Secretaria de Direitos Humanos, fez um relato técnico de seu depoimento. Ele contou que ficou detido durante dois períodos no DOI-Codi, que ficava na rua Tutóia, no bairro Paraíso, e que, na segunda passagem, viu um jovem deitado sobre uma mesa sendo submetido a massagens.

Vannuchi tentou conversar com o prisioneiro, que já tinha a voz bastante enfraquecida. “Era absolutamente raro massagem de torturados. Tinha ficado três meses ali e nunca aconteceu aquilo”, ponderou. O então militante se deu conta de que se tratava de um quadro que inspirava cuidados especiais. Depois de o companheiro de prisão ter sido levado pelos torturadores, ele nunca mais teve notícias, embora insistisse com o comandante do aparelho repressivo para que contasse o destino.

Vannuchi foi um dos que confirmaram que o coronel tanto ordenava a tortura como a praticava. “Ustra comandou pessoalmente, aos berros, uma sessão de tortura para que eu parasse de fazer greve de fome.” A mesma versão foi apresentada por Leane de Almeida, que integrava o Partido Operário Comunista (POC), como Merlino, e viu seu corpo, não se sabe se ainda vivo, sendo colocado no porta-malas de um carro. “Ustra me torturou no pau de arara. Ele comandava, atiçava os outros.”

Outro testemunho importante foi o de Joel Rufino dos Santos, pesquisador, historiador e amigo pessoal do jornalista assassinado. Ele foi preso algum tempo após a morte de Merlino e obteve de um torturador Oberdan a versão sobre a morte. Segundo arquivos da Justiça Militar obtidos pelo projeto Brasil Nunca Mais, Oberdan atendia também pela alcunha de Zé Bonitinho e integrava a equipe C de tortura do DOI-Codi. Rufino acredita que tenham lhe contado a respeito dos fatos como forma de intimidar e mostrar que poderia ocorrer-lhe o mesmo. “Depois de tortura implacável em pau de arara, ele é mandado para o hospital e, para salvá-lo, teria de amputar as pernas. Os torturadores decidiram não fazer isso, deixá-lo morrer.”

Amigos de Ustra

As testemunhas de Ustra não compareceram pessoalmente à audiência e pediram para ser ouvidas por meio de carta precatória. Foram arrolados José Sarney, atual presidente do Senado e presidente da Arena, o partido de sustentação da ditadura, à época dos fatos; Jarbas Passarinho, que passou por três ministérios durante o período do regime; o coronel da reserva Gélio Augusto Barbosa Fregapani; e os generais da reserva Paulo Chagas, Valter Bischoff e Raimundo Maximiano Negrão Torres e Ricardo Prata Soares.

Como eles prestarão depoimento em outras comarcas, será necessário que a Justiça Estadual dos lugares em que cada um deles vive faça contato e promova as oitivas. Assim, não é possível fixar um prazo para a conclusão desta etapa
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