Fotos: arquivo da comunidade Tupinambá de Belmonte
É tenso o clima na Terra Indígena (TI) Tupinambá de Belmonte no sul da Bahia. Em mais um desdobramento do conflito fundiário existente entre Tupinambás e uma família de fazendeiros capixabas que tem terras na região, a Justiça Federal de Eunápolis determinou a reintegração de posse para a família Ceolin, autorizando o uso de força privada se a família achar necessário, com a “opção” de chamar a Polícia Militar. ” As pessoas da região comentam que teriam sido contratados 12 homens, conhecidos como envolvidos com facções do crime organizado. E que esses homens estariam dizendo que quando chegarem não querem índios na fazenda””, diz a cacica Cátia Tupinambá, líder da TI Tupinambá de Belmonte.
“não querem índios na fazenda”
Cacica Cátia sobre os novos contratados da Família Ceolin
Nos últimos anos aumentou o risco para as 49 famílias que moram no TI Tupinambá de Belmonte. A família Ceolin, que explora economicamente terras no Território Indígena, tem aumentado a pressão para que os Tupinambás saiam. O clima de insegurança, vulnerabilidade e parcialidade é constante, informa Cacica Cátia. “Em novembro de 2017, declararam que iam me matar. Tocaram fogo no nosso centro de cultura e vieram colocar fogo na minha casa, mas não conseguiram”, conclui a líder. Um inquérito policial foi instaurado pela Polícia Federal.
A mais recente tentativa de expulsão dos Tupinambás encontra-se em curso. Ela foi feita pela família Ceolin, cujo patriarca – Sr. Alberto Ceolin, falecido em 2010 – era reconhecido como “um dos mais violentos” coronéis da região. Os Ceolin são proprietários da empresa Três Lagoas que administra uma fazenda composta por três matrículas distintas e contíguas, segundo registro formal do Cartório de Imóveis, com 3071 hectares do TI Tupinambá de Belmonte.
Nessa última etapa da batalha judicial, os Ceolin conseguiram “liminar de Reintegração de Posse” (processo nº1000086-20.2018.4.01.3310, decisão de 27/7/2018). O juiz Alex Schramm da Justiça Federal de Eunápolis, sem ouvir os Tupinambás ou a Funai, mais uma vez deu decisão favorável à família de fazendeiros, desconsiderando decisão sobre esse mesmo conflito dada pelo Tribunal Regional Federal em março deste ano (agravo de instrumento nº 0064822-71.2016.4.01.000/BA – decisão de 20/03/2018). Schramm determinou, a favor dos Ceolin, a “reintegração coercitiva da autora na posse do bem, que fica desde já autorizada, inclusive com a requisição de auxílio policial, caso se faça necessário”, ou seja, autorizou o uso de força privada se a família Ceolin achar necessário, sem obrigatoriedade de requisição do aparato policial.
Fazem 8 anos que o direito à terra dos Tupinambás de Belmonte foi reconhecido pela FUNAI. O Despacho Presi/Funai nº 530 de 22/9/2013 aprovou o Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação da Terra Indígena Tupinambá de Belmonte – BA. Por outro lado, durante este período, os órgãos do judiciário federal da região de Eunápolis têm criminalizado as lideranças indígenas, se posicionando a favor fazendeiros. Sobre isso, o coordenador geral do Movimento Unido dos Povos e Organizações Indígenas da Bahia (MUCOIBA), Kahû Pataxó, comenta que a atuação do Ministério Público Federal de Eunápolis, especialmente do Procurador Federal Fernando Zelada, “é muito morosa, lenta e danosa aos povos indígenas, criminalizando as lideranças indígenas”. Ele fala que “na luta pelo território, às vezes (Fernando Zelada) não atua e quando o faz se posiciona contrário” aos direitos dos índios.
Kahû Pataxó destaca a parcialidade da atuação do Procurador Federal Fernando Zelada, que é casado com a filha de Moacir Andrade (conhecido como “Moacir dos Búfalos” grande proprietário de terras da região, que desenvolve criação de búfalos em áreas de Várzea do Rio dos Frades e também está em conflito com os índios da região). Kahû lembra que o Procurador Zelada foi denunciado pelo movimento indígena nos anos de 2013 e 2014 junto à Sexta Câmara Criminal Federal por repetidamente criminalizar as lideranças indígenas. Após as denúncias, o Procurador Federal Zelada se afastou por dois anos para estudar. Mas, quando retornou, manteve-se na mesma posição e continua “criminalizando as lideranças indígenas da região”, completa Kahû.
Já sobre o Justiça Federal de Eunápolis (1ª instância), Kahû Pataxó comenta que “as decisões têm sido tomadas SEMPRE contra as comunidades indígenas”. Ele exemplifica a forma de atuação do Juiz Federal Alex Schramm com a decisão de 2014 quando determinou “cerca de 15 reintegrações de posse na região, com mais de 300 homens da Polícia Militar e Polícia Federal realizando arrastões durante uma semana, usando da força e armas letais”. E conclui destacando que “com as duas autoridades que temos na região só temos tido tristezas”.
“as decisões (judiciais) têm sido tomadas SEMPRE contra as comunidades indígenas”.
Kahû Pataxó – coordenador geral do Movimento Unido dos Povos e Organizações Indígenas da Bahia (MUCOIBA)
A família Ceolin aproveitou a última decisão do Juiz Schramm para avançar no cercamento e fechamento do acesso dos Tupinambás de Belmonte ao rio Jequitinhonha e as lagoas da Pedra, Timicuim e Pego. Essas lagoas são fundamentais para o abastecimento de água e fonte vital para sua sobrevivência, dentro do território delimitado. Segundo os Tupinambás, os acessos a estas lagoas haviam sido bloqueados pela Família Ceolin, mesmo não sendo feito dentro dos limites da propriedade da família como forma de retaliação. A cacica Cátia destaca o “valor sagrado do rio para os nossos rituais; eles são tão importantes quando a comida”.
O aumento do tensão e perigo para os Tupinambás torna a situação cada vez mais volátil. A cacica Cátia, reconhecida defensora dos Direitos Humanos, encontra-se sob risco. Ela comenta que “os representantes da Fazenda Três Lagoas entraram em guerra com a minha pessoa e com os Tupinambás”, observando que se sente vigiada e não dorme mais em sua casa: “a cada noite durmo na casa de um parente”. Os atentados acontecem quando menos se espera. O último episódio de perseguição ocorreu neste mês, em dia 3 de agosto. A equipe federal do Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos (PPDDH) informou que está acompanhando a situação da cacica Cátia desde 2017.
Neste momento a Associação dos Advogados dos Povos Indígenas da Bahia se mobilizou e luta para fazer valer a decisão da desembargadora Federal Daniele Maranhão que assegurava a posse indígena sobre o Território Tupinambá de Belmonte e garantia ao acesso dos Tupinambás aos lagos, lagoas e à margem do Jequitinhonha, locais sem os quais os Tupinambás não vivem. Segundo o advogado Marcelo Bloizi, a posição da Associação é de “defesa dos interesses dos índios, fazendo cumprir o que está na Constituição Federal de 88. Ele completa dizendo que “a causa indígena tem ficado totalmente desassistida, (…) (e) “se depender do STF, os índios ficam sem terra”.
Bloizi destaca que “o nosso objetivo é voltar a trazer eficácia à decisão de tomada Tribunal Regional Federal em relação aos Índios Tupinambás de Belmonte. O Dr. Alex Schramm, juiz de 1º grau, hierarquicamente inferior, passou por cima de decisão anterior autorizando inclusive o uso da força”. Para isso a Associação recorrerá ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região nos próximos dias, buscando impedir a ação de reintegração de posse que pretende expulsar os Tupinambás de Belmonte de suas terras. Aguardemos os próximos fatos….
Entenda o Caso